4/05/2005

Bolkestein revisitado

Já aqui abordei uma vez o assunto do projectado mercado livre de serviços na U.E. É um tema que está a dar água pela barba ao governo francês, na medida em que pôs a grande maioria dos trabalhadores contra o projecto. O que significa contra a União. O que pode significar também um "não" no referendo europeu que se aproxima.
Se volto ao assunto, é para contar resumidamente uma história que também deu água pela barba aos intervenientes. Durante o mandato de Mário Soares como P.R. -- já há mais de dez anos -- surgiu esta mesma bomba: mercado livre de serviços. Coordenando eu um curso que fazia a formação de guias-intérpretes nacionais, deparou-se-me o dilema de ser a favor ou contra a entrada de estrangeiros para desempenhar essas funções. As vantagens desses estrangeiros consistiriam no facto de terem já eventualmente prática de condução de grupos e de possuirem a mesma nacionalidade dos turistas que acompanhariam. As desvantagens eram que muitos aterrariam aqui de pára-quedas, não conheciam a língua portuguesa e não possuíam conhecimentos sólidos, quer de ordem histórica, geográfica, artística, etnográfica, etc., factores que em Portugal são considerados essenciais para o exercício da profissão. Uma vantagem para as agências de viagem estrangeiras residiria na poupança que realizariam através da dispensa de contratação de um guia nacional português, pois o acompanhante estrangeiro faria todo o serviço. Em termos comparativos, teríamos estrangeiros que poderiam não possuir a frequência de um curso superior de três anos, obrigatório para os portugueses, a desempenharem legalmente funções idênticas. Imaginei um natural abaixamento da qualidade normal destes serviços. Pensei que este é um tipo de serviço que é importante que seja feito por nacionais competentes e que amem o seu país. Embora houvesse eventual redução de custos para os operadores estrangeiros, considerei que se iria perder um background notável de formação, que levava já mais de trinta anos. Ir-se-ia criar problemas de trabalho a bons profissionais portugueses -- e que eram competentes atestavam-nos as muitas cartas de turistas que na altura recolhi. Por outro lado, na institutição em que eu trabalhava o número de guias-intérpretes oficialmente aprovados em exame perante membros do Sindicato e da Associação de Agências de Viagem era reduzido. Preferíamos claramente a qualidade à quantidade.
Estive contra a liberalização pura e simples. Era injusta. Redigi um relatório que entreguei em mão na Presidência da República -- é por isso que me lembro do nome do P.R. nessa altura -- e que foi levado para Bruxelas. Até hoje tem-se mantido o status quo. Qualquer estrangeiro pode, naturalmente, ser guia-intérprete em Portugal, mas terá que possuir a mesma formação e prestar as mesmas provas que os portugueses. Isso parece-me correcto.

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