8/24/2011

Tenho muitas vezes pensado em agradecer-lhe!

Ouvi uma vez uma velha amiga referir-se à situação de casada com o seu sentido de humor habitual: “Como dizem os franceses, un mari, c’est un mâle nécessaire”.
A frase dela ocorreu-me há dias, embora não por associação directa ou paralela. Estava eu na praia a chegar de uma longa e sempre agradável caminhada pelo areal imenso quando vi aproximar-se uma figura relativamente pequena mas esbelta que me chamou a atenção. Com a minha miopia – dou sempre descanso aos meus óculos quando estou na areia -, não conseguia distinguir-lhe bem o rosto, mas era uma pessoa com desenvoltura de jovem. Parecia-me a Ana, mas tinha ao mesmo tempo as minhas dúvidas. Quando chegou ao pé de mim, as minhas dúvidas dissiparam-se. Era de facto a Ana. A minha admiração aumentou. Conhecemo-nos de facto há largos anos, mas é geralmente apenas nos meses em que venho à praia que nos encontramos.
Sei pouco sobre a vida dela, embora conheça os seus pontos de vista sobre alguns assuntos que temos discutido. Conheço bem um dos seus filhos. O que eu não sabia era que a Ana era divorciada. Há muitos anos. Foi ao ouvir-me elogiar-lhe a sua leveza e aspecto gaiato que ela disparou: “Devo isto ao meu marido. Ou melhor, a ela!” “Vocês separaram-se por causa de uma terceira pessoa?” “Sim, mas ainda bem! Eu levava uma vida atribuladíssima, sempre com o meu trabalho na escola e depois, ao entrar em casa, surgiam as zangas e uma enorme carga de stress. Um dia, sabendo da situação toda do meu marido, ouvi-o dizer-me “Se queres que me vá embora, vou já!” “Então vai!”, respondi-lhe de pronto. A partir daí, já lá vão vinte e tal anos, tudo começou a correr melhor. O meu filho não ficou contra mim, nem contra o pai. Damo-nos bem. O meu ex-marido foi viver com a outra, o que para mim foi um descanso total. O stress passou-me completamente ao fim de pouco tempo e realizei-me no ensino. Hoje faço a minha ginástica e tenho cuidado com a alimentação. Como avó, ajudo o meu filho tomando-lhe conta dos meus netos. Muitas vezes penso para mim própria: devo isto tudo àquela mulher. Agora é ela quem o atura. Ela foi um anjo que me levou o diabo cá de casa. Já tenho pensado muitas vezes em um dia ir bater-lhe à porta e agradecer-lhe. Nunca o fiz até agora, mas bendigo o dia em que ele se foi. O meu ex-marido e eu damo-nos razoavelmente; até gosto de o ajudar quando ele precisa. Mas se recuperei o meu equilíbrio e nesta altura, aos 62 anos, me sinto muito bem fisica e mentalmente, a ela o devo. Foi ela o meu anjo da guarda.”
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