Dizem que vivemos numa «aldeia global», esse espaço paradoxal geralmente lido como «deslocalização», absorção do local pelo global. Não me convence esta visão unívoca do fenómeno. Mais parece, sobretudo tendo em conta catástrofes recentes, estarmos a sofrer os efeitos de uma dramática contracção do globo - o global sequestrado por fundamentalismos cujos estrategas e peões encarnam o local de Deus e, ajudados pelas tecnologias avançadas, a ubiquidade da Sua ira.
Nunca como agora o destino global foi tão radicalmente determinado por arbítrios locais, nunca foi tão abissal a desproporção entre causas (justas? justiceiras?) e efeitos, entre meios e fins - o colectivo feito refém do indivíduo (em rede com outros indivíduos), o mundo subtraído à regularidade das leis e devolvido à primordialidade do capricho «divino». É certo que a agressividade humana, por escapar ao ordenamento natural arquivado no ADN das espécies, sempre tendeu (talvez desde a funda de David...) para este regime de caos em que o doméstico «adejar» de cada um é fonte virtual de apocalipses.
A agressividade da natureza, pelo contrário, raramente exibe excessos ou desperdícios: é económica e pragmática, consagrando justamente uma sã proporcionalidade entre meios e fins, causas e consequências. A arma do predador natural, sendo o seu próprio corpo, envolve a respectiva presa como uma «luva», esgota-se cirurgicamente nela sem (d)efeitos colaterais. Ferindo o mundo exterior com «conta, peso e medida», o assassino natural não é, em suma, violento (gratuitamente agressivo, maciçamente destrutivo), jamais cometendo o erro ecológico capital - diabolizar o outro - que move a agressividade humana, isto é, a violência propriamente dita.
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