2/27/2011

A hora da verdade

Para além das múltiplas informações e reportagens sobre os três países africanos e muçulmanos – Tunísia, Líbia e Egipto - que estão entre os mais próximos das costas europeias, sobressaíram nos últimos dias duas notícias, ambas de carácter financeiro.
A primeira foi sobre a decisão do governo de fazer subir para 7,1 por cento (brutos) a taxa dos juros a vencer nos seus Certificados do Tesouro, que substituíram os mais conhecidos e presentemente desfavorecidos Certificados de Aforro. Para o Estado, oferecer uma taxa desta ordem representa um grito de desespero.
Quem investir agora mil euros terá, ao fim de dez anos, um rendimento líquido de 557 euros ao fim dos dez anos previstos para os Certificados. Quem levantar dinheiro antes será, naturalmente, penalizado. São juros que estão já em consonância com o máximo histórico de 7,63% a que Portugal se obrigou na passada semana para contrair novos empréstimos no mercado. Ambas as taxas estão muito acima dos números da inflação oficialmente declarada.
A segunda notícia importante foi sobre a posição pouco entusiasmante de Angela Merkel relativamente ao reforço do fundo europeu de estabilização. Este é um posicionamento que não é de estranhar. Merkel quer garantir, primeiro que tudo, aos bancos alemães e a outras instituições germânicas que tenham emprestado dinheiro a Portugal e à Espanha, que o receberão. Tudo lembra a história da cigarra e da formiga. Uma (a formiga alemã) labuta, economiza, investe, a outra (a cigarra portuguesa) labuta menos, economiza menos, gasta em excesso e canta em demasia. Num caso como este, dificilmente compreenderíamos os investidores alemães a assistirem a renovados empréstimos a Portugal. Pretendem, com a sua lógica, que o Fundo Monetário Internacional intervenha, garantindo a solvabilidade da moeda e, consequentemente, que as instituições que fizeram os empréstimos os receberão de volta, com os juros contratados. Quanto ao povo português e ao governo, os investidores limitar-se-ão possivelmente a pensar e a dizer entre si: que tivessem cigarrado menos e evitado ostentar aquilo que não podiam.
Auguram-se infelizmente tempos muito agitados em Portugal. Cá se fazem, cá se pagam. A verdade assusta.

2/23/2011

Marta, a melhor futebolista do mundo

O futebol feminino tem ainda poucos praticantes em Portugal, razão talvez por que o nome da brasileira Marta Vieira da Silva diz muito pouco no nosso país. Mas, para que se saiba, Marta já ganhou cinco Bolas de Ouro da FIFA, sendo a única futebolista a conseguir ser galardoada cinco vezes consecutivas com o maior prémio da Federação Internacional. (Nenhum futebolista masculino conseguiu esta proeza.)
Nascida numa aldeia do interior brasileiro e hoje com 25 anos, Marta estreou-se aos 14 num dos poucos clubes do Rio que possuíam uma equipa feminina, o Vasco da Gama. Com 18 anos, rumou à Suécia, onde jogou durante cinco anos por um clube local. Fez sensação e arrecadou três das suas Bolas de Ouro. De lá passou aos Estados Unidos, tendo-se tornado uma verdadeira celebridade. Tem jogado em clubes da Costa do Pacífico e ajudado a desenvolver extraordinariamente o futebol feminino.
Pensei que o melhor que podia fazer era trazer-vos um vídeo que mostrasse o real talento de Marta. Ei-lo:

2/21/2011

O terramoto da juventude árabe em duas revistas americanas


Creio que, a nível internacional, não existem revistas com maior circulação do que dois colossos americanos intitulados Time e Newsweek.
A Time é hoje, possivelmente, a revista semanal que tem maior tiragem em todo o mundo. Possui várias edições, como a Time Europe, para além da original, americana. A revista, que foi fundada em 1923, está integrada no grupo AOL Time Warner.
A Newsweek iniciou-se dez anos depois da Time e nunca ultrapassou a tiragem da sua grande rival, embora tivesse estado perto. Ultimamente, tem tido numerosos problemas, tendo baixado consideravelmente o número dos seus assinantes, que mesmo assim rondam os dois milhões. Há meses perdeu o seu director, Fareed Zakaria, que passou para os quadros da Time.
Ao comparar as duas publicações, não tenho dúvidas em considerar a Time mais conservadora do que a sua concorrente.
Assino ambas as revistas há muitos anos, tendo começado por assinar apenas a Newsweek. Uma das razões que me levam a fazê-lo é a gama de informação e opinião que consigo colher, a que se junta um custo bastante baixo por edição. Em termos comparativos, note-se que um jornal diário português como o Público custa, no mínimo, 1 euro. Uma revista semanal como a Sábado custa 3 euros. Ora, quer a Time quer a sua concorrente custam ao assinante 70 cêntimos. Admita-se que é um preço pouco relevante.
Um dos aspectos mais curiosos para quem assina ambas as revistas é constatar a maneira como elas abordam determinados assuntos. As respectivas agendas, dependentes dos acontecimentos que vão surgindo, recebem tratamento diverso por vezes, mas não é raro que exista uma notória coincidência.
Foi devido ao facto de há dias ter escrito neste blog sobre o terramoto que a juventude árabe vem causando e ter reproduzido um mapa da Newsweek, que hoje venho reproduzir, até para comparação, um mapa com muitas semelhanças que, uma semana depois, a Time decidiu publicar.
Estes mapas parecem-me importantíssimos, na medida em que revelam uma realidade que está a milhas de distância do que acontece na Europa, onde a população é substancialmente mais idosa. Aliás, o século XX foi para os europeus o último em que a juventude pediu meças às restantes camadas da população. Portugal, por exemplo, é um caso típico de números alarmantemente mais baixos de jovens do que há umas décadas.
Daqui resulta que as revoltas de jovens em países europeus são menos prováveis do que aquelas que se registam nos países muçulmanos. Mas mesmo neste continente o conflito geracional está bem presente e a sua eclosão não é improvável, o que pode dar origem a mudanças substanciais.
Notem-se as diferentes cores do mapa, de acordo com as percentagens de jovens registadas, e anotem-se pelo menos dois dos dados apontados:
60 por cento da população do norte de África e do Médio Oriente tem menos de 30 anos.
30 por cento dos jovens deixariam de bom grado o seu país para se instalarem num outro se tivessem condições para o fazer.

2/19/2011

Leonor da Fonseca Pimentel


Confesso que só ouvi falar neste nome há pouco tempo. Mas a história desta vida é tão rica, interessante e dramática, que me apeteceu partilhá-la convosco.


Leonor da Fonseca Pimentel nasceu em Roma a 13 de Janeiro de 1752, não longe da Piazza del Popolo. A atestá-lo, uma lápide de travertino na fachada do prédio onde nasceu, um palácio burguês do séc. XVII situado no nº 22 da Via Ripetta. Ficou para a História como A Portuguesa de Nápoles.

Filha de uma família aristocrática portuguesa proveniente da cidade de Beja, viveu em Roma até 1760, altura em que, por imposição do Marquês de Pombal, os cidadãos portugueses tiveram que abandonar o Estado Pontifício (a expulsão dos jesuítas de Portugal teve como consequência imediata o corte de relações entre Lisboa e Roma). Assim, a família Fonseca Pimentel deixou Roma e embarcou com a filha de oito anos para Nápoles, onde fixou residência.

Intelectualmente precoce e muito inteligente, a menina foi educada no ambiente requintado das letras e das artes. Foi jornalista, escritora, poetisa, pedagoga, bióloga. Enquanto poetisa, dedicou um dos seus poemas a D. Leonor de Almeida Portugal, Marquesa de Alorna (1750-1839), por quem tinha grande admiração.

Inspirada pelos ideiais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa, ficou na história de Itália por ter participado activamente na implantação da efémera República de Nápoles contra o domínio espanhol dos Bourbons.

Quando Fernando VI, rei de Espanha (e marido da portuguesa D. Maria Bárbara de Bragança) morre, em 1759, o seu irmão Carlos VII, rei de Nápoles, é chamado a Madrid para o substituir no trono de Espanha. O reino de Nápoles passa para o seu filho Fernando IV, então ainda menor. Após 1777, e sob influência da mulher, Maria Carolina de Áustria, irmã de Maria Antonieta e feroz adversária da Revolução Francesa, o reino cai num despotismo sombrio e acaba por entrar em guerra com a França. Os franceses retaliam e em Janeiro de 1799 tomam Nápoles, tiram o poder aos Bourbons e é criada a República Napolitana.

Mulher corajosa e revolucionária, incansável defensora dos pobres e das liberdades cívicas, sonhando com um país baseado na responsabilidade partilhada e numa mais justa distribuição da riqueza, Leonor toma parte activa na criação da República Napolitana. Funda o que viria a ser o jornal oficial da República Napolitana, considerado o primeiro jornal político de Nápoles, com profunda influência nas decisões do governo revolucionário.

Escassos meses depois (Julho de 1799), os Bourbons restabelecem a sua autoridade em Nápoles, põem fim à malograda República e perseguem ferozmente os liberais.

Acusada de crime contra o Estado, Leonor Pimentel é enforcada na Praça do Mercado de Nápoles a 20 de Agosto de 1799. Despede-se no cadafalso citando Virgílio: "Forsan et haec olim menimisse juvabit" ( talvez um dia seja bom recordarmos tudo isto).

A lápide do prédio nº 22 da via Ripetta informa quem por lá passa que ali nasceu uma mártir da Liberdade.

Acerca da vida de Leonor da Fonseca Pimentel, que se considerava portuguesa, cultivava a língua e a cultura portuguesas, têm sido feitos livros, filmes, conferências, colóquios, etc. Em Itália ela continua a ser a portuguesa de Nápoles. Em Portugal, creio que poucos ouviram falar dela. Por isso mesmo, «talvez um dia seja bom recordarmos tudo isto»....






2/14/2011

Ode à Alegria, 9ª Sinfonia de Beethoven

Felizmente conhecida de muitos, esta Ode à Alegria tem aqui a particularidade de contar com uma introdução notável feita pelo maestro Leonard Bernstein. Vale a pena ouvir.

2/11/2011

O que é que o Bloco quer?

O recente anúncio feito pelo Bloco de Esquerda de agendar uma moção de censura ao Governo para 10 de Março, após um primeiro anúncio não datado feito pelo Partido Comunista, causou alguma surpresa. E a surpresa foi maior devido à data.
10 de Março significa um dia depois da tomada de posse de Cavaco Silva para o seu segundo mandato e um dia antes da agendada cimeira dos países da zona euro, na qual o tema será exactamente aquele que mais aflige Portugal: a crise da dívida.
O que pretende o Bloco? Infantilmente, fazer "surra, surra!", como fazem os miúdos das escolas? Ganhar protagonismo para depois vencer as eleições? Se é este o seu objectivo, é melhor tirar o cavalinho da chuva. Entregar a governação de mão beijada à direita? Isso não será próprio de um partido de esquerda, que ainda por cima se diz inteligente e tem de facto algumas boas cabeças. Quer desestabilizar o país ainda mais? Com que desígnio? Quer pôr o país de novo em eleições de propaganda balofa durante tempo sem fim?
De facto, não entendo. Alguém me explica?

2/08/2011

Sexo e género

Há mais de um ano inclui neste mesmo espaço um post sobre sexo e género, especificamente sob o ponto de vista linguístico. Critiquei o uso de género em vez de sexo e considerei que igualdade de géneros não fazia sentido quando queria significar igualdade entre homem e mulher. Reportei-me ao inglês e ao uso do termo gender.
Leio, entretanto, no Público do dia 5 deste mês um artigo do Juiz Pedro Vaz Patto sobre o mesmo assunto. Embora eu possa não concordar com o objectivo final do artigo, considero que ele constitui um aditamento importante àquilo que escrevi, dado o seu âmbito mais alargado. O juiz em questão, o qual, pelo que escreve, não perfilha ideias de esquerda – está no seu direito, naturalmente - , insurge-se contra uma proposta dos partidos de esquerda para que na redacção do artigo 13º da Constituição portuguesa a palavra "sexo" seja substituída por "género". Afirma ele que esta é uma questão fracturante que está longe de merecer o consenso alargado próprio de um texto constitucional.
Segundo Vaz Patto, está em causa a transposição da gender theory para o plano legislativo. O sexo representa a condição natural e biológica da diferença física entre homem e mulher. Por sua vez, o género representa uma construção histórico-cultural. Embora haja apenas dois sexos – o masculino e o feminino -, haverá pelo menos cinco géneros: o heterossexual (masculino e feminino), o homossexual igualmente nas duas vertentes, e o bissexual. A gender theory sustenta a irelevância sexual na construção da identidade de género e, por consequência, também a irrelevância dessa diferença nas relações interpessoais, nas uniões conjugais e na constituição da família. Daqui surge a equiparação entre uniões heterossexuais e uniões homossexuais. E o modelo da família heterossexual subdivide-se em vários tipos de "família", tantas quantas as preferências individuais e para além de qualquer "modelo" de referência.
Achei democraticamente correcto referir aqui este ponto de vista.

2/07/2011

Youthquake


Quem gosta de palavras não despreza geralmente os jogos que eventualmente se possam fazer com elas. Este youthquake, algo como "terramoto de juventude" joga em inglês melhor com o conceito pretendido do que na língua portuguesa, na medida em que permite a aglutinação dos dois termos que compõem a palavra. E tanto youth como earth (de earthquake, terramoto) possuem cinco letras e a mesma terminação em –th.
Linguística aparte, este é politica e sociologicamente um tópico muito importante nas manifestações que ocorrem há cerca de duas semanas em países muçulmanos. O mapa acima, retirado do último número da revista Newsweek, espelha a importância percentual que pode ter uma juventude desiludida, sem emprego e sem grandes ou pequenas perspectivas de um futuro melhor: só incertezas. É a clássica situação do "futuro sem rosto".
Note-se que cerca de um terço da população destes países é composta por pessoas jovens. Se nos lembrarmos que "os velhos dão conselhos porque já não podem dar exemplos", entenderemos talvez melhor o que os jovens querem fazer, possivelmente com alguma irreflexão mas certamente com profundo sentimento de revolta, em nações que mantêm no poder quem não tem produzido as alterações que eles desejariam. São números a considerar. Um dos escapes continua a ser igual ao que ao longo dos séculos a humanidade sempre praticou: a procura de lugares onde se viva melhor. Através da emigração. Para o Ocidente.

2/04/2011

O anúncio do momento

2/03/2011

Dizendo bem


Há uns dois anos, como leitor diário do jornal Público, fui agradavelmente surpreendido por uma curtas crónicas a duas colunas, publicadas salvo erro às terças-feiras. O nome do seu autor era meu conhecido mas como tradutor, nomeadamente de uma colectânea de ensaios de George Orwell. Trata-se de Desidério Murcho. As crónicas no Público eram brilhantes e revelavam uma admirável liberdade de pensamento. Versavam filosofia, mas não aquela filosofia que me impingiram a mim e a tantos outros e que não passava de história da filosofia, i.e. saber como certos filósofos tinham solucionado para si próprios determinados problemas. Ora, de problemas resolvidos estamos nós mais ou menos conversados. Como novas questões estão sempre a surgir, o que nos interessa verdadeiramente é saber minimanente pensar.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos, que em boa hora foi criada e posta sob a direcção do António Barreto, acaba de lançar mais um livrinho dos seus "Ensaios da Fundação". Digo "livrinho" porque as publicações têm um número reduzido de páginas – entre 100 e 120 - e são perfeitamente acessíveis no preço: €3.15. É nesta linha que me permito recomendar Filosofia em Directo, do mencionado Desidério Murcho, que tem 45 anos e é presentemente Professor na Universidade Federal de Ouro Preto, no Brasil.
Para se ter uma ideia mais concreta do conteúdo, cito algumas das matérias abordadas – Democracia, Liberdade, Autonomia, Valor, Realidade, Raciocínio, Verdade – e transcrevo o primeiro parágrafo do Prefácio:
"Ter uma formação elementar em matemática, economia, física e história, assim como nas artes e história das religiões, é importante para o ser humano informado e autónomo. Mas uma formação em filosofia não o é menos. Não porque sem a filosofia seria as trevas e o caos, o que é historicamente falso, nem porque em filosofia se cultive uma apreciação dos pensadores do passado, porque isso é crer que fazer filosofia é o mesmo que apreciar a filosofia já feita. Ter uma formação elementar em filosofia é importante porque nos ensina a pensar melhor sobre problemas de tal modo complexos que a tentação é desistir de tentar resolvê-los. Quem tiver não apenas plena consciência de que muitos seres humanos não desistem de pensar quando os problemas são muito complexos, mas tiver também uma ideia precisa, ainda que elementar, de como se pensa sobre eses problemas, terá ganho, se não autonomia intelectual, pelo menos a possibilidade de a obter."