Tinha prometido não voltar tão cedo com poesia a este blogue, mas o Capuchinho Vermelho puxou-me pelo gosto. O Miguel Torga fez o resto?
Um velho amigo meu, de 70 e muitos anos, agora desinteressado da vida mas ainda há pouco tempo bom declamador desta História Antiga, ficaria certamente muito contente se soubesse que partilho convosco este belo poema que me deu a conhecer há muito anos.
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Miguel Torga
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