4/27/2005

Dois extremos europeus

A frequência com que se tem vindo a estabelecer comparações entre Portugal e a Finlândia lembra o que sucedeu há anos com os estudos sobre Fernando Pessoa, dos quais então se dizia: "tanto Pessoa já enjoa!". Tudo porque a Finlândia consegue óptimos resultados e Portugal não.
Se me permitem, a comparação com países como a Finlândia ou a Suécia é mesmo forçada. Parece que os portugueses crêem demasiado na sorte. Pensam que talvez um dia nos calhe essa lotaria! Como se fosse fácil acumular de um momento para o outro uma cultura como a nórdica, que demorou séculos a construir e tão diferente é da nossa! Na Suécia, por exemplo, algo à semelhança da Grã-Bretanha, manteve-se muito forte o velho espírito das antigas assembleias medievais, dos governos locais e conselhos regionais. Onde é que havia disso em Portugal? No nosso país, a coroa e a sua corte sempre dominaram, juntamente com o clero. Que democraticidade e representação popular existia entre nós? A educação, factor determinante em todo o processo de desenvolvimento, cresceu qualitativa e quantitativamente em números que não são de todo comparáveis aos nossos. Nos países nórdicos, Finlândia incluída, existe uma honestidade social e um comportamento cívico que muito pouco têm a ver com a nossa maneira de estar. Como se sabe, a falta de confiança no Estado mede-se, em parte, pelos números da evasão fiscal. Compare-se a percentagem de pessoas que fogem aos impostos na Finlândia e em Portugal! Da mesma forma, não são proximamente comparáveis os rácios de riqueza e pobreza individual nos dois países. Na Finlândia -- tal como na generalidade dos países nórdicos -- existe um Estado forte, que cobra impostos mas proporciona educação universal e gratuita à população, juntamente com assistência na doença, além de efectuar uma significativa redistribuição da riqueza. Contrariamente, Portugal é dos países que maiores diferenças tem entre os 20 por cento mais ricos e os 20 por cento mais pobres. São diferenças abissais. Os respectivos índices de Gini são elucidativos. Como é que se pode pretender que o sentido de comunidade seja igual ou sequer semelhante nos dois países? Quanto tempo leva a construir um Estado com boa distribuição de riqueza, com educação de qualidade, com a maioria das pessoas honestas, cheias de ambição em vez de inveja, e com mais vontade de inovar do que de simplesmente copiar? Quanto tempo leva a formar um país que consiga que 90 por cento dos jovens que terminam o secundário prossigam os seus estudos superiores? Basta lembrar-nos que em Portugal contamos ainda com uma taxa de abandono do secundário que ronda os 40 por cento! Isto sem esquecer que mantemos uma taxa de analfabetismo que ronda os 10 por cento! Comparar Portugal com a Finlândia, para encontrar soluções fáceis e rápidas, é como esperar utopicamente que o Euromilhões calhe, à vez e semana após semana, a cada um dos portugueses mais necessitados. Triste, preguiçoso e perigoso wishful thinking!

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