5/07/2011
Uma história exemplar: o que pode resultar de uma dívida soberana
O último número da revista Time, datado de 9 de Maio, traz um artigo que considerei particularmente oportuno. Para informação dos leitores deste blogue, permiti-me traduzir livremente as partes que considerei mais significativas. É uma história sobre o Egipto. E não só. Poderia ser sobre a Itália. Sobre a Grécia. Sobre Portugal.
Mais ou menos há século e meio, o Egipto tinha-se transformado numa das modernas maravilhas do mundo. O facto de a Guerra Civil dos Estados Unidos ter arrasado a exportação de algodão do sul dos EUA fez com que os preços do algodão nos mercados mundiais aumentassem 8 (!) vezes, o que naturalmente encheu os bolsos dos plantadores de algodão do Egipto. O governante do país, Ismail Pasha, lançou-se com tal entusiasmo na construção de modernas linhas ferroviárias que o Egipto, país que na altura incluía o actual Sudão e algumas partes da Líbia e da Eritreia, orgulhava-se de possuir mais quilómetros de via férrea por hectare habitável do que qualquer outra nação do mundo. Isto em 1869.
Foi com enorme pompa que os egípcios celebraram a inauguração do Canal do Suez, uma maravilha da engenharia que permitia revolucionar várias rotas marítimas. Acorreram para assistir à inauguração altas personalidades de cidades como Londres e S. Petersburgo. Pretendiam ver com os seus próprios olhos um impressionante cortejo cerimonial de embarcações, com o iate imperial à frente, transportando a bordo a imperatriz francesa, Eugénia. As festividades prolongaram-se durante cerca de três semanas.
Porém, mesmo antes de a imperatriz francesa atravessar o Canal, os preços do algodão já tinham começado a descer devido ao final da Guerra Civil. A ostentação de Ismail Pasha só pôde continuar graças a vários empréstimos contraídos no estrangeiro. De 1867 ate 1875, a dívida soberana do Egipto saltou astronomicamente de 3 para 100 milhões de libras; entretanto, os preços do algodão continuaram a baixar, regressando aos níveis praticados antes do início da Guerra Civil americana. O Egipto deixou de ter qualquer possibilidade de pagar a sua dívida.
O que se seguiu constitui uma lição sobre a rapidez com que uma dívida pode comprometer a soberania de uma nação. Em 1875, o governante Ismail Pasha vendeu a posição do Egipto no Canal do Suez aos ingleses, que assim adquiriram mais uma jóia da coroa, tanto sob o ponto de vista financeiro como geopolítico, ao módico preço de 4 milhões de libras.
No ano seguinte, o Egipto não conseguiu pagar a sua dívida e, em 1878, viu-se forçado a aceitar um governo cuja função principal era a de satisfazer os seus credores estrangeiros. O próprio Ministro das Finanças era britânico. Em 1882 uma intervenção militar britânica ditou o destino do Egipto como colónia, que de facto passou a ser para todos os efeitos menos no nome.
Assim termina a primeira parte da lição que se pode colher do Suez. A segunda parte é mais subtil mas, para as grandes nações de hoje, mais desagradável de ouvir. Em meados do século XX, a Grã-Bretanha, a super-potência que se tinha aproveitado da crise da dívida soberana egípcia, estava ela própria a ser afectada por um mal semelhante. A razão mais evidente para as suas dificuldades financeiras residia numa série de empréstimos contraídos para enfrentar as despesas em que as duas guerras mundiais tinham feito o país incorrer. Embora os líderes britânicos acreditassem que continuavam a ser os grandes senhores do mundo, o seu poder era ilusório. Após o final da Segunda Grande Guerra, a Grã-Bretanha encontrava-se seriamente endividada perante os Estados Unidos. Quem se aproveitou deste facto foi o Presidente americano, Eisenhower, que, interessado em satisfazer Nasser, o novo líder do Egipto, e em evitar que ele passasse para o campo soviético, fez pressão política sobre a Grã-Bretanha, da qual conseguiu obter várias concessões, entre as quais a devolução do Canal ao Egipto.
A humilhação do Suez marcou o final das pretensões imperialistas da Grã-Bretanha. Segundo Niall Ferguson, um historiador muito em voga actualmente, foi no Banco de Inglaterra que o Império Britânico efectivamente soçobrou.
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