2/05/2007

Referendo (II)

Não é com surpresa que verifico que são países católicos da Europa aqueles que mais se opõem à livre escolha da mulher para interromper ou não a sua gravidez. Irlanda, Polónia e Portugal figuram nesse grupo. A Espanha, país fortemente católico também, mas felizmente imbuído de uma poderosa onda de modernidade, tem uma lei muito parecida com a nossa mas que permite invocar o risco para a saúde psíquica da mulher para interromper a gravidez. Em França, na Alemanha, na Bélgica, na Dinamarca, na Estónia, Letónia, Lituânia, Grécia, Holanda, República Checa, Bulgária e Eslováquia, IVG são possíveis a pedido da mulher, maioritariamente nas primeiras doze semanas. Nos Estados Unidos a mulher tem o direito de opção nos primeiros três meses. Desde 1973.
O que se está a passar em Portugal, com uma forte campanha do "Não" secundada pela Igreja Católica, deixa transparecer uma elevadíssima dose de conservadorismo, que também não surpreende. Reina a intolerância. Enquanto a campanha pelo "Sim" pretende conceder à mulher a liberdade de escolher a IVG até às dez semanas - atitude que não impõe nada a ninguém, apenas oferece uma possibilidade de opção, de que a mulher pode fazer uso ou não -, a campanha pelo "Não" impõe o seu ponto de vista a toda e qualquer mulher, rica ou pobre, nova ou velha, com muitos filhos ou poucos. O aborto é ilegal. Period! Conceder às pessoas a liberdade de optar choca as consciências conservadoras, mas impor a sua decisão a todas as mulheres não as belisca minimamente. É este o sentimento de liberdade que muitos ainda possuem. É claro que a isto se chama intolerância. Feridos com o epíteto de "intolerante", muitos adeptos do "Não" recorrem então, como que num gesto de puro remorso, à sugestão de não-condenação da mulher pelos tribunais. Com uma mão castigam, com a outra perdoam. Lembram as pessoas que se confessam ao fim-de-semana para poderem pecar à vontade a partir da segunda-feira seguinte.
O sentimento de não-liberdade para os outros é, de longe, o aspecto que mais me impressiona nesta campanha. Mas, como é o país que temos, há que dar aos proponentes do "Não" a liberdade de imporem a sua vontade. Obviamente.

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