5/21/2006

Gestão pública e privada: um caso

Há dias, a Ministra da Educação revelou que nos últimos anos passaram mais de 400 mil alunos pelo ensino secundário sem o concluírem. Este facto trouxe-me à memória um outro, igualmente relacionado com o ensino, embora na sua vertente superior. O caso que vou relatar foca principalmente a dicotomia gestão pública / gestão privada.
Como já aqui terei dito, trabalhei activamente em várias escolas privadas e igualmente no ensino público. Numa das escolas superiores privadas em que leccionei, desempenhei múltiplas funções de coordenação e direcção. De imediato entendi que a diferença flagrante entre o ensino público e o privado em termos de propinas pagas pelos alunos não era algo negligenciável a vários níveis. Simplificando as coisas, direi que no sector privado tínhamos que cativar muito mais os alunos do que nas escolas públicas. É que, entre outras coisas, um aluno que desiste é um aluno que deixa de pagar as suas propinas, as quais constituem a base de suporte da escola.
A minha função principal era de assessoria pedagógica e não de contabilidade, mas tudo acaba por estar obviamente ligado. Entre os motivos que me levavam a proceder com grande regularidade à auscultação das turmas, por escrito e oralmente, sobressaía sem dúvida a vertente pedagógica. O descontentamento eventualmente notado por uma razão ou outra era uma preocupação a sanar, dentro da medida do possível. Era a qualidade da instituição e de todos nós que estava em jogo.
Aos serviços da Secretaria dei instruções para me informarem concreta e imediatamente de casos de alunos que falassem em desistência. Ao longo dos anos, conversei com muitos deles nestas circunstâncias. As razões eram múltiplas. Muitas nada tinham a ver com a escola, estando estreitamente relacionadas com o orçamento familiar da família e com a necessidade de o aluno arranjar um emprego de imediato em face da morte de um pai ou da situação de desempregado de outro. Por vezes arranjavam-se esquemas interessantes com a Administração para resolver estes casos. Quando era a família do estudante que se mudava para outro local, nada havia a fazer. Se, porém, o abandono se devia a razões de natureza pedagógica, as informações que esses alunos me forneciam eram preciosas. No fundo, todo o cliente que protesta está a dar à empresa um eventual motivo para que ela se corrija e melhore. Devo dizer que esta política, conjuntamente com outros factores, deu muito bons resultados. A percentagem de abandono sempre foi baixa e devidamente registada em relatórios, ano após ano. Aos alunos era dada a possibilidade de se expressarem com total liberdade em inquéritos mistos (questões fechadas e abertas).
Tendo saído da escola privada, passei ao regime de exclusividade na instituição pública. Embora ninguém me atribuísse essas funções, comecei a fazer, por auto-inciativa, análises múltiplas da escola, sempre escritas e com relatórios detalhados. Uma das minhas primeiras questões foi a de perguntar aos serviços qual era a percentagem de desistências no 1º Ano. Amavelmente como sempre, responderam-me que não sabiam. Como assim? - perguntei. Então um aluno desiste, deixa de pagar propinas e não se anota? Não se sabe o que o levou a desistir?
Reparei que as minhas perguntas não tinham razão de ser. Financeiramente, para a escola até poderia ser penalizador se informasse o Ministério dessas desistências, que tinham apenas efeito estatístico no final do ano. A instituição recebia um financiamento com base no número de alunos que se matriculavam de início. Até ao final do ano recebia o mesmo, estivessem os alunos a frequentar as aulas ou não. Apesar de nunca ter verificado a contabilidade, foi com esta impressão que fiquei. Aliás, quando coloquei aos órgãos directivos este problema, nunca me foi dada nenhuma outra explicação.
Daqui resulta que não existia - agora talvez já haja mais - praticamente qualquer incentivo para avaliações pedagógicas que espelhassem o grau de satisfação dos alunos. O que era prática naquela instituição era-o, certamente, em todas. No entanto, bastaria que o Ministério, se fosse zeloso e olhasse verdadeiramente pela qualidade do ensino e pela despesa pública, obrigasse as escolas a comunicarem em tempo útil os nomes dos alunos que tinham desistido, sendo aí automaticamente abatido o respectivo financiamento nos trimestres seguintes. Quem não o fizesse, seria penalizado no ano académico seguinte, com juros de mora. Isto daria um incentivo muito mais poderoso para a vigilância da boa qualidade do ensino do que tantas palavras que por aí circulam. E, a propósito, ajudaria a diminuir a diferença entre gestão da instituição pública e gestão da empresa privada.

Sem comentários:

Enviar um comentário