7/03/2004

A Forma e a Substância

A aceitação pessoal, ao contrário de outras individualidades anteriormente contactadas, pelo Primeiro-Ministro Durão Barroso da hipótese de ser Presidente da Comissão Europeia provoca uma natural crise política no país. A razão principal reside no facto de o Primeiro-Ministro abandonar o seu posto a meio de um mandato governativo que tem sido largamente contestado, contestação que já vem de longe e teve o seu corolário muito recentemente no desfecho das eleições para o Parlamento europeu. Os erros governamentais têm sido de monta, seja no campo da justiça, da educação, da administração interna, da saúde. Grassa a corrupção, há privilégios inadmissíveis, a credibilidade do elenco governativo é baixa.
Esta é a substância da situação. Nestas circunstâncias, porém, há sempre quem, por interesses partidários mascarados de nacionais, prefira a forma. Argumenta-se que não é ilegal que o Primeiro-Ministro, Presidente do partido mais votado nas últimas eleições, nomeie o seu sucessor. É aqui que bate o ponto. O facto de algo não ser ilegal não significa necessariamente que seja correcto. Implica apenas que não está contra a lei.
Existe um velho princípio de Direito, segundo o qual a substância deve prevalecer sobre a forma. Na Contabilidade e na Auditoria, esse é igualmente um dos princípios gerais: deve atender-se mais à substância das operações e à realidade financeira do que à sua forma legal. Transferindo para o campo em questão: a substância da substituição e da realidade socio-política deve prevalecer sobre a forma. É tão simples como isto.
No caso concreto de o substituto ser Santana Lopes, o caso torna-se mais grave do que se fosse o número 2 do governo a continuar a governação: é que Santana Lopes não foi votado pelo povo nas eleições legislativas. Ora, um voto corresponde, do ponto de vista de quem o expressa, a um acto de co-responsabilização: se se pretende alguém a governar-nos é porque se confia nessa pessoa. Daí que, tradicionalmente, aos eleitos sejam concedidos "100 dias de graça". No caso de alguém que não foi votado -- perante o qual a população eleitora não se sente minimamente co-responsável -- não existem por óbvios motivos os "100 dias de graça" e a instabilidade pode assentar arraiais desde o primeiro dia, com as consequências nefastas para o país que os defensores da "forma" dizem pretender evitar.
Num país democrático como Portugal e nas presentes circunstâncias, a realização de eleições é a única saída plausível.

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