5/07/2011

Quando a prata da casa inclui o ouro




Embora não seja muito elegante que nós citemos os nossos próprios textos, por vezes admito que isso vem mesmo a propósito. Em 6 de Março do ano passado, publiquei neste blogue um pequeno post ilustrado por um igualmente pequeno mapa. O título era Vêem-se gregos! E o que dizia o texto? Exactamente o seguinte:
"A mentalidade alemã entra definitivamente em choque com a prodigalidade nos gastos demonstrada pelos gregos. Os alemães vêem-se a si próprios como aforradores e não como gastadores. Daí negarem em absoluto o empréstimo de dinheiro dos contribuintes aos endividados gregos.
Dois deputados alemães sugeriram no Parlamento que a Grécia devia proceder à venda de ilhas desabitadas que possui para abater as suas dívidas. Esta sugestão pode arrepiar, mas está longe de ser original. Ao que me lembro, no virar do século XIX para o XX a Inglaterra também pretendia Angola em pagamento da dívida portuguesa. Noutro caso, as Filipinas passaram para as mãos dos americanos para que os espanhóis não lhes tivessem de pagar mais dinheiro como indemnização da guerra pela posse de Cuba na década de 1890.
Vender ilhas! Tudo me lembra uma ideia-base de castigo ao uso inconveniente pela Grécia do conceito Enjoy now, pay later!. Agora, tendo em consideração o seu enorme défice, dir-se-ia que a Grécia ouve alguém dizer: "Se queres ficar com a moto, tens que vender o sidecar!"
E quanto a Portugal? Deve começar a pôr as suas barbas de molho?"


Sabemos agora, em Maio de 2011, i. e. pouco mais de um ano após esta cena da tragédia grega, que deputados alemães da coligação de Ângela Merkel sugerem, no caso de Portugal, que o nosso país deve tratar de vender as suas reservas de ouro antes de pedir mais dinheiro emprestado a quem já tanto lhe emprestou. Ora, não só sucede que Portugal não possui ilhas desabitadas – as Selvagens valeriam muito pouco para qualquer comprador astuto, que sabe que o preço será fixado por si e não pelo vendedor – como se tornou um país famoso por acumular ouro durante a segunda guerra mundial. As reservas incluem algum ouro apreendido aos judeus pelos alemães no tempo de Hitler e entregue a Portugal pelos germânicos a troco de fornecimentos vários efectuados pelo governo português de então.
A Alemanha não brinca em serviço. Vendeu submarinos à Grécia, tal como vendeu submarinos a Portugal. Importantes empresas germânicas como a Siemens fizeram e fazem bons negócios no nosso país, enquanto numerosos bancos alemães emprestaram bom dinheiro à nossa banca, que estava ansiosa por realizar lucros garantidos com os portugueses, nomeadamente no campo da habitação/imobiliário.
Veja-se outro caso que ilustra bem como a Alemanha não faz política de ânimo leve: quando, há mais ou menos um ano, o Presidente alemão Horst Köhler ousou dizer que se havia tropas do seu país no Afeganistão era para favorecer a realização de contratos comerciais, aconteceu que mesmo ele, sendo um Presidente já no seu segundo mandato, não teve outro remédio senão apresentar a sua demissão. (“Um país com a nossa dimensão, que tem como base as suas exportações, tem de conscientemente entender que o envio de tropas para o estrangeiro é algo necessário” foi a frase que o condenou.)
Portugal tem jogado no amadorismo, esquecendo-se que do outro lado não tem já os territórios africanos do seu antigo Ultramar, mas sim, pelo contrário, profissionais europeus altamente competentes, que não só trabalham com rigor como obedecem a estratégias há muito montadas.
E quanto à nossa prata da casa? Será que é desta vez que vai, se não na totalidade pelo menos em grande parte? Teremos, em Maio de 2010, posto as nossas barbas de molho ou ficámos na mesma como se o assunto das ilhas gregas não tivesse qualquer relação com o nosso caso?
Conjuntamente com os finlandeses, o Parlamento alemão tem a última palavra. Será agora a nossa vez de nos vermos gregos?

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