12/30/2006

Da responsabilidade do Estado e dos cidadãos

Existem no mundo milhões de cidadãos que não pagam impostos, a não ser os que estão directamente incluídos no preço dos (poucos) produtos que adquirem. Não se trata aqui de evasão fiscal. O que sucede é que essas pessoas não auferem o suficiente para serem onerados com uma quantia imposta pelo Estado. Se não vivermos num Estado que se diga social, pode admitir-se que nesses casos o Estado não se sinta obrigado a cuidar muito dessas pessoas. Mesmo assim, educação e saúde fazem parte dos itens a respeitar. Até que ponto é já outra questão.
Se, por razões que lhe podem ser imputadas, um cidadão não contribui com o seu trabalho para a riqueza nacional, em que medida pode exigir que parte dessa riqueza, que é produto do trabalho de outros, seja gasta consigo? E sem limite? Será justo que numa família os pais gastem o dinheiro que têm e o que não têm para, por exemplo, libertarem da droga um membro da família? E os outros? Ficarão afectados para sempre, a arcar com dívidas até ao fim da sua vida?
Por outro lado, se o Estado cobra impostos, não é verdade que tem o dever de justificar por meio da prestação de serviços condignos essa cobrança do produto do trabalho dos cidadãos? Mas sem limites? E quem os estabelece? Onde traçar a linha divisória pode ser sempre um pomo de discórdia.
Este ponto não é de somenos importância, porque parece lógico que quem se vê desprovido de dinheiro que é produto do seu esforço ao longo de um ano peça contas a quem o administra. Daí que uma boa administração dos dinheiros do Estado seja algo fulcral. Uma sociedade culta e bem informada é por natureza mais vigilante.
Há comportamentos que, grosso modo, se consideram correctos em sociedade. Assim, quem suja, limpa. Quem desarruma, arruma. Quem parte, paga. Há prémios para quem cumpre com excelência, penalizações para quem peca. Tudo aqui implica a importante noção de responsabilização pessoal e do estabelecimento de direitos e deveres. É, no fundo, também o estabelecimento de limites.
Posto isto, colocam-se múltiplas questões, de que aqui se dão alguns breves exemplos, nas áreas da educação e da saúde.
Deverá o Estado custear o ensino até ao seu nível mais elevado? Se o básico e o secundário estão presentemente fora de discussão no caso português, deverão as licenciaturas estar também incluídas nesse pacote? Têm estado. E os mestrados? Têm até ao momento ficado de fora. Ainda dentro deste âmbito que, mais ou menos consensualmente, deve incluir direitos e deveres, se um estudante do ensino superior reprova mais do que duas vezes no seu curso não deverá sofrer penalizações? Não é isso, aliás, o que acontece em muitas famílias em que os pais se recusam a "alimentar vícios"? Aqui, para além da contribuição das famílias, existe o facto de os referidos estudantes estarem a frequentar cursos pagos pelos contribuintes.
Consideremos agora o caso de doentes que não cumprem as instruções dos médicos no capítulo alimentar, recusam submeter-se a um determinado tratamento considerado necessário pelo clínico, ou rejeitam uma operação reputada de essencial. Será que o Estado tem só deveres e os cidadãos apenas possuem direitos? Não deverá ser lícito incluir penalizações nos casos apontados? É que, mais uma vez, é o dinheiro dos contribuintes que está em causa. Neste sentido também se têm manifestado alguns defensores do "não" relativamente à IVG, afirmando que os seus impostos seriam usados para pagar serviços clínicos estatais quanto aos quais estão contra. (Porém, terão que admitimo-lo, caso o "sim" vença.) A imposição de taxas moderadoras mais elevadas para os infractores pode ser uma medida disciplinadora de uma sociedade que, no entender de muitos, se apegou demasiado aos seus direitos e negligenciou significativamente os seus deveres.

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