"Não há língua mais fácil no mundo", dizem os que a falam desde o berço. Como ninguém é bom julgador em causa própria, veja você por si, como português de gema.
No outro dia, um amigo meu, que arranha inglês e foi a Londres em visita turística, ficou num hotel que estava em obras de restauro. Em pinturas, para ser mais exacto. A dado momento, ouviu alguém gritar Look out!, num andar muito por cima do seu. Correu à janela ao chamamento, só para levar na cabeça e nos ombros com a tinta de uma grande lata de plástico que escorregara das mãos do pintor. Concluiu, assisadamente, que quando os ingleses gritam look out! querem dizer que não se deve olhar para fora. Ainda por cima, o verde escuro nunca foi a sua cor favorita.
Esse mesmo amigo contou-me que, nessa noite, uma moça londrina o embaraçou quando, suave e languidamente, lhe perguntou, no bar onde tomavam um drink: "Which is the best flower to kiss?" Ele corou, murmurou um atrapalhado "I don't know" e ficou depois a ouvir a moça sussurrar-lhe, candidamente: "Tulips" (two lips).
Em inglês você julga que uma coisa é A, e depois ela sai B. Se você se lastimar do dinheiro que um pickpocket lhe surripiou do bolso, é capaz de ouvir o seu interlocutor dizer-lhe "I sympathize". Está você já todo contente com o facto de o considerarem simpático, quando uma mirada ao seu pequeno dicionário o informa que sympathize significa algo como "sinto muito!" Desmancha-prazeres!
É difícil entender uma língua com tantas rasteiras. Todos nós aprendemos a dizer "smoking" e chegamos a uma terra inglesa e constatamos que smoking não é coisa que se vista. Aliás, os dizeres que se encontram aqui e ali não são a dizer que é preciso usar smoking, mas a indicar precisamente o contrário: No smoking!
Anda um homem à espera de um fim feliz para a sua estadia, um happy end como ele sempre disse, e depois descobre que, afinal, é happy ending. Porque é que não disseram antes? Também o jogo do box não é assim que se diz, mas sim boxing, e o nosso surf, tão British, afinal é surfing. Que história é esta?!
Mas há muito mais, tanto que parece mesmo ser para nos fazer pirraça. Fala um homem em Christianism e emendam-nos, polidamente, para Christianity. Se falamos em Romantism, corrigem-nos para Romanticism. Se dizemos "lubrificate" quando pedimos para nos lubrificarem o carro, atiram-nos com um lubricate que é parecido mas faz o nosso verbo estar errado. E se quisermos condecorar alguém com umas medalhitas lusas e falamos em condecorate, atalham-nos o discurso. É decorate. Também o que deveria ser confraternize é apenas fraternize. Já podiam ter avisado antes!
Em matéria de grafia e pronúncia então, estamos conversados. Um verbo como to read, read, read devia obviamente ler-se da mesma forma. Devia! Estou convencido de que eles põem letras só para nos atrapalharem: em should, o -l- não se lê. O.K. Chegava. Era uma excepção e a gente aceitava. Mas não: em would, could, calm, salmon e mais uma chusma de palavras fazem o mesmo! A isto chamam eles simplicidade!
A história não fica por aqui: castle não tem um -t- audível, tal como listen. Debt e doubt têm o -b- só para nos confundir, e quanto ao -ough que aparece em tantas palavras, só está lá para ver se nós conseguimos resolver o problema: em tough, cough, trough, through, borough e thorough é um verdadeiro jogo de atirar a moeda ao ar a ver se se acerta. Não se acerta!
Imagine que hiccough, palavra que aparece em histórias de banda desenhada sob a forma abreviada de "hic" (soluço, principalmente quando se apanhou uma bebedeira), se pronuncia hik-kup (a última parte como cup).
Foi por estas e por outras que o filho de um outro amigo meu, já farto de andar a apanhar bonés com a língua inglesa em Londres, ficou doido quando leu um título no jornal de uma senhora que seguia no banco da frente do seu autocarro. Embora a notícia fosse sobre uma exposição que tinha alcançado grande êxito, o título, que foi tudo o que ele leu, dizia: "Exhibition pronounced success". No dia seguinte apareceu de volta na casa dos pais em Lisboa. Para experiência já bastava!
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