4/03/2006

Paridade de género

A aprovação da lei da paridade entre homens e mulheres na Assembleia da República pode doravante representar uma exemplificação típica do que se entende por voluntarismo na sociedade portuguesa. Tive a oportunidade de ler e ouvir da boca de amigos alguma da argumentação a favor e contra esta medida. Devo dizer que não fiquei convencido da bondade da lei. A elevação do número de mulheres por dispositivo legal faz-me lembrar as numerosas promoções sem jeito aos postos de coronel, brigadeiro e general que se registam em casos de revoluções bem sucedidas lideradas por militares. Soa-me a algo estranho e contra-natura.
Assim também me parece perfeitamente contra-natura o facto de esta lei, que se pretende justa, se aplicar apenas na Assembleia da República. Não será mais um caso típico de poder a mostrar poder? Será para que as mulheres possam fazer carreirismo político, mesmo que para tal estejam pouco talhadas? Porquê a questão do número e não a do valor? Quando se fala das exportações de calçado, por exemplo, o que se mede não é o número de pares de sapatos vendidos mas sim o valor total dessas vendas. Porque é esse verdadeiramente que conta. Um só par de sapatos de 50 contos vale mais do que seis a oito contos cada. Porquê essa história do fifty-fifty?
Como será decerto patente através de tantos escritos que aqui já deixei, nada tenho nem contra as mulheres nem a favor dos homens. É claro que mulheres como a Helena Roseta, a Maria de Belém, a Teresa Caeiro, a Luísa Mesquita, a Isabel Mota, a Teresa Gouveia, a falecida Maria de Lourdes Pintasilgo - que grande mulher, que enorme coração e inteligência esclarecida! -, a Drago, a Coutinho, a Maria João Rodrigues, a Ferreira Leite, a Odete Santos e várias outras são pessoas muito válidas e amantes da política. Portugal precisa delas, assim como precisará de todas aquelas que se entreguem de alma e coração a assuntos desta ordem, sejam competentes e saibam pensar pela sua cabeça. Agora, porem-se os partidos a arrebanhar cabeças femininas para conseguirem uma paridade 50-50 nas eleições, eventualmente relegando para lugares não elegíveis candidatos mais válidos, é algo que não faz sentido nenhum.
A pergunta põe-se com toda a linearidade: por que motivo não terão mulheres e homens docentes em escolas públicas também de ser 50-50? E os médicos nos hospitais públicos? E os alunos nas escolas públicas? Só porque os políticos têm poder para decidir sobre os do seu carreirismo e sobre os outros não?
Quando olhamos para várias décadas atrás, vemos que Portugal tem hoje uma taxa substancialmente maior de representatividade feminina a todos os níveis. Se não é ainda igual à dos homens em certos sectores, mais tarde ou mais cedo o será. A sociedade se encarregará de as fazer subir. Um pouco como a democracia, que não deve ser imposta mas sim ir-se gradualmente impondo através de uma sociedade civil mais abastada e com maior poder de contestação ao Estado, assim também a representação feminina no Parlamento. O acto de voluntarismo a que assistimos é, por definição, artificial e creio que está longe de receber o apoio generalizado da população portuguesa.

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