No princípio de Dezembro último, quando comecei a pensar em fazer umas compritas de Natal, encarei a hipótese de arranjar um jogo de matraquilhos como prendinha para um neto que ainda só vai a caminho dos quatro anos. Em dois hipermercados que primeiro visitei não encontrei nada de jeito. Foi então que me disseram que havia matraquilhos bastante perfeitos, só ligeiramente mais pequenos do que os que se vendem para adultos, mas também com o campo de futebol impecavelmente pintado de verde, com jogadores bem feitos e equipados a rigor, varões cromados, balizas e, pasme-se, até um marcador. Estavam no Corte Inglês. Dei uma vista de olhos, confirmei a informação e achei o preço (50 euros) muito em conta para a qualidade do que estava a ver. Comprei. Devo dizer que os matraquilhos têm sido um sucesso. Só há pouco dias reparei que se tratava de mais um produto "Made in China".
Há muito que compro produtos chineses, como sucede à maior parte das pessoas. O computador que estou a utilizar, por exemplo, foi fabricado na China. Um televisor que foi substituir um outro que tinha sido danificado pela humidade de um apartamento que tenho, situado a poucos metros do mar, é da mesma origem. Ambos têm entre três e quatro anos, foram baratos e funcionam bem.
Esta é uma breve introdução àquilo que dados estatísticos revelam: a China é hoje o país de onde a União Europeia importa maior valor numa gama de variadíssimos produtos. Não estou a falar da China por causa da visita da embaixada portuguesa presidida pelo nosso primeiro-ministro. Isso é pulga em dorso de elefante. Mas estou a fazê-lo pela enorme expansão que os chineses têm logrado nos últimos anos. Sempre de forma suave, low profile, sem dar nas vistas. Na altura em que escrevo, o Presidente da China está a fazer mais um périplo africano. Onde é que dantes os chineses faziam isso? Há muito que sei dos negócios da China em Angola, mas admito que fiquei abismado ao saber que esta antiga colónia portuguesa era não só, de longe, o seu principal fornecedor de petróleo em África como também que presentemente havia em Angola mais de 400 mil chineses! Quatrocentos mil! Em três anos apenas, Pequim passou a ser o terceiro maior parceiro comercial de África, a seguir aos Estados Unidos e à França. Ultrapassou já a Grã-Bretanha, que em tempos teve um poderosíssimo império colonial africano, como todos sabemos.
O curioso é que a diplomacia chinesa é essencialmente feita à base do comércio. E estará para durar pelo menos até 2008, o ano das grandes olimpíadas na China. Lembrarmo-nos nós que, na era Nixon, o que se fazia era deslocações de jogadores americanos de ping-pong à China! Lembrarmo-nos nós que costumávamos considerar os chineses apenas como um povo que se consegue afirmar praticamente em todas as partes do mundo, seja através de restaurantes, seja com o pequeno comércio. Tal como os indianos, aliás. Agora, para além de crescer exponencialmente no seu comércio interno, a China é um concorrente de peso no Médio Oriente, na América Latina e na já referida África. E é detentora de tal valor em obrigações do tesouro norte-americanas que se pensasse em desfazer-se delas desencadearia um terramoto financeiro a nível mundial.
De desconfiados e humildes na sua essência, grandes apostadores na sorte, os chineses passaram a acreditar no seu valor e na sua nunca desmentida força de trabalho. As Olimpíadas vão ser um foco de união ainda maior para o povo chinês. Imagino como se estão a preparar para mostrar que todos têm definitivamente de contar com eles.
Assim é que jogos de matraquilhos fabricados em série, perfeitos e baratos, e Jogos Olímpicos grandiosos são duas faces de um mesmo país que, até há poucas décadas, era mais famoso pela sua enorme população do que por qualquer outro factor.
P.S. É evidente que não esqueço que na China não existem sindicatos livres, nem que os salários dos trabalhadores são baixíssimos e sujeitos a descontos ilegais, que não há horas extraordinárias pagas, nem respeito por padrões de higiene e segurança. Não me esqueço também que cerca de 60 por cento dos chineses vivem abaixo do limiar da pobreza. Não ignoro que um blogue como o nosso não seria permitido na China e que a liberdade de que os cidadãos chineses gozam pouco tem a ver com a que gozamos aqui. Não escamoteio que existe a política de um filho por casal, o que leva a que ocorra um considerável infanticídio feminino devido à preferência por rapazes.
Já agora, também não ignoro que o grande desenvolvimento chinês se deveu numa parte substancial aos muito vultosos investimentos que todo o ocidente tem vindo a fazer na China, aproveitando-se das excepcionais condições existentes no seu mercado de trabalho.
Sem comentários:
Enviar um comentário