1/28/2007

Sucintando o assunto

Começarei por dizer que o texto seguinte é apenas um relembrar do facto por vezes esquecido de que nada no mundo é imutável, incluindo a nossa língua. E não são apenas os vocábulos importados que contam para as mudanças linguísticas. É perfeitamente legítimo que tentemos enriquecer o nosso idioma com léxicos alternativos. Hoje, com a necessária brevidade que um blogue exige, gostaria de abordar a capacidade que o português tem de sintetizar, normalmente em verbos, algumas acções que são habitualmente expressas de forma mais alongada.
Sabia que um livro de 500 páginas em inglês poderá dar, na sua tradução para português, qualquer coisa como 650 páginas? Porquê? Porque inglês e português são duas línguas estruturalmente diferentes em vários aspectos. Na vertente germânica das suas origens, o inglês é mais sintético, o português mais verboso. Nada disso representa superioridade de uma língua sobre a outra, nem é isso que está em questão. Contudo, pode considerar-se existir, à partida, uma produtividade maior no inglês. Ora, o português consegue também facilmente melhorar a sua produtividade. Permito-me dar uma dezena dos milhares de exemplos possíveis.
O título desde texto - "sucintando o assunto" - é um primeiro exemplo. Por que motivo dizemos normalmente "Escreva sucintamente a sua opinião" e não apenas "Sucinte a sua opinião"? (o computador não me aceita o verbo "sucintar", sublinhando a palavra a vermelho, mas permite-me democraticamente a adição do termo ao seu dicionário incorporado, o que faço). Dir-se-á: podemos dizer "resumindo o assunto". É um facto. Mas, se a "resumir" acrescentarmos "sucintar", não estaremos a empobrecer a língua. Estaremos, de facto, a fornecer-lhe mais uma alternativa.
Na mesma linha, porque não dizer, alternativamente a "os campos começam a ganhar erva" que "os campos começam a ervar"? Ganha-se alguma coisa.
Se há praias com uma passarela feita de uma sucessão de tábuas para que a areia quente não queime a planta dos pés dos banhistas, porque não dizer que "uma parte da praia está tabuada?"
Noutro aspecto, porque não alternar "fronteira terrestre" e "fronteira marítima" (substantivo + adjectivo) com fronteira-terra e fronteira-mar?
Se alguém repete uma frase pausadamente ou apenas mais devagar do que anteriormente, porque não criar a possibilidade de dizer "ele vagarou a frase"? Esquisito? Como a Coca-Cola na versão pessoana: primeiro estranha, depois entranha.
Porque não dizer, em aditamento a falar na colocação de postes de iluminação com candeeiros para iluminar um caminho, "candeeirar uma rua"? Lembremo-nos que dizemos "asfaltar" e "alcatroar" uma estrada.
E palmeirar uma avenida, como o Isaltino gosta de fazer no seu concelho de Oeiras?
Podemos pensar em "pontar um rio" - construir uma ponte que lhe ligue as duas margens?
E em dizer "paular um indivíduo", se ele for agredido à paulada?
E em "farolar a costa", se foram colocados faróis ao longo da costa?
E em "biclar no parque", quando lá andamos de bicicleta?
Ou em "melar o leite", se lhe adicionamos mel?
A não-sintetização da língua talvez comece desde a infância mais tenra. Talvez se procedêssemos de outra forma as crianças fossem mais inventivas e inovadoras perante o seu idioma. Sendo a maioria das palavras para os infantes com sílabas repetidas, como chichi, cocó, tautau, porque meter o verbo "fazer" em tudo obrigatoriamente? Fazer chichi, fazer cocó? Porque não chichiar, cocoar e permitir que a mãe diga à pobre criança "Se não comes a sopa, eu tautauo-te"?
Chegado aqui, acho que o melhor é mesmo eu pisgar-me, para que ninguém pense em facar-me ou pistolar-me.

Sem comentários:

Enviar um comentário