Creio que só uma vez falei aqui do socialista Sócrates. Foi para lembrar que a sua verdadeira prova de fogo estava na maneira como iria defrontar Alberto João. Longe estava eu de imaginar que esse confronto viria mais cedo do que esperava, e por outras razões. O caso em análise não é o do soba madeirense, mas inclui-o, assim como a vários poderes autárquicos, ditos dinossáuricos. Sócrates tem sido discreto na sua governação, como convém, e as medidas que anunciou até agora não têm causado grande celeuma a não ser no seio dos interesses directamente afectados. Presentemente, a sua proposta sobre os limites temporais do exercício de determinados cargos poderia ser correcta se tivesse sido lançada em 1975, no início da democracia portuguesa. Nesta altura, cheira demasiado a golpe político -- e, o que é grave, atentatório da liberdade democrática.
Tal como a entendemos no Ocidente, a democracia liberal é "um sistema político que se caracteriza não só por eleições livres e justas, mas também pelo Estado de direito, a separação de poderes e a protecção das liberdades fundamentais de expressão, reunião, religião e propriedade." (F. Zakaria) Ora, imposta como pretende ser em pleno curso democrático em Portugal, a medida socialista menospreza o Estado de direito e impede os cidadãos de elegerem quem eles entenderem que melhor os gere, defende e representa. O caso do P.R., que não pode exercer mais do que dois mandatos, é diferente, pois foi logo determinado assim desde início, isto é, as regras do jogo foram então definidas e mantêm-se, o que é correcto. Com os autarcas, as regras estão a alterar-se. Drasticamente. Se o problema é o da corrupção, que existe e é rampante, examine-se, à luz da democracia liberal, primeiro a situação do Estado de direito. A corrupção existe em larga escala pelo facto de a justiça não estar efectivamente actuante.
Relembre-se, entretanto, o caso de Fátima Felgueiras. Apanhada na rede da justiça, não continuará a sua sucessão de mandatos autárquicos. Se o mesmo suceder com outros -- como aliás, já tem acontecido --, tudo bem. O Estado de direito e, com ele, a democracia estão a funcionar correctamente. Mas, nas presentes circunstâncias, impedir o povo de eleger quem ele pretende é um acto ditatorial, que cerceia as liberdades. Como tal, estou contra. Os meteoritos podem ter aniquilado os dinossauros em tempos muito antigos, mas não é com uma lei-meteorito que hoje, em democracia, se deitam abaixo autarcas dinossáuricos.
P. S. Esta é a minha opinião. Honestamente, porém, admito uma falha no meu raciocínio a que não consigo responder. Então a democracia não é um processo dinâmico? Nada se pode mudar no decurso do tempo?
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