6/04/2011

Centros de decisão

Taxation without representation is tyranny! Foi este conhecidíssimo slogan que deu início à grande revolta da colónia britânica da América contra o país colonizador. Fazer os colonos americanos pagar impostos e não lhes dar a oportunidade de representação no Parlamento londrino parecia-lhes, e com razão, ultrajante. O centro de decisão estava todo colocado na capital britânica para servir os interesses da grande metrópole e não prioritariamente para defender os interesses da colónia, onde os impostos eram colectados na razão directa da sua produção.
Que me lembre, nunca houve também no Parlamento português representações condignas de elementos angolanos, moçambicanos, caboverdianos, etc. O centro de decisão era Lisboa, sede do governo português. Aqui se decidia sobre que contratos de exploração petrolífera e mineira se deveriam assinar e em que bases, aqui se planeava a estratégia para o tipo de plantações, exploração de madeiras, etc. que eram possíveis nas colónias e que iriam servir maioritariamente os interesses da metrópole.
Quando nos finais da década de 90 Portugal aderiu ao euro, acto que se veio a concretizar com circulação monetária apenas em Janeiro de 2002, o nosso país abriu mão de um importantíssimo centro de decisão. Deixou de poder verdadeiramente controlar a emissão da sua própria moeda e viu ser-lhe retirada a possibilidade com que sempre tinha jogado no meio cambial: a desvalorização do escudo e, mais raramente, a sua valorização.
Simultaneamente ou de forma gradual, outros centros de decisão passaram a ser externos. Estabeleceram-se quotas. A nossa produção de leite, a frota pesqueira, a produção de vinho e vários outros itens passaram a ser colectivamente decididos fora das nossas fronteiras. Na altura, embora alguns políticos e economistas tenham alertado para a importância desta perda de decisão nacional, a novidade do euro com os seus baixíssimos juros e os vultosos fundos que vinham chegando de Bruxelas fizeram calar muitas bocas. Hoje, estamos a ver como os alertas dos "velhos do Restelo" de então eram amplamente justificados. A tradicional indisciplina portuguesa, o descontrolo contabilístico de autarquias e de governos autónomos, a facilidade de endividamento administrativo e pessoal foram factores que se conjugaram numa atmosfera de optimismo nacional que possivelmente atingiu o seu cume em 1998 – o ano da Exposição Universal e do Prémio Nobel de Literatura para o português José Saramago.
A isso se juntou um conjunto extraordinário de benesses que os políticos a si próprios se concederam e regimes fiscais que beneficiaram sectores privilegiados. Tudo, incluindo ataques planeados de especuladores às finanças portuguesas carentes de empréstimos, esteve na origem de uma situação financeira e económica que acabou por nos retirar praticamente todos os centros de decisão. Hoje obedecemos à cartilha que nos é imposta de fora. Somos obrigados a comer e a calar.
Não obstante o intercâmbio e a interdependência obviamente existentes entre países, ser de facto independente pode ser difícil, mas não há nada como não depender em coisas básicas seja de quem for. Gradualmente, e a conjuntura económica e financeira contribuiu para isso, passámos de uma democracia mais ou menos aceitável para uma ditadura com algumas liberdades. A possibilidade de escrever este texto e de o colocar on line é um exemplo das liberdades que existem. Mas do que não restam dúvidas é de que a ditadura que nos é imposta por poderes externos é ainda mais severa e decerto mais humilhante do que se tivesse a sua origem dentro do país. Infelizmente, não será fácil livrarmo-nos do colete-de-forças em que nos encontramos.

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