Com bom humor, um jornal italiano chamou a Ratzinger "PapaRatzi". Com mau humor, (a par de milhões que ficaram satisfeitos) milhares de católicos não se mostraram particularmente entusiasmados com a eleição do cardeal alemão. Quer queiramos quer não, estamos num tempo em que aquilo que se exige a um líder representa uma nítida transição da qualidade para a quantidade. Por outras palavras: se a Igreja católica tem perdido fiéis na camada jovem e nas sociedades mais avançadas -- na Áustria e em França, por exemplo, o número de católicos baixou respectivamente 17 e 12 por cento nos últimos 35 anos (vd. blog de 12/03/05) --, urge recuperar essa perda e acrescentar-lhe mais uns pontos percentuais. Aí e noutros sítios. Agora que Ratzinger tomou o leme da Igreja católica, exige-se-lhe que, tal como numa empresa, apresente resultados no final do seu ministério.
Ratzinger mostra-se favorável a algo que se denominou de fundamentalismo. É, consequentemente, contra a livre interpretação dos textos bíblicos. Ora, presentemente, com a avassaladora crise de autoridade que grassa por muitos países em consequência do "capitalismo democrático" e as inerentes posições individualistas, o fundamentalismo soa, em termos ocidentais, a uma imposição. E "what is imposed is opposed". Para desagrado de muitos, conscientes e saudosos de valores do passado, estamos muito mais na era da incerteza -- que engloba aquilo a que Ratzinger chama "relativismo" -- do que na idade dos dogmas. Pretender que a rocha se manterá igual, quando muito dela se esfarelou já e transformou em areia, pode parecer um posicionamento nobre. Mas obterá dividendos?
Como se sabe, nem os protestantes, nem os muçulmanos possuem uma autoridade central, ao contrário dos católicos. Admitem a interpretação pessoal dos textos sagrados. Daí a existência de tantas seitas. Ora, é inegável que nas últimas décadas se tem registado uma progressiva protestantização do catolicismo. Consequentemente, a infalibilidade papal é posta em questão -- ou cada vez mais ignorada. Há um número crescente de pessoas que são católicas "à sua maneira". Este não é um bom prenúncio para quem, nos seus escritos, defende um conservadorismo puro e duro.
Daqui a uns dez anos, convirá dar uma vista de olhos aos números das ordenações sacerdotais e dos fiéis contabilizáveis em países mais desenvolvidos do que os da América Latina. Entretanto, deverá dizer-se que a América de línguas ibéricas, que constitui hoje o núcleo numericamente líder na religião católica, foi, afinal, um notável investimento de um papa que delegou na Espanha e em Portugal a cristianização daquelas novas terras. A designação escolhida por esse papa (Alexandre VI) oculta um espanhol de nome Rodrigo Bórgia, pai não só de César Bórgia (para quem Maquiavel escreveu O Príncipe), como também da famosa Lucrécia Bórgia. Foi um papa que se mostrou um investidor nato em aumento do número de católicos (hoje, só o Brasil e o México juntos possuem cerca de um quarto dos católicos de todo o mundo). Estará Ratzinger à sua altura neste domínio?
Sem comentários:
Enviar um comentário