5/30/2006

Provérbios e efeito-cascata

Em qualquer língua do mundo, os provérbios resumem em meia-dúzia de palavras a sabedoria de gerações. Todos nós conhecemos uma quantidade razoável dessa sabedoria encapsulada. De vez em quando, porém, notamos que alguns dos provérbios que ouvíamos frequentemente quando éramos crianças como que se sumiram do circuito comunicacional. Os dicionários e outras obras de referência continuam a mencioná-los como se nada se passasse, mas de facto só uma parte mais idosa da comunidade linguística faz uso deles.
A publicidade, com os seus slogans inteligentes, soube captar o jeito dos provérbios e, capciosamente, introduz-nos a sua nova rima nas nossas mentes. Há uns tantos slogans que já soam como provérbios e que são úteis. Lembremo-nos do "Há mar e mar, há ir e voltar", do Alexandre O'Neill. Mas a maioria não é tão pacificamente inocente. Na realidade, a dado momento são mais esses slogans do que propriamente a sabedoria acumulada através dos tempos que se transformam nos nossos guias mentais.
Confrontemos, como mero exemplo, o provérbio "Quem não tem dinheiro, não tem vícios." Está desfasadíssimo no tempo. Só um abencerragem ousa pronunciar uma coisa dessas. Em vez disso, "Quem não tem dinheiro, vai ao Totta" sai muito mais igual aos nossos dias. Seja ao Totta, seja a outro banco qualquer, o certo é que a influência sobre as mentes é forte. Se até já se pode ir buscar antecipadamente ao banco (com juros, evidentemente) o reembolso que nos é devido pelo IRS!
O 25 de Abril de há 32 anos trouxe para uma parte muito substancial da sociedade portuguesa uma noção fortíssima de re-volução. A liberdade implicava uma redistribuição dos bens terrenos, uma maior justiça social. Os pobres que o Cristianismo sempre considerou bem-aventurados e que deles seria o reino dos céus queriam ver a sua felicidade já na Terra. Os políticos substituíram o arreigado medo das populações pela liberdade de expressão. E puseram-se a prometer, como todo o político sempre promete, mas agora com maior descaramento.
Perdida para Portugal a mina africana com a descolonização, alguns anos passados começaram a vir cheques muito chorudos da CEE, passados ao Estado. Como vaca receptora, o Estado passou a ser a fonte do leite para quem tinha mais arte para mungir. Os pobres não foram totalmente esquecidos, tem de ser dito. O Serviço Nacional de Saúde e uma Segurança Social alargada a muitos mais beneficiários melhoraram substancialmente o país neste domínio. Só que, por serem muitos os pobres, os aumentos eram propagandeados em percentagens aparentemente interessantes, mas que, ao incidirem sobre rendimentos baixos, davam poucos resultados práticos, ainda por cima engolidos pela voragem da inflação. As mesmas percentagens aplicadas sobre salários elevados cavaram mais o abismo entre privilegiados e desprotegidos.
Os partidos políticos multiplicaram-se, primeiro, e reduziram-se depois. Os respectivos membros souberam criar no Parlamento leis que muito os beneficiaram ("Quem parte, reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte.") A certa altura começou o descalabro através das promessas. Parecia que o dinheiro que vinha de fora chegaria para tudo o que se pedisse. "Quem não tem dinheiro, vai à Banca", pensaram os municípios. Qualquer semelhança entre a lei de meios e a execução orçamental começou a ser mais do que pura coincidência: passou a ser azar, para todos nós. Os bruxeleantes fundos vinham de cima, em cascata, e quem tivesse os braços mais altos mais depressa lá chegava. Mas o melhor mesmo era ter testas-de-ferro no governo. "O nosso homem na governolândia". Todos estes anos, a ribaldaria tem sido mais que muita. Das 19 ou 20 cidades que anteriormente tínhamos, passámos a ter mais de 150. Com custos acrescidos, evidentemente, e com indivíduos de carne-e-osso a arrecadarem esses custos estatais como receitas pessoais. A cascata funcionou sempre. Contas eram de merceeiro. Mesmo que economistas avisados clamassem contra desvios incomportáveis, logo que entravam para o governo esses mesmos economistas sucumbiam à força do aparelho político.
Cada vez concordo mais que é melhor para a democracia e para a riqueza de um país não dispor de dinheiro simplex, seja ele provindo de colónias, seja de fontes fáceis. Sem essas facilidades, o homem tem de puxar mais pela cabeça, valoriza-se mais, empenha-se com maior rigor nas tarefas que cabem à nação. Com facilidades, instalam-se mais facilmente a corrupção, a desregra, a excepção e os privilégios absurdos.

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