2/26/2007

Estatísticas da floresta portuguesa

Os dados estatísticos que há dias a generalidade dos media publicou sobre o coberto florestal do país veio mostrar que, presentemente, as áreas de eucaliptos e de sobreiros já ultrapassaram aquela outra que foi durante longuíssimos anos a nossa plantação principal, a larga distância das restantes: o pinheiro. Tudo é o óbvio resultado de incêndios florestais, que têm principalmente afectado zonas de pinhal. Por este motivo, o sector do pinho está presentemente a atravessar dificuldades devido a escassez de matéria-prima.
Como uma vez aqui lembrei, as povoações com os nomes de árvores são inúmeras em Portugal. Carvalhos, Carvalhais, Carvalhelhos, Soutos, Sobreiros, Sobrais, Azinhais, Azinheiras, Azinhosos, Pinhais, Pinhais Novos, Pinheiros, Figueiras, Figueiredos, Pereiras, Salgueiros, etc. são nomes vulgaríssimos no nosso país. Por vezes, até existem denominações como Carvalhal de Cima e Carvalhal de Baixo. Só uma árvore não deu nenhum nome a qualquer localidade: o eucalipto. Estranhamente, é esse mesmo eucalipto que lidera a nossa fileira florestal. Dá que pensar.
Já agora, um lembrete. Existem lobbies para o sobreiro, como se sabe. Para as plantações de eucaliptos existem igualmente lobbies. Para os pinhais, não, que se saiba. Também dá que pensar.

2/24/2007

O escuteiro que nunca quis ser herói

Num número recente do Público chamou-me a atenção o título que acima transcrevo. O texto respectivo vinha ilustrado com várias fotos e celebrava o primeiro centenário de um movimento que considero interessante: o escutismo. O artigo, com cerca de duas páginas, falava sobre o fundador desse movimento, Robert Baden-Powell, que nasceu há 150 anos. Numa passagem, pode ler-se que "quando (Baden-Powell) regressou a Inglaterra, descobriu que havia uma espécie de culto à sua volta e rejeitou-o de imediato." Mais adiante, surge a linha que titula a peça: "Nunca quis ser visto como um herói."
Esta frase fez-me recordar o que não há muito tempo li em Exterminem todas as bestas, livro da autoria de Sven Lindqvist. Durante a segunda guerra ashanti (1896), no actual Gana - na primeira tinha havido uma tremenda carnificina, com os britânicos a matarem, à distância, centenas de ashanti com as suas poderosas armas - Robert Baden-Powell, o comandante das tropas avançadas inglesas, recebeu um enviado que vinha oferecer-lhe a rendição incondicional. Para sua decepção, Baden-Powell não disparou um só tiro contra os indígenas. De forma a desencadear as hostilidades, os britânicos planearam actos de extrema provocação. O rei de Ashanti foi detido juntamente com toda a sua família e obrigado a rastejar até aos oficiais britânicos, que estavam sentados em cima de caixotes de latas de bolachas a receberem a sua subjugação. Numa carta à sua mãe, Baden-Powell escreve "Gostei muito do passeio, com excepção da ausência de combate, que, receio-o bem, impedirá que ganhemos quaisquer medalhas ou condecorações. "
O título do artigo e este episódio real da vida de Baden-Powell não puderam deixar de me trazer à mente uma conhecida frase de The Man Who Shot Liberty Valance, um western famoso: "This is the West, Sir. When the legend becomes fact, print the legend!" No fundo, como Kundera gosta de dizer, "a memória serve tanto para recordar como para esquecer."

2/22/2007

Matriz de Acontecimentos (21 Fevereiro 2007)

Estando na Gulbenkian, foi emocionante constatar que ela está «invadida»com duas realizações fabulosas de dois grandes docentes, do meu tempo, do Técnico! Até onde irá esta dívida aumentar?

Terminaram as obras referentes à primeira fase da recuperação e conservação do Forte de Paimogo (entre Peniche e Lourinhã). Um troço de costa deslumbrante, a ter em consideração para os dias que aí vêm, com mais tempo de Sol (a hora muda no final de Março…)

Quinta-feira, dia 22:

às 00h35, na RTP1, documentário (50 minutos) “Homenagem da RTP, nos 20 Anos da Morte de Zeca Afonso”, segue-se a passagem do concerto gravado no Coliseu

Sexta-feira, dia 16, passam 20 anos sobre a morte de Zeca Afonso:

às 18h30, na sede da Sociedade Portuguesa de Autores, homenagem a Zeca Afonso, com Manuel Freire, José Jorge Letria, José Niza, Francisco Fanhais e Luiz Goes

às 21h30, no Mercado da Ribeira, "Tributo a José Afonso" com Cantadores de Rusga (Jorge Jordan, Mingo Rangel, Rogério Charraz) e Jorge Castro que lerá poemas

às 23h30, na 2:, documentário (50 minutos) da série “A Vida Íntima de Uma Obra Prima” (está anunciada a A Liberdade Guiando o Povo, mas deve ser outra, esta já foi emitida na semana passada…)

Sábado, dia 24:

às 11h00, na 2:, documentário relativo ao maestro Cláudio Abbado às 15h00, no CAMJAP (“Centro Arte Moderna da Gulbenkian”) visita temática do ciclo “Zonas de Contacto”: Exposições e Curadores, por Sandra Vieira Jürgens

às 15h30, no Pavilhão do Conhecimento, “As Contas da Chuva - A Matemática e as Previsões Meteorológicas” debate com José Ferreira Alves e Pedro Miranda

às 18h30, no Centro Cultural de Cascais, “Carnaval Concert” pela Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras

às 19h00, na ARTE, documentário (integrado no magazine Metropolis) relativo ao MET e à montagem de “Eugène Onéguine” que vão transmitir

às 19h45, na ARTE, transmissão directa do MET de “Eugène Onéguine” com Renée Fleming e Dmitri Hovrostovsky

Domingo, dia 25:

às 12h00, no CAMJAP (“Centro Arte Moderna da Gulbenkian”) visita temática do ciclo “Paradigmas Contemporâneos”: Instituição e Obra – As Partes de um Todo, por Susana Anágua

às 15h00, no CAMJAP (“Centro Arte Moderna da Gulbenkian”) visita à exposição “Book Cell”:, por Carla Mendes

às 16h00, Igreja Matriz de Oeiras, “Tarde Musical” com Jenny Silvestre e solistas da Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras

Segunda-feira, dia 26,

às 18h00, na Fnac Chiado, “Conversas com História”: Resistência Republicana …, com o Prof. Fernando Rosas

às 18h00, no Auditório 3 da Gulbenkian, Philippe Albéra fará o «Comentário Pré-Concerto» ao concerto das 19h00

às 18h30, na Culturgest, conferência do ciclo “As Religiões dos Filhos de Abraáo”: Caminhos da Ortodoxia por Ivan Moody

Terça-feira, dia 27, às 23h15, na 2:, Ana Sousa Dias conversa com Tomás Eloy Martinez

Quarta-feira, dia 28

às 18h00, no Museu Nacional de Arte Antiga, visita guiada a uma das obras de referência do MNA: "Virgem com o menino" (da oficina de Mestre-Pero)

às 18h30, na Culturgest, conferência do ciclo “Óperas (mal) Amadas do Século XX”: Das Wunder der Heliane (E.W. Korngold), por Eugénio Sena

às 21h30, na Biblioteca Municipal de Algés, “Café com Letras” com António Osório

A seguir:
a partir de 2 de Março, exposição de Arpad Szenes na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva
de 9 a 25 de Março, reposição da peça Stabat Mater
de 17 a 17 de Março, Festival Internacional de Blues de Coimbra

Download do ficheiro das Sugestôes (22 Fevereiro 2007)

Bom fim de semana
JMiguel

2/20/2007

A Madeira dá lições de democracia ao Continente

A bomba rebentou! Embora usando o nome de um colega de ideias contrárias às minhas (sou o S.Krok), o estrondo fez-me voltar a este blogue , ao qual tinha prometido a mim próprio não regressar senão por um acontecimento de muito peso. Mas que evento mais relevante poderia ter ocorrido do que o anúncio da auto-demissão do Doutor Alberto João Jardim?
Os portugueses do Continente adoram troçar do Doutor Alberto João. Por ignorância, uns, por inveja, outros. Os primeiros porque não conhecem nem a Madeira nem a realidade madeirense. Os segundos porque, em face de uma Região Autónoma de marcado progresso e indesmentível paz social, tanto o ambiente urbano e civilizado como a ordem e disciplina que se respiram em toda a ilha não podem deixar de alimentar dentro de si um despudorado sentimento de inveja.
A ilha tornou-se primeiro notada por Zarco, Teixeira e Perestrelo devido à existência de florestas de boa madeira, que aliás lhe viriam a dar o nome. A par do desenvolvimento fomentado por colonos lusos e comerciantes britânicos, a ilha adquiriu uma exuberante beleza com os seus jardins, que tanto encantaram Sissi. Mas seria preciso alguém de apelido Jardim - o Doutor Alberto João - para que todo a Madeira conhecesse um esplendor de progresso inigualável. Graças ao saber e à mão firme do seu líder incontestado - desde 1978! - toda a ilha é hoje um local imensamente aprazível, pleno de vegetação e com uma elevadíssimo grau de segurança. E isso é algo que não têm preço!
Justificadamente revoltado perante a publicação de uma Lei de Finanças que, a meio do seu mandato, lhe vem cercear de forma surpreendente os meios com que naturalmente contava, o Doutor Alberto João mostrou todo o seu desapego ao poder ao demitir-se. Aguardará agora eleições antecipadas, às quais, como um dos melhores madeirenses de sempre, se recandidatará. Vencerá certamente com os votos de todos os madeirenses que reconhecem o seu insano e profícuo trabalho. Pelo menos até 2011 a Madeira poderá contar com o mesmo pulso mandante, a mesma atitude indomável perante os socialistas do Continente e alguns da ilha, e sempre com a distinta marca pessoal que os ilhéus tão bem conhecem. Parabéns, Doutor Alberto João, pela sua coragem e pelo seu elevado sentido democrático!

2/15/2007

Matriz de Acontecimentos (15 Fevereiro 2007)

Decorre até domingo na FIL, no Parque das Nações, até 18, Nauticampo (das15h às 23h, dia 18 das 10h às 19h)

Decorre até segunda-feira, em Madrid, a 26.ª edição da ARCO

Quinta-feira, dia 15:

às 18h30, no Palácio Foz, recital de canto e piano por Madalena Leal Faria e Rosário Themudo Barata, respectivamente

Sexta-feira, dia 16:

às 18h30, no Salão Nobre São Carlos, Jornadas Europeias da Ópera: recital de ?Valsas Vienenses?

às 21h00, no Teatro Municipal de Almada, concerto pelo Quinteto de Jazz de Sara Valente

às 23h30, na 2:, documentário (50 minutos) da série ?A Vida Íntima de Uma Obra Prima?: A Liberdade Guiando o Povo (E. Delacroix). Repete (?) domingo às 14h00

Sábado, dia 17:

às 15h00, no Edifício Sede da Gulbenkian, visita à exposição «Paisagens Múltiplas», de R. Cruz Filipe, guiada por Lígia Afonso

às 16h00, no Teatro Amélia Rey Colaço, Algés, ?Seixas e Scarlatti no tempo de D. João V? recital de cravo por Magdalena van Zeller e conferência por José Manuel Tedim

às 18h30, no Salão Nobre São Carlos, Jornadas Europeias da Ópera: recital de canto e piano por Leonardo Neiva (barítono) e Patrícia Valadão

Domingo, dia 18:

às 10h30, no Edifício Sede da Gulbenkian, ?Grandes Maravilhas e Forças da Natureza? visita (parcial) à exposição «INGenuidades - Fotografia e Engenharia» guiada por Carlos Carrilho

às 12h00, no CAMJAP (?Centro Arte Moderna da Gulbenkian?) visita temática do ciclo ?Paradigmas Contemporâneos?: O Processo Criativo, por Susana Anágua

às 13h45, na Mezzo, «Quebra Nozes» coreografado por M.Béjart, seguido de documentário relativo aos ensaios, entrevistas?

às 15h30, no Salão Nobre São Carlos, Jornadas Europeias da Ópera: recital de canto e piano ?Árias de Ópera? por Sara Braga Simões (soprano), Carlos Guilherme (tenor) e Armando Vidal

às 16h00, no CCB, visita à exposição ?Gonçalo Byrne: Geografias Vivas? guiada por Gonçalo Byrne

às 16h00, no Edifício Sede da Gulbenkian, ?O Progresso Técnico-Científico? visita à exposição «INGenuidades - Fotografia e Engenharia» guiada pelo Prof. Bernardo Herold (?o do nosso tempo do Técnico?)

às 17h00, no Palácio dos Aciprestes, em Linda-a-Velha, ?Carnaval Concert? pela Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras

Terça-feira, dia 20, dia de Carnaval

às 14h30, no Castelo de São Jorge (Praça de Armas), concentração para arranque do Desfile de Carnaval de Alfama que conclui no Largo do Chafariz de Dentro

às 23h15, na 2:, Ana Sousa Dias conversa com Miguel Guilherme

Quarta-feira, dia 21

às 18h30, na Culturgest, conferência do ciclo ?Óperas (mal) Amadas do Século XX?: Das Wunder der Heliane (E.W. Korngold), por Carlos Pontes Leça

A seguir:
de 9 a 25 de Março, reposição da peça Stabat Mater

Download do ficheiro das Sugestôes (15 Fevereiro 2007)

Bom fim de semana
JMiguel

As duas costeletas

Passados já alguns dias sobre o referendo, que foi abundantemente escalpelizado pelos media, atrevo-me a dizer que, com alguma surpresa minha, o dito acabou por ter um desfecho satisfatório. Entretanto, não entendi muito bem como é que a cláusula dos 50 por cento mínimos de participação acabou por ser mandada às malvas. Terá sido mais uma daquelas leis portuguesas que "existem, mas não existem" (é o contrário do conhecido aforismo da crença em bruxas).
Quanto ao resultado propriamente dito, era previsível que o retrato do país-2007 nesta vertente comportamental ficasse definido. E ficou. Todavia, não se poderá falar num contraste evidente entre o Norte e o Sul, embora seja claro que a Sul se votou mais "sim" do que a Norte. Nem se pode falar muito de urbes e de interior, porque houve de tudo. Na realidade, o que prevaleceu foi a existência de um país dividido. A diferença entre os votantes do "sim" e os do "não" foi inferior a 700 mil, o que diz alguma coisa. Neste sentido, um retrato do país que mostre apenas as cores dos vencedores pode facilmente induzir em erro.
Como sabemos, do "sim" havia um oferecimento de opção à mulher; do "não" surgia a imposição à mulher da mesma lei que tem vigorado. Em certa medida, este caso lembra-me a história daqueles dois amigos que se sentaram à mesa de um restaurante. Para economizarem, encomendaram uma dose de costeletas, até porque lhes disseram que viriam duas. E duas vieram, de facto. Só que uma era francamente maior do que a outra. Após aquela habitual troca de cortesias "Serve-te!", "Serve-te tu!", o que primeiro se serviu tirou para o prato a costeleta maior. "Incrível!", disse-lhe o outro. "Tiraste a maior!" Replicou-lhe o primeiro: "Se fosses tu, qual tiravas?" "A mais pequena, claro!" "Então já aí a tens, de que te queixas?"
A história ocorreu-me porque neste caso da despenalização da IVG existem também, por assim dizer, duas costeletas. Os votantes do "sim", que acabaram por ganhar, vêem as mulheres não serem criminalizadas pelo seu eventual acto e, além disso, receberem assistência num estabelecimento de saúde. Isso poderá vir a ser utilizado por algumas das votantes. As defensoras do "não", congruentemente com o seu posicionamento, nunca em princípio recorrerão à opcionalidade que por lei lhes é concedida. Ficam com a costeleta mais pequena, mas sempre ficam com uma costeleta. E a sua consciência deve estar bem tranquila.

2/08/2007

Azulejos (II)


Estas são duas secções do vasto painel que tentei em vão incluir no post de ontem. A paleta cromática sobressai aqui com os seus matizes de azul claro e escuro, entrecortados de verde e preto bem disseminados. Faixas de castanho claro funcionam como divisórias e operam a transição para outras tonalidades. É quando estamos postados em frente ao painel que vemos a sua enorme dimensão, que em certa medida nos esmaga e atordoa.
A outra secção aqui reproduzida à direita apresenta cores bem diversas, que o olhar lançado do carro a oitenta à hora (há radar por aquelas bandas?) distingue mas não desfruta.
Esta é basicamente uma tentativa a dois tempos para que os leitores do blog visitem o local e, se já conhecerem, reincidam na visita. Em dias bonitos vale sempre a pena andar um pouco a pé no meio da (rara) vegetação. Vêem-se outras coisas que no dia-a-dia nos passam despercebidas quase em absoluto.

2/07/2007

Azulejos

A Avenida Gulbenkian, em Lisboa, é uma artéria de elevado volume de trânsito. Quando passamos o aqueduto, vindos da Ponte ou do Estoril e entramos em Lisboa, percorremos a avenida com o máximo de velocidade permitida pelos sinais ou pelo trânsito. Todos nós que lá passamos já reparámos naquele enorme painel de azulejos que se estende desde o mais alto arco de pedra do mundo - o do oitocentista Aqueduto das Águas Livres - até bem mais acima, a uma entrada para Campolide. É ele também o maior painel contínuo de azulejos que existe (há outros de grande volume na Turquia, mas não possuem a dimensão deste). Obra de Abel Manta, muitos saberão que estes azulejos estiveram guardados durante anos e anos pela Câmara Municipal, que em boa hora a certa altura os mandou colocar no local onde agora se encontram. A questão que levanto é: quantos já se deram ao trabalho de examinar de perto o painel? Pois é, passamos por ali a correr, como a vida nos pede.
No entanto, se um dia forem dar um relaxante passeio a pé por aqueles lados, dêem uma mirada mais detalhada. "Azulejos, moinhos e talha dourada são as características que mais distinguem Portugal de outros países", gostava de dizer o falecido Engenheiro Santos Simões, que foi o grande pioneiro de um estudo sério do azulejo português, tanto em território nacional como no Brasil. Um azulejo que, entre outras facetas dignas de relevo, e também segundo Santos Simões, acompanha sempre a modernidade, tende a servir a arquitectura e inclina-se muito mais para a monumentalidade do que para o detalhe e perfeição do pormenor avulso.
Dêem uma vista de olhos se possível num dia em que o sol empreste tridimensionalidade e brilho ao painel. Ficarão possivelmente a gostar mais daquele conjunto, com os seus azuis, vermelhos, castanhos, brancos e várias outras cores da paleta. Depois já podem passar de carro a toda a velocidade, porque a imagem ficou indelevelmente gravada.

2/05/2007

Referendo (II)

Não é com surpresa que verifico que são países católicos da Europa aqueles que mais se opõem à livre escolha da mulher para interromper ou não a sua gravidez. Irlanda, Polónia e Portugal figuram nesse grupo. A Espanha, país fortemente católico também, mas felizmente imbuído de uma poderosa onda de modernidade, tem uma lei muito parecida com a nossa mas que permite invocar o risco para a saúde psíquica da mulher para interromper a gravidez. Em França, na Alemanha, na Bélgica, na Dinamarca, na Estónia, Letónia, Lituânia, Grécia, Holanda, República Checa, Bulgária e Eslováquia, IVG são possíveis a pedido da mulher, maioritariamente nas primeiras doze semanas. Nos Estados Unidos a mulher tem o direito de opção nos primeiros três meses. Desde 1973.
O que se está a passar em Portugal, com uma forte campanha do "Não" secundada pela Igreja Católica, deixa transparecer uma elevadíssima dose de conservadorismo, que também não surpreende. Reina a intolerância. Enquanto a campanha pelo "Sim" pretende conceder à mulher a liberdade de escolher a IVG até às dez semanas - atitude que não impõe nada a ninguém, apenas oferece uma possibilidade de opção, de que a mulher pode fazer uso ou não -, a campanha pelo "Não" impõe o seu ponto de vista a toda e qualquer mulher, rica ou pobre, nova ou velha, com muitos filhos ou poucos. O aborto é ilegal. Period! Conceder às pessoas a liberdade de optar choca as consciências conservadoras, mas impor a sua decisão a todas as mulheres não as belisca minimamente. É este o sentimento de liberdade que muitos ainda possuem. É claro que a isto se chama intolerância. Feridos com o epíteto de "intolerante", muitos adeptos do "Não" recorrem então, como que num gesto de puro remorso, à sugestão de não-condenação da mulher pelos tribunais. Com uma mão castigam, com a outra perdoam. Lembram as pessoas que se confessam ao fim-de-semana para poderem pecar à vontade a partir da segunda-feira seguinte.
O sentimento de não-liberdade para os outros é, de longe, o aspecto que mais me impressiona nesta campanha. Mas, como é o país que temos, há que dar aos proponentes do "Não" a liberdade de imporem a sua vontade. Obviamente.

2/03/2007

Dos matraquilhos às Olimpíadas

No princípio de Dezembro último, quando comecei a pensar em fazer umas compritas de Natal, encarei a hipótese de arranjar um jogo de matraquilhos como prendinha para um neto que ainda só vai a caminho dos quatro anos. Em dois hipermercados que primeiro visitei não encontrei nada de jeito. Foi então que me disseram que havia matraquilhos bastante perfeitos, só ligeiramente mais pequenos do que os que se vendem para adultos, mas também com o campo de futebol impecavelmente pintado de verde, com jogadores bem feitos e equipados a rigor, varões cromados, balizas e, pasme-se, até um marcador. Estavam no Corte Inglês. Dei uma vista de olhos, confirmei a informação e achei o preço (50 euros) muito em conta para a qualidade do que estava a ver. Comprei. Devo dizer que os matraquilhos têm sido um sucesso. Só há pouco dias reparei que se tratava de mais um produto "Made in China".
Há muito que compro produtos chineses, como sucede à maior parte das pessoas. O computador que estou a utilizar, por exemplo, foi fabricado na China. Um televisor que foi substituir um outro que tinha sido danificado pela humidade de um apartamento que tenho, situado a poucos metros do mar, é da mesma origem. Ambos têm entre três e quatro anos, foram baratos e funcionam bem.
Esta é uma breve introdução àquilo que dados estatísticos revelam: a China é hoje o país de onde a União Europeia importa maior valor numa gama de variadíssimos produtos. Não estou a falar da China por causa da visita da embaixada portuguesa presidida pelo nosso primeiro-ministro. Isso é pulga em dorso de elefante. Mas estou a fazê-lo pela enorme expansão que os chineses têm logrado nos últimos anos. Sempre de forma suave, low profile, sem dar nas vistas. Na altura em que escrevo, o Presidente da China está a fazer mais um périplo africano. Onde é que dantes os chineses faziam isso? Há muito que sei dos negócios da China em Angola, mas admito que fiquei abismado ao saber que esta antiga colónia portuguesa era não só, de longe, o seu principal fornecedor de petróleo em África como também que presentemente havia em Angola mais de 400 mil chineses! Quatrocentos mil! Em três anos apenas, Pequim passou a ser o terceiro maior parceiro comercial de África, a seguir aos Estados Unidos e à França. Ultrapassou já a Grã-Bretanha, que em tempos teve um poderosíssimo império colonial africano, como todos sabemos.
O curioso é que a diplomacia chinesa é essencialmente feita à base do comércio. E estará para durar pelo menos até 2008, o ano das grandes olimpíadas na China. Lembrarmo-nos nós que, na era Nixon, o que se fazia era deslocações de jogadores americanos de ping-pong à China! Lembrarmo-nos nós que costumávamos considerar os chineses apenas como um povo que se consegue afirmar praticamente em todas as partes do mundo, seja através de restaurantes, seja com o pequeno comércio. Tal como os indianos, aliás. Agora, para além de crescer exponencialmente no seu comércio interno, a China é um concorrente de peso no Médio Oriente, na América Latina e na já referida África. E é detentora de tal valor em obrigações do tesouro norte-americanas que se pensasse em desfazer-se delas desencadearia um terramoto financeiro a nível mundial.
De desconfiados e humildes na sua essência, grandes apostadores na sorte, os chineses passaram a acreditar no seu valor e na sua nunca desmentida força de trabalho. As Olimpíadas vão ser um foco de união ainda maior para o povo chinês. Imagino como se estão a preparar para mostrar que todos têm definitivamente de contar com eles.
Assim é que jogos de matraquilhos fabricados em série, perfeitos e baratos, e Jogos Olímpicos grandiosos são duas faces de um mesmo país que, até há poucas décadas, era mais famoso pela sua enorme população do que por qualquer outro factor.

P.S. É evidente que não esqueço que na China não existem sindicatos livres, nem que os salários dos trabalhadores são baixíssimos e sujeitos a descontos ilegais, que não há horas extraordinárias pagas, nem respeito por padrões de higiene e segurança. Não me esqueço também que cerca de 60 por cento dos chineses vivem abaixo do limiar da pobreza. Não ignoro que um blogue como o nosso não seria permitido na China e que a liberdade de que os cidadãos chineses gozam pouco tem a ver com a que gozamos aqui. Não escamoteio que existe a política de um filho por casal, o que leva a que ocorra um considerável infanticídio feminino devido à preferência por rapazes.
Já agora, também não ignoro que o grande desenvolvimento chinês se deveu numa parte substancial aos muito vultosos investimentos que todo o ocidente tem vindo a fazer na China, aproveitando-se das excepcionais condições existentes no seu mercado de trabalho.