2/10/2010
O Grande Café Central
Embora possa haver, não me ocorre o nome de nenhuma terra portuguesa com a categoria de vila ou cidade que não tenha o seu Café Central. Cidades maiores, como Lisboa, têm até cafés centrais de bairro, como o Café Central da Encarnação, o Café Central da Boavista ou a Central da Baixa. Seja central ou não, o Café ou Café-pastelaria é uma instituição muito popular em Portugal, que sempre serviu de ponto de encontro, antigamente quase só para homens, nos dias de hoje para mulheres, homens, jovens e velhotes (frequentemente reformados). O ponto de encontro é igualmente um local de conversa, conversa que pode ser de negócios relativamente simples ou, mais comummente, de pura cavaqueira em que os últimos mexericos vêm sempre à baila. Se em tempos passados o Café era um costumeiro poiso de informadores pidescos, o que fazia com que as pessoas tivessem muito cuidado com a língua, actualmente não há problema no facto de qualquer um falar num grupo de amigos a favor ou contra o governo, mexericar isto ou aquilo, lançar "a última que ouvi" e coisas do género. Uma bica, um copo de água e um pastel de nata ou um queque podem pagar umas horitas bem passadas, numa vida que tem muito de monótono nomeadamente para quem já se reformou.
Esta instituição continuará a existir, mas possui agora um suposto concorrente. É um concorrente sui generis, na medida em que a favorece ao constituir uma óptima fonte abastecedora de conversas, de boatos e de mentiras-com-alguma-coisa-de-verdade, como o António Aleixo diria. Essa fonte é a Internet. A Internet transformou-se não em mais um Café Central mas sim no Grande Café Central. Tem, aliás,todos os ingredientes para o ser. A Internet começou por ser, através de anexos de e-mails, uma extraordinária fonte polinizadora de atracções turísticas sob a forma de montra de cidades, monumentos, paisagens, museus, praias, montanhas, etc. Muito mais económica e eficaz do que as informações em papel couché que seriam necessárias para levar a cabo a mesma publicidade, a informação passada pela Net não só abrange um número incrivelmente maior de potenciais clientes como também possui a considerável vantagem de ser reencaminhada por um amigo, que a recebeu e resolveu passá-la a mais vinte amigos e conhecidos. É uma polinização que ainda hoje resulta. À escala mundial.
Entretanto, no nosso país, o que bate presentemente toda a concorrência em anexos de e-mails e em blogs é a propagação da notícia escandalosa, do comentário político, do boato, da "cacha" que ainda quase todos desconhecem. O portador de uma determinada notícia ainda não revelada ganha status, o que o faz transmiti-la de pronto. Aos seus amigos. Que têm outros amigos e conhecidos. O processo é idêntico. Através do "spam" dos e-mails que são virtualmente gratuitos, a notícia percorre um número de "portas" de casas que nenhum carteiro do mundo conseguiria atingir em tão curto espaço de tempo. E, assim, a Net transforma-se no Grande Café Central, com cada um confortavelmente sentado em casa à sua secretária, com um computador em frente - sem a necessidade da bica e do bolinho da praxe, mas esses virão noutra altura, amanhã durante o dia. Entretanto, vamos a esta "pouca-vergonha de sujeiras atrás de sujeiras de um governo que nunca mais nos larga", destes "políticos que são uns verdadeiros tachistas", "já se viu o valor das reformas que estes gajos têm?", "olha, até o padre franciscano, com a sua tradicional pobreza, governou-se bem durante a vida e arrecadou uma pensão de tomo", "o primeiro-ministro é gay e por isso teve tanta pressa em aprovar uma lei sobre os homossexuais", etc. etc.
Desportistas de bancada, comentadores desportivos de café? Voyeurismo puro? O velho gosto da má-língua? De tudo isso um pouco, certamente. Porém, se aprofundarmos um pouco, talvez encontremos também algum sentimento de desforra e possamos entender melhor esta febre de "estendal de roupa suja". Afinal, os políticos só cuidam verdadeiramente dos cidadãos por ocasião das eleições. A partir daí, a partir da legitimização que os cidadãos lhes concedem, eles pouco contam e não são tidos nem achados. O diz-se diz-se do Grande Café Central pode, ao fim e ao cabo, conter uma percentagem mais ou menos elevada de vingançazinha pela falta de poder que os cidadãos-eleitores sentem, e da qual se ressentem. Ainda por cima quando os outros parecem levar uma vida assaz confortável e banquetear-se com trafulhices rentáveis tanto em termos de poder como de bem-estar material.
Além do mais, este é também o preço a pagar pela justiça que temos: ineficiente, morosa e, com isso, ineficaz e injusta.
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