1/16/2011

Esqueletos no armário

"Ter um esqueleto no armário" é a tradução literal da expressão inglesa a skeleton in the cupboard. Basicamente, ter um esqueleto no armário significa que uma pessoa possui para si própria um ou mais segredos que a embaraçam e cuja revelação a envergonharia. Atrevo-me a dizer que, ao longo da nossa vida, cada um de nós vai tendo pelo menos um esqueleto no seu armário. E há quem tenha uma larga colecção. É evidente que quem tem apenas um, e relativamente inócuo, dorme muito mais descansado do que quem tem vários. Mas de que género de segredos são esses?
Creio que os mais comuns são sobre sexo e sobre dinheiros obtidos pouco honestamente. Assim, alguém que sente tendências homossexuais pode sentir-se embaraçado com o facto e guardá-lo para si mesmo. Se o arejasse, o esqueleto saía do armário e toda a gente o conheceria – é o assumir uma verdade, é o revelar um segredo, que aliás assim deixaria de o ser. É frequente que haja algum embaraço com este facto. Casos de pedofilia entram igualmente dentro deste domínio. Casos de abortos ilegais, também. Trafulhices monetárias para com outros ou para com o fisco – deixar de pagar os impostos devidos, por exemplo, o que não é tão raro assim – pode ser mantido em segredo, até porque, com uma certa lógica, quem possui esse segredo pessoal inquire-se a si mesmo: que ganho eu em revelar que é assim que faço? Se conclui que nada ganha com isso e, pelo contrário, só tem a perder, é perfeitamente natural que a pessoa continue com o seu segredinho bem guardado no armário.
A verdade das verdades, julgo eu, é que a grande maioria das pessoas gosta de gostar de si própria; como todos sabemos, é absolutamente anormal que alguém prefira ser alvo de críticas constantes. De elogios, gostamos; quanto a críticas, detestamos, embora possamos fingir que elas não nos molestam. Já Descartes ironicamente dizia, há quase quatrocentos anos, que o bom-senso é aquilo que, aparentemente, Deus melhor distribuiu: todos parecem satisfeitos com o que lhes coube em sorte. Parafraseando o pensador francês, alguém notou que o bom-senso é o único bem realmente escasso do qual ninguém acha que tem falta.
Este é, creio, um pano de fundo razoável para encetarmos a discussão de um caso concreto. Nos últimos meses, a propósito da campanha eleitoral para a Presidência da República, os media têm procurado encontrar esqueletos no armário de Cavaco Silva. (Alguns dos de Manuel Alegre, verdadeiros ou falsos, há muito que circulam na Internet.) Por que razão desperta especial interesse encontrar eventuais segredos inconfessáveis de Cavaco Silva? Por duas razões principais: uma delas é porque ele se vangloria de ser uma pessoa intocável, de possuir um carácter impoluto, de só querer o bem e nunca o mal, por ser honesto a toda a prova; a outra é porque ele é de longe o candidato com maiores possibilidades de vencer, pelo que se torna o mais apetecido neste domínio.
A arrogância de Cavaco Silva já vem de longe, pelo menos desde os tempos em que foi primeiro-ministro. A sua convicção de que sabe tudo melhor do que os outros torna-o altivo à vista de muita gente, o que naturalmente não é agradável. Há muitos, no entanto, que, embora lhe reconheçam alguns defeitos, nele confiam mais do que nos outros, e é nele portanto que vão votar, até porque não desgostaram totalmente da sua presidência actual e anseiam por um novo governo, cansados e fartos que estão daquele que presentemente têm. E como aos deputados é conferida a possibilidade de aprovar várias moções de censura ao governo e, com isso, mostrar que o governo não pode continuar - dando assim azo a que o Presidente dissolva a Assembleia da República e promova novas eleições -, há conveniências de voto.
É dentro deste contexto que uma revelação feita pelos media foi particularmente relevante. Está relacionada com o BPN (Banco Português de Negócios) e com a Sociedade Lusa de Negócios, SLN, que o controlava. Como tem sido noticiado, o BPN foi basicamente um banco fundado por membros sociais-democratas, sendo que alguns tinham estado em governos de Cavaco Silva, como foi o caso do Presidente do Banco, Oliveira e Costa, que foi Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais, e Dias Loureiro, que não só foi ministro como também foi pessoalmente escolhido por Cavaco Silva para o seu Conselho de Estado. Quando o escândalo dos negócios fraudulentos do BPN e da sua "tóxica" situação financeira veio a lume, verificou-se que havia muitas pessoas ligadas ao partido social-democrata, e eventualmente a outros partidos, que tinham sido aliciadas para comprar acções do banco e o tinham realmente feito.
Recordo que, em determinada altura, o Presidente da República Cavaco Silva veio à televisão propositadamente fazer uma comunicação ao país revelando que ele próprio tinha possuído acções do BPN, as quais no entanto tinha vendido. Portanto, nada tinha a ver com o que se passava no Banco. Acredito. Pessoalmente, quando ouvi a declaração na TV fiquei surpreendido. O que me interessava aquilo? Eu sabia lá que o PR tinha tido acções do BPN ou da SLN! E que mal havia nisso?
Bem, agora, através de artigos como o que encontrei no último número da Revista Sábado, parece que havia mesmo qualquer coisa de especial. Concretamente, o actual PR terá sido privilegiado no preço de aquisição das referidas acções. No dia 4 de Abril de 2001, Cavaco terá comprado cerca de cem mil acções ao preço unitário de €1 quanto o valor médio das acções vendidas nesse período foi de €2,09. No mesmíssimo dia, a sua filha terá adquirido pelo mesmo preço um número ainda superior de acções (cerca de 150 mil), igualmente ao preço unitário de €1. As compras efectuadas por Cavaco Silva e pela sua filha são as únicas desse ano registadas por €1 nos documentos internos do BPN. Até ao final do ano de 2003, as referidas acções terão sido vendidas por Cavaco Silva e pela filha por, respectivamente cerca de 252 mil e de 366 mil euros.
O que está aqui em causa não é de maneira nenhuma o lucro. Nem operações ilegais. O que surge, pelo menos aos olhos de quem examina estes números, é uma situação de favor no preço da compra. Pode dizer-se que Cavaco Silva nada tem a ver com isso. Ele terá comprado ao preço a que lhe permitiram fazê-lo, assim como a filha. Aproveitou. E vendeu quando achou conveniente e, possivelmente, quando soube de rumores de que a coisa não ia bem com o banco nem com a SLN. Aliás, o futuro conselheiro de Estado Dias Loureiro vendeu os seus mais de 2 milhões de acções em 2002.
Do ponto de vista do BPN, ter um accionista como Cavaco Silva era, como facilmente se entenderá, um trunfo importante. Por uma questão de prestígio, encorajaria outras pessoas a usarem o BPN nos seus investimentos e na compra de acções; e, em certa medida – qual, será difícil de dizê-lo – Oliveira e Costa talvez julgasse encontrar-se mais protegido em caso de investigações ao seu banco.
Este caso lembra-me a história do primeiro-ministro Sócrates com a Universidade Independente. Também para os proprietários da universidade, privada, era natural que a presença entre os seus estudantes de José Sócrates fosse encarada como um trunfo. Ter membros do governo dá prestígio. E pode dar jeito. Não admirará, portanto, que um certificado tenha sido passado a um domingo, como consta. Era um favor especial.
Daqui caímos, claro, na eterna questão da ética. Quem se vangloria de honestidade respeita valores. A honestidade é um valor. Falamos de ética de valores. Quem utiliza favores, usa outro tipo de ética: a ética de favores. Activamente, por vezes, passivamente, outras.
E é assim que temos um caso neste momento. O espirituoso Óscar Wilde gostava de dizer que era capaz de resistir a tudo, menos às tentações. É um óbvio exagero, mas tem graça. Há pessoas e pessoas, mas também há tentações que são menores e outras maiores. A umas resiste-se, outras podem ser irresistíveis.
À mulher de César não basta ser honesta, precisa de prová-lo – exactamente por ser a esposa do imperador e não a mulher de qualquer um. Em cargos de responsabilidade exige-se grande transparência, certamente maior do que em situações comuns. No caso de Cavaco Silva, os media falam também de compra de terrenos ou de casa no Algarve, salvo erro igualmente com ligações a Oliveira e Costa. Convinha que tudo ficasse devidamente esclarecido. Nestas alturas, os jornalistas são mais atrevidos, e não basta dizer-lhes que mais tarde tudo lhes será explicado em detalhe. Em vésperas de eleições, os eleitores gostam de estar informados. A democracia é um regime que requer muita transparência neste aspecto. Se se dá ao povo a noção de que os homens e mulheres do poder podem usar de Eubjectividade – todos têm que acreditar nas palavras do “eu” que fala – em vez de real Objectividade, as pessoas começam (ou continuam) a não acreditar na democracia. E isso não é bom.

2 comentários:

  1. Tentativa de explicação de "Esqueletos no armário" que termina em dissertação árida e interminável!!!!

    Esta é a explicação tipica de pessoas que gostam de se sentir "professorais" e, devido a isso, explicam tantos detalhes que acabam por se perder e não dar explicação nenhuma.

    Um dia um miúdo chegou ao pé do pai e perguntou o que queria dizer a palavra "sexo".
    O pai sentiu-se embaraçado, chamou o filho para junto de si, pôs uma expressão austera de quem iria falar de algum assunto grave e iniciou a explicação. Começou por explicar assuntos da área da Biologia, tais como a reprodução das plantas e dos passarinhos.
    A conversa de pai para filho deve ter demorado duas a três horas.
    No fim o pai perguntou ao filho se tinha percebido. O filho respondeu: «Eu acho que percebi, mas agora não sei como vou escrever isso tudo no boletim de matrícula da escola!»

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  2. Partilho da mesma opinião. Tanta conversa para definir uma expressão...

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