1/04/2011

Pontos de Vista


Há dias, quando estava na loja de fruta onde geralmente me abasteço, deparei com uns lindos peros bravos de Esmolfe. Comprei uns tantos. Junto à caixa para pagar, comentei com o dono do estabelecimento que aqueles peros eram não só bonitos como deitavam um aroma muito especial. Ele apreciou o comentário, mas, com um sorriso, corrigiu-me. "Não são peros; são maçãs. Peros não existem." Ora, quando a gente conhece as coisas há muitos anos e, naquele caso, eu até conheço Esmolfe, uma pequena povoação situada a três quilómetros de Penalva do Castelo, devo dizer que a notícia da não-existência de peros me surpreendeu. Mas era mesmo assim, explicou-me o Luís. Também ele só há pouco tempo é que tinha aprendido isso numa acção de formação promovida pelo Ministério da Agricultura. "Lá foram categóricos: não há peros. Há maçãs."
Pensei, como é óbvio, que o mais importante de tudo era o facto de aqueles peros, aliás aquelas maçãs, parecerem uma delícia. Contudo, não deixei de pensar que ali havia mão da União Europeia: se no resto da Europa não há peros, por que razão haveria de existir tal espécie em Portugal? Esta mania de estandardizar tudo!
A maçã será, na realidade, o fruto mais semelhante. Por outro lado, é um facto que no passado muitos dos frutos eram genericamente considerados maçãs (pomos, pommes, apples). É assim que temos as maçãs de pinha (os pineapples ingleses, ananazes), as maçãs da terra (pommes de terre francesas, batatas), as maçãs da China (as Apfelsinnen alemãs, laranjas), as maçãs do amor (apples of love do passado inglês e americano, tomate), as maçãs da Pérsia (pomum persicum dos antigos romanos, pêssegos) e as maçãs de ouro (aurangia também dos antigos romanos). Enfim, tanto fruto maçânico para comer deliciado, i.e. desfrutar.
Porém, isto de a União Europeia nos estar a roubar especificidades muito lusas pode ter consequências. Vou apenas mencionar mais um caso. Quando era miúdo, sempre ouvi dizer e li que Portugal era o país mais ocidental da Europa. Os Açores portugueses seriam as ilhas europeias mais ocidentais, assim como o Cabo da Roca era o ponto mais ocidental da Europa continental. Com esta de "ocidental" encasquetada, foi uma surpresa para mim quando aos dezoito anos fui pela primeira vez à Alemanha, onde trabalhei durante alguns meses, e me vi apodado de Südländer. Tal como um Engländer é um inglês, eu era Südländer, isto é, do sul. Bem insisti que não, que era português e latino, mas eles riram-se e não cederam.
Afinal, eu era um Südländer, i.e. dependendo do sítio onde estava era visto diferentemente. Foi para mim uma lição. Concluí, bem ou mal, que o ponto de vista de uma nação dominante para com os restantes países da zona, de um continente para com os outros continentes ou da capital de um país para com as regiões desse mesmo país era algo decisivo para a designação onomástica. E também para o desenho dos mapas. Do ponto de vista alemão, nós estávamos a sul, tal como outros povos latinos. Semelhantemente, a Áustria ficava-lhes a leste, donde lhe chamaram Österreich, literalmente "reino ou império do leste", enquanto a França, habitada por descendentes dos francos, era Frankreich.
Hoje, em 2011, já começamos nós próprios a ver-nos como sendo membros europeus do sul. Entramos no grupo da Espanha e da Itália. Se lhes juntarmos a Grécia, cá temos os famosos PIGS (Portugal, Italy, Greece, Spain) e, o que é mais, entramos no grupo dos países do Sul, que se opõe ao das mais desenvolvidas nações do Norte.
Será que encaixamos mais esta? Sem peros e sem o orgulho de sermos os europeus mais ocidentais, "onde a terra acaba e o mar começa"?

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