5/07/2006

Dona Sancha


Na única vez em que estive na Polónia, surpreendeu-me ouvir que, "se na Europa se traçar uma linha de norte para sul e outra de oeste para leste, Varsóvia está exactamente no ponto em que essas linhas se cruzam". Nascido neste ocidente à beira-mar prantado, sempre supus que Varsóvia ficasse, em termos relativos, muito mais para leste. Isto vem a propósito de Vila de Rei, hoje nas bocas do país. Sei, através de um ex-colega que lá nasceu, que "se fosse traçada uma linha em Portugal de norte para sul e outra de leste para oeste, Vila de Rei ficaria no seu exacto ponto de intersecção." Está ali, portanto, o centro de Portugal. Situado como estou, fico feliz por ver a povoação transformada hoje noutro centro - o de atenções, devido a uma acção de povoamento do território. A dinâmica autarca (na foto, retirada do Público com a devida vénia) já tinha mostrado a sua força e mediatismo aquando dos incêndios que devastaram o país e aquela zona. Não baixou entretanto os braços, ao contrário do que é timbre em muito Portugal, e transformou-se em Dona Sancha. Não é de maneira nenhuma depreciativo nem sequer irónico este título, note-se. Se o nosso rei D. Sancho I foi cognominado de "O Povoador", o apodo de D. Sancha não poderia assentar melhor a D. Irene Barata. (As mulheres que herdam nomes tornam-se por vezes mais célebres do que aqueles de quem os herdam. Veja-se a Bacalhoa e a Gioconda, como dois de muitos exemplos.)
Estas famílias que agora chegam a Vila de Rei como imigrantes legalizados do Brasil (o número é reduzido: são por ora apenas 14 pessoas, dos quais oito são adultos e seis são crianças) podem com o tempo mostrar iniciativa que crie muito mais do que os oito postos de trabalho que presentemente vão ocupar. Em economia, um mais um não é igual a dois. Decerto que hoje a terra de onde eles vieram e para onde, no passado, vários portugueses emigraram, se desenvolveu graças à acção dos que para lá foram. Se agora aqui chegaram de livre vontade, é porque vêem em Portugal uma oportunidade de melhorar a sua vida. Quantos milhões de portugueses não fizeram o mesmo no passado para múltiplos cantos do mundo? E quantos indivíduos e famílias não o fazem ainda agora?
Porque nos admiramos tanto deste caso de Vila de Rei? Possivelmente devido ao facto de estes imigrantes virem quase que como colonos. Oferece-se-lhes a paisagem de terra queimada, que aparentemente não interessava a portugueses. Há outra diferença flagrante: o facto de trazerem seis crianças enfatiza a ideia de colonização. Vêm para ficar.
Haveria muitos comentários a fazer e questões a levantar relativamente ao nosso país, mas apetece-me principalmente realçar o espírito de iniciativa da autarca. Poderia ter recrutado o mesmo tipo de pessoas de entre os milhares de brasileiros que já se encontram em Portugal? Certamente que sim. Preferiu lançar o convite para o lado de lá do Atlântico. Tomar uma opção, mesmo que eventualmente não a óptima, é sempre preferível a não tomar opção nenhuma. Se tivesse ficado de braços cruzados, a senhora enfileiraria no longo rol dos políticos angariadores-de-votos que, nas suas campanhas, invariavelmente prometem combater a desertificação do interior e, depois, nada fazem. Por essas e por outras é que as assimetrias portuguesas vêm crescendo a olhos vistos, embora muitos dos imensos fundos recebidos nos últimos vinte anos da Europa comunitária tivessem como desígnio principal fomentar um maior nivelamento das regiões.

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