Os acontecimentos que vêm ocorrendo desde há algumas semanas no mundo muçulmano, com o seu algo inesperado início na turística Tunísia, constituem verdadeiros casos de história que se está a desenrolar ante os nossos olhos. É um facto que não estamos nos locais onde esses acontecimentos têm lugar, nem temos a consciência vivida do que os ocasiona. Mas não creio que seja muito difícil imaginar, nas suas grandes linhas, do que se trata.
Quem já visitou alguns destes países, v.g. Marrocos, Argélia, Egipto, constatou a existência de vastas massas de população com problemas económicos, para não dizer situações de grande pobreza. Os salários são geralmente baixos. A taxa de desemprego na esfera da juventude chega a atingir números superiores a vinte por cento (30 por cento na Tunísia, 20 por cento na Argélia, 30 por cento na Mauritânia, 35 por cento no Iémen). Ora, a juventude é, por natureza, mais ambiciosa do que a velhice; além disso, o esforço de alguns desses países na educação oferece aspectos positivos, como seria de esperar, mas origina igualmente a acumulação de muitas frustrações por falta de empregos. Basta perguntarmo-nos: por que razão surgem tantos muçulmanos na Europa?
Por outro lado, a história de Ben Ali e da sua mulher Leila Trabelsi na Tunísia está longe de ser única. Forma-se um clan – não ouso dizer elite - de pessoas super-ricas, que esbanjam rios de dinheiro em extravagâncias de vária ordem, enquanto a esmagadora maioria da população padece de inúmeras carências. A religião pode ajudar, mas o factor concreto de dificuldades monetárias na alimentação, na habitação, nos estudos e nos cuidados médicos acaba por impor-se e conduzir, mais tarde ou mais cedo, à revolta. Revolta que pode ser subjugada ou sair vencedora.
O Ocidente, com a acção de antigos países colonizadores, como a França e a Itália, e certamente com a omnipresença de grandes potências económicas como os Estados Unidos e a Alemanha, tem largas culpas no cartório, especialmente pelos lucros que pretende auferir através da exploração de mão-de-obra barata. E é o Ocidente, mais preocupado com os seus próprios interesses do que com a situação dos povos, que por vezes tem conseguido manter no poder ao longo dos anos alguns dos líderes, na exacta medida em que eles são complacentes com a maioria das suas pretensões.
Em muitos casos, como diz um recente artigo da revista Newsweek, as famílias que estão no poder regem-se menos pelos princípios da Magna Carta e mais pelos da Cosa Nostra. Para além de desmandos financeiros de toda a ordem, a vida que os privilegiados levam, as casas e os carros que ostentam, choca a grande maioria da população. Não é raro que surjam problemas, como um que alegadamente ocorreu com um sobrinho da mulher de Ben Ali, que terá mandado furtar um iate na costa da Córsega, iate esse que semanas depois entrou num porto tunisino já com outra cor e com novos documentos de registo. Porém, como o dito iate pertencia ao Presidente de um banco de investimentos francês, amigo de Sarkozy, foi naturalmente recuperado e o caso abafado. São estas também as cumplicidades do Ocidente.
Presentemente, vemos a história a fazer-se. Com os Wikileaks a terem a sua quota-parte. Como será daqui a uns tempos? Sempre que penso em entrar na futurologia, saio. Rapidamente. Recordo-me do clássico provérbio japonês que nos diz que quando os homens se põem a adivinhar o futuro, os corvos começam a rir. Seja como for, este não é um conjunto qualquer de países. Nele se inclui a Arábia Saudita, por exemplo, que está entre os maiores produtores de petróleo do mundo, e a Líbia, igualmente grande produtora de petróleo. Aliás, a Liga Árabe, que inclui 22 países membros, é de longe o maior produtor mundial de petróleo. A possibilidade de, a seguir à Tunísia, o Egipto ter também sérios problemas, é grande. O facto de o actual Presidente, Mubarak, que ocupa o seu posto há 30 anos, querer que seja um dos seus filhos a suceder-lhe, de há muito que causa grande irritação no país.
Como o petróleo é essencial nos transportes e num meio-mundo de produtos vários, a economia mundial tende a desestabilizar-se. É a altura para uns poucos fazerem grandes fortunas e os muitos restantes sofrerem com o aumento do custo de vida e consequentes dificuldades. É uma história que nos toca, eventualmente com lições que eles e nós devemos aprender. Mas o homem não aprende facilmente lições deste tipo.
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