5/20/2011
Não são castelos em Espanha, são aeroportos
As populares aventuras de Dom Quixote de la Mancha e o elevado número de fortificações que existem por toda a Espanha, país que ao longo da sua história teve lutas contra muitos povos e regiões vizinhas, fez com que a expressão inglesa correspondente à portuguesa de fantasiar, sonhar acordado ou fazer castelos de cartas seja to make castles in Spain.
Ora, se é verdade que os castelos há muito deixaram de ter a sua importância como refúgio seguro – a artilharia, por um lado, e a aviação, por outro, tornaram-nos meros sítios de interesse turístico – a expressão que nos fala de "castelos em Espanha" mantém-se até aos dias de hoje. Mais terra-a-terra e com interesses económicos e financeiros, surgiu entretanto uma nova Espanha: a das estradas e dos aeroportos.
Há dias, um amigo enviou-me um ficheiro electrónico interessante sobre o aeroporto de Ciudad Real. Vi-o, e perguntei-me a mim próprio se aquilo era mesmo assim ou havia ali mãozinha de manipulação dos media. De facto, as imagens que recebi eram relativas a um aeroporto enorme, moderno e muito bem apetrechado, concebido para alternar com o Barajas de Madrid, mas a que faltava o essencial: aviões e passageiros. Esse era o escândalo que o anexo do mail apontava: tanto dinheiro gasto, instalações excepcionalmente boas e, depois, movimento nulo.
Afinal, parece que as minhas dúvidas sobre a possibilidade de manipulação das imagens não tinham grande razão de ser. O jornal Público de ontem inclui um despacho do seu correspondente em Espanha, Nuno Ribeiro (N.R.), que se refere ao assunto. De uma forma bem mais alargada, diga-se. Conta-nos N.R. que entre os aeroportos controlados pela empresa pública AENA, na dependência de executivos autonómicos ou sob a égide de privados, o número ultrapassa as cinco dezenas. Eis alguns exemplos de um descalabro recente.
O aeroporto de Castellón foi inaugurado em 25 de Março deste ano. A pista não tem aparelhos e não tem igualmente autorização de navegação aérea. A obra, que foi edificada por uma sociedade pública participada pela Comunidade Valenciana – que possui o sexto maior défice das 17 comunidades espanholas – custou 150 milhões de euros.
Do aeroporto de Huesca levantou em 3 de Abril passado o último avião comercial do ano com destino a Londres. O aeroporto foi inaugurado em 2007 e custou 57 milhões de euros ao erário público.
Mas há mais. O aeroporto de Lérida foi inaugurado em 2010 por iniciativa do Governo da Catalunha, que apresenta o quarto maior défice autonómico. O aeroporto custou 104 milhões de euros e só tem duas rotas, e estas operam apenas aos fins-de-semana.
O aeroporto de Ciudad Real, a que acima me referi, foi fruto da iniciativa privada, financiada pela Caixa de Castela-la-Mancha (CCM), por sua vez controlada pelo governo autonómico. O Banco de Espanha teve de intervir na CCM. Castela-la-Mancha é a comunidade que registou o maior défice em Espanha.
As várias pistas sucederam-se sem critérios de rentabilidade, o que implicou enormes prejuízos operacionais. Na realidade, menos de um terço das pistas espanholas geridas pela AENA respeitam os parâmetros mínimos que os peritos colocam entre três e cinco milhões de passageiros/ano.
Múltiplas capitais de província de média dimensão possuem um aeroporto. O caso mais saliente será o facto de num raio de 125 quilómetros à volta da pista de Burgos existirem cinco aeroportos, em Logroño, Vitória, Bilbau, Santander e Valladolid. Nuno Ribeiro termina o seu apontamento lembrando que, no ano passado, o aeroporto de Albacete recebeu 11290 viajantes provenientes de 1243 ligações, o que dá uma média de nove passageiros por voo!
Lições a colher? Muitas. Lá como cá, com certeza que os bancos e as construtoras, que podem ganhar bom dinheiro com a construção destes aeroportos, saem cá para fora com previsões de movimento das pistas muito diferentes – para mais - daquele que mais tarde efectivamente se regista. Não foi praticamente o mesmo que sucedeu cá com o TGV relativamente ao número de passageiros previstos? E a rocambolesca história da Ota, que sempre foi batota no sentido de que aquilo que verdadeiramente interessava ao sector imobiliário era ver o actual aeroporto de Lisboa desimpedido tão cedo quanto possível para que naquela imensa área se pudesse começar a construir ambiciosos edifícios. Presentemente vão ter que esperar. E muito. Em Espanha também. Entende-se agora melhor o descontrolo das contas públicas através das regiões autónomas, como entre nós sucede com a ilha da Madeira. A construção dos aeroportos e de outras estruturas está em linha com os altos voos que os respectivos governos ousaram fazer apesar de não possuirem meios financeiros para tal.
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