12/27/2006

E se os mandássemos dar uma volta?

O Natal é a época ideal para o aparecimento de livros sobre dietas alimentares. Para grandes males, grandes remédios. Um indivíduo americano de nome Platkin publicou recentemente um livro onde calcula as calorias contidas em 7500 pratos diferentes e quanto tempo temos de fazer vários géneros de exercício para queimar essas calorias. Quem comer uma fatiazinha de bolo-rei prepare-se para fazer uma caminhada de 84 minutos. Quem ingerir uns 90 amendoins deverá andar 131 minutos para eliminar o que comeu. Como beber uma cerveja representa 153 calorias, é exigido um passeio compensatório de 39 minutos. É a penitência pelo bem que soube.
Os ditames de leis deste tipo chateiam cada vez mais. E essas leis existem para as crianças, os jovens, os adultos, os idosos. Por vezes, passado algum tempo essas "autoridades" chegam a uma conclusão contrária à prescrita anteriormente, mas isso pouco interessa. Antigamente, o colesterol era algo de que pouco se falava. Hoje, a partir de certa altura da nossa vida ficamos a saber que estamos em risco. Pudera! Se o limite de 250 que dantes era considerado aceitável passou para 190! É evidente que com esta baixa é apanhada na rede muita gente mais... e mais medicamentos se vendem, mais livros se publicam, mais preocupações se criam. Instala-se o medo. Um medo excessivo, para que surja o recurso ao remédio.
Causa-me pena ver montes de pais angustiadíssimos porque o seu rebento tem uma constipação. Claro que é preciso tratá-lo, mas não necessariamente com antibióticos. Hoje temos montes de crianças assépticas, que se constipam com simples correntes de ar. O super-proteccionismo conduz a um apaparicar impróprio de uma rijeza que o ser humano tem de ganhar por si. É claro que é melhor lavar as mãos antes de comer, mas quantas vezes os meus amigos e eu não íamos à uva que sobejava nas vinhas depois das vindimas e comíamos aqueles apetitosos cachinhos, possivelmente ainda com algum sulfato. Nenhum morreu por isso. É até natural que tenhamos ganho algumas resistências. É evidente que secar a roupa no corpo depois de uma molha valente não dará grande saúde a ninguém, mas quando se teve que aguentar algo do género porque não havia alternativa, é também porque o mal não foi de morte. Hábitos clássicos como dizer para uma criança que chora perante uma pequena queda "Incha, desincha e passa!" parecem em absoluto fora de uso. São quase heresia. No entanto, era isso que me diziam e aos meus amigos antigamente. Relançando um olhar pelo meu antigo grupo de amigos, constato que estamos felizmente cá todos, cerca de sete décadas depois. Razoavelmente desempenados, andando depressa, dando uns chutos na bola se preciso for e mandando às malvas os tais exageros de cuidados.
Inteligentemente, há, por assim dizer, um certo respeito pelo corpo, o qual naturalmente com a idade pede mais peixe onde dantes exigia carne, mais legumes e fruta onde dantes os legumes costumavam ficar de fora. Mas isso é algo tão natural como as pessoas à medida que a idade avança se deitarem mais cedo e se levantarem mais cedo também. Estão mais próximas da natureza.
Aos Platkins que pululam por esse mundo fora, mandemos dar uma curva. Se formos (com prazer) regrados, se variarmos a nossa alimentação, se fizermos algum exercício que o corpo nos peça, não teremos no geral os tais problemas terríveis que as cassandras tanto gosto têm em apregoar aos sete ventos. No fundo, é verdade que o seguro morreu de velho, mas o importante é que morreu. Como alguém jocosamente colocou a questão: "Está provado que por cada minuto de exercício que fazemos o nosso tempo de vida aumenta um minuto. Isso permite que nós, aos 85 anos, fiquemos cinco meses mais num lar de terceira idade a pagar 200 ou 300 contos por mês."

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