1/03/2007

Recordando a Buda e a Boneca

Disse Robert Browning num dos seus poemas: «O que é interessante é o perigoso limiar das coisas / um ladrão honesto / um assassino terno / um ateu supersticioso». E com certeza é também interessante - atrevo-me a dilatar esta curta lista de criaturas paradoxais - um rafeiro puro. Exemplarmente os podengos, cães que caçam coelhos. De raça morfologicamente tão atípica que mais parecem rafeiros - «por extensão qualquer cão» (dicionário Houaiss).

Fui dona (e serva) de vários cães. Um deles uma rafeira «por extensão» podenga, pois revelou-se brilhante predadora de coelhos. Outra, de novo uma ela e praticamente o negativo da primeira, aparentava ser uma podenga de pêlo cerdoso pura, mas o certo é que apenas a vi tentar timidamente caçar algo que todos os cães, mesmo não sendo de caça ou raça, caçam: gatos. Neste segundo caso, notoriamente podenga «por extensão qualquer cão». Ambas as cadelas tinham em comum, nas suas distintas maneiras de ser mestiças, a plasticidade dos sobreviventes genuínos, talento raramente partilhado pelos seus irmãos de raça pura.

Aprecio, como Nietzsche (que sem dolo inspirou uma posteridade de racistas puros e duros) a pureza dos impuros, ou seja, essa «grande saúde» que ele definiu assim: «aquela que não basta ter, a que se adquire e é necessário adquirir, constantemente, por ser sacrificada sem cessar.»

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