11/25/2005

Ministério da Educação e docentes (II)

Foi há cerca de vinte anos que, intrigado com a falta de conhecimentos de muitos dos estudantes que recebia das escolas secundárias, pedi a três alunas minhas para me contarem o que se passava. Eram três alunas especiais, docentes de francês e português no ensino básico e secundário. Amigas, as três tinham decidido aproveitar a oportunidade que a escola superior em que eu estava lhes oferecia para se matricularem em cursos livres de línguas. Como a expressão se fazia na língua que estavam a reaprender, a sua prática oral serviu até de razoável exercício, sem as inibições que às vezes estudantes sentem ao exprimir-se em línguas estrangeiras. É que o assunto não só lhes dizia respeito como, além disso, elas tinham imensa vontade de se abrir sobre o tema.
Devo dizer que sempre considerei os "desabafos" pessoais algo de importante. Deitar cá para fora coisas que nos oprimem (e abafam, no sentido de nos tirarem o fôlego ou criarem aperto -- a angústia, a ansiedade, o Angst alemão que está ligado a isto tudo, tal como a angina pectoris) é uma verdadeira e saudável catarse. Abafo é pressão, pelo que conseguir extravasar essa pressão é fundamental. É, no fundo, a ex-pressão.
E as "alunas" expressaram-se. Ainda hoje me recordo bem das suas ideias. Eram de profundo desapontamento. Porquê? Basicamente por questões de disciplina geral e de rigor. Não se pense que me falaram nessa coisa mediática que dá pelo nome de violência física, com agressões e coisas do género. Falaram-me de outro tipo de violência. De se sentirem impotentes perante a sociedade, os seus meninos e meninas, e ainda os respectivos pais. Estes alijavam a carga sobre os docentes das escolas, exigindo aos professores aquilo em que frequentemente eles próprios eram permissivos. Queriam que os docentes endireitassem a vara torta que lhes entregavam, em termos de respeito, disciplina e prazer de trabalhar. Queriam também resultados bons: era essencial que os filhos passassem de ano. Mas não eram só os pais a quererem isso. O próprio Ministério tinha criado todas as condições para que as estatísticas educativas fossem mais risonhas. E, diziam-me elas, é bastante difícil chumbar alunos. Temos que responder a quesitos vários. Ora, a realidade simples é que muitos dos estudantes não sabem o suficiente para passar. Porém, com a pressão daqui e dali, acabam por transitar para o ano seguinte. Sentimo-nos naturalmente desautorizadas. Essas passagens imerecidas levam à falta de aplicação dos alunos no ano posterior. Para quê estudar tanto, se a passagem está praticamente garantida? E não é a passagem que interessa aos pais?
Infelizmente, tem-se andado há muito neste engano. Recordo-me de, há anos, ter encontrado nos lavabos de uma escola politécnica em que leccionava, um protesto escrito na parede: "Queremos licenciatura univercitária!" E, mesmo com a grafia errada, obtiveram-na. O engano do facilitismo e da escola light foi fatal. Enquanto por palavras se falava em "escola de excelência", a realidade mostrava algo substancialmente diferente. Nunca se deveria ter ido por aí. Isso representou o abanar das estruturas. Não foi algo apenas conjuntural para que as estatísticas revelassem enormes progressos do país, a que corresponderiam mais fundos de apoio europeus. A situação abalou o edifício social, muito para além da escola, e esta foi, por sua vez, afectada pelo abalo do edifício social. Entrou-se na teoria do aluno-coitadinho. Existem notórias excepções, como é óbvio, mas o resultado global está à vista de todos. O interesse pelos fins, desprezando a forma como a eles se chegava, foi fruta podre que contaminou mais do que devia. Este é um assunto longo, que exigiria muito espaço e exemplos concretos, que aliás abundam. Limitemo-nos à questão dos professores.
Com o problema da notória desresponsabilização social em que frequentemente se entrou, os docentes honestos e sérios ficaram verdadeiramente desolados. Esses professores mais não pretendem do que rigor, o reconhecimento do seu trabalho e do esforço dos seus alunos. Querem justiça, como todo o ser humano que se preza. Com o abalo da estrutura social, o status do professor sofreu. Os concursos sucessivos de colocação nas escolas, a mediatização do número de professores a engrossarem a lista dos desempregados, os lamentos frequentes registados nas televisões, não serviram para melhorar esse status. Muito pelo contrário.
Ora, se há algo crucial para que um aluno aprenda é a confiança e a admiração pela pessoa que o ensina. Pela pessoa e pela instituição. Com a exposição frequente nos media, e nas conversas gerais, de diplomados que de facto cometem erros que não são admissíveis, lança-se o descrédito sobre a escola e, em linha directa, sobre os professores. Em geral. Sem separar o trigo do joio. Porque há trigo e há joio.
Em minha opinião, agora mais informada, a situação presentemente imposta às escolas básicas e secundárias contribui mais para aviltar a maneira como os docentes são vistos, e se vêem a si próprios, do que para resolver a questão do insucesso escolar. Entre a qualidade e a quantidade, há que escolher. Existem, de facto muitas coisas a melhorar na escola, mas é preciso nunca perder de vista as raízes da sociedade em que ela se encontra inserida. Com isso, ser-se-á mais justo, mais honesto, e não se procurará arranjar bodes expiatórios únicos.

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