2/15/2007

As duas costeletas

Passados já alguns dias sobre o referendo, que foi abundantemente escalpelizado pelos media, atrevo-me a dizer que, com alguma surpresa minha, o dito acabou por ter um desfecho satisfatório. Entretanto, não entendi muito bem como é que a cláusula dos 50 por cento mínimos de participação acabou por ser mandada às malvas. Terá sido mais uma daquelas leis portuguesas que "existem, mas não existem" (é o contrário do conhecido aforismo da crença em bruxas).
Quanto ao resultado propriamente dito, era previsível que o retrato do país-2007 nesta vertente comportamental ficasse definido. E ficou. Todavia, não se poderá falar num contraste evidente entre o Norte e o Sul, embora seja claro que a Sul se votou mais "sim" do que a Norte. Nem se pode falar muito de urbes e de interior, porque houve de tudo. Na realidade, o que prevaleceu foi a existência de um país dividido. A diferença entre os votantes do "sim" e os do "não" foi inferior a 700 mil, o que diz alguma coisa. Neste sentido, um retrato do país que mostre apenas as cores dos vencedores pode facilmente induzir em erro.
Como sabemos, do "sim" havia um oferecimento de opção à mulher; do "não" surgia a imposição à mulher da mesma lei que tem vigorado. Em certa medida, este caso lembra-me a história daqueles dois amigos que se sentaram à mesa de um restaurante. Para economizarem, encomendaram uma dose de costeletas, até porque lhes disseram que viriam duas. E duas vieram, de facto. Só que uma era francamente maior do que a outra. Após aquela habitual troca de cortesias "Serve-te!", "Serve-te tu!", o que primeiro se serviu tirou para o prato a costeleta maior. "Incrível!", disse-lhe o outro. "Tiraste a maior!" Replicou-lhe o primeiro: "Se fosses tu, qual tiravas?" "A mais pequena, claro!" "Então já aí a tens, de que te queixas?"
A história ocorreu-me porque neste caso da despenalização da IVG existem também, por assim dizer, duas costeletas. Os votantes do "sim", que acabaram por ganhar, vêem as mulheres não serem criminalizadas pelo seu eventual acto e, além disso, receberem assistência num estabelecimento de saúde. Isso poderá vir a ser utilizado por algumas das votantes. As defensoras do "não", congruentemente com o seu posicionamento, nunca em princípio recorrerão à opcionalidade que por lei lhes é concedida. Ficam com a costeleta mais pequena, mas sempre ficam com uma costeleta. E a sua consciência deve estar bem tranquila.

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