Sobre o relacionamento entre letras e números já foram escritos milhares de livros. Não é sobre cabalística, nem sobre magia que pretendo alinhavar aqui umas linhas. É algo muito mais simples e comezinho, e, o que é mais, tem de caber num espaço adequadamente bloguístico, i.e. uma página no máximo, caso contrário ninguém lê.
Para além das palavras cruzadas que nos pedem para usar números romanos, que encadeiam com palavras perfeitas normais – IV (quatro), CI (cento e um), II (segundo) – existem montes de casos em que letras e números são usados em conjunto.
Sempre gostei de verificar que, no que respeita à língua portuguesa, o primeiríssimo choro de um bebé é correspondente ao primeiro número e à primeira letra. É um bom começo, diga-se, que infelizmente se vem na generalidade a perder no futuro. Esse choro é, todos sabemos, um a! um a! um a!
Para problemas ligados a questões respiratórias que podem denunciar primo-infecções pulmonares, tuberculose e outras maleitas mais ou menos graves, o médico português pede ao seu doente para dizer 33. É um número que faz ressoar toda a caixa toráxica. Porém, se traduzido directamente para inglês, o 33 ficar-se-ia apenas pela garganta. Daí que a medicina inglesa tenha preferido o 99 (ninety-nine), muito mais ressoante ao estetoscópio.
A introdução de números nas frases, imprimindo um significado próprio que os interlocutores compreendem bem é um assunto quase inesgotável. Parece-me que os números mais escolhidos andam mais pelos mil do que pelas centenas, pelos trinta mais do que pelos quarenta, pelo sete e seus múltiplos mais do que pelo dois, e pelo três e seus múltiplos mais do que pelo quatro. Vejamos alguns exemplos.
O António só chega lá para as quinhentas!
O João Miguel é um indivíduo das arábias. Sabe fazer mil e uma coisas.
Dei mil tratos à cabeça, mas não consegui encontrar uma saída.
O novo empregado que contratámos é pouco mais do que um zero à esquerda.
Ele arranjou um bom 31 quando se meteu com a moça do alterne.
O pior é que ela não vai com um 31 de boca.
No fundo, a Carolina é assim: ou oito ou oitenta. (O oito foi considerado por muitos o número ideal de pessoas para viver em grupo auto-suficiente. Da perfeição ao caos, do oito ao oitenta.)
O puto é meio maluco. Faz trinta por uma linha.
Três é a conta que Deus fez. (A rimazinha, mai-la Santíssima Trindade, ajuda a que o dito comum seja visto como verdade indesmentível.)
Lá vão os Bobones para a festa, todos cheios de nove horas.
A Elisa anda sempre a nove. (Esta expressão foi tirada dos eléctricos da cidade, que andam a nove (pontos ou dentes da roda do volante) quando seguem no máximo da velocidade.)
Ela anda sempre a cem à hora.
O velhote é como os gatos. Tem sete foles. (fôlegos). (Em inglês teria nove vidas.)
Os pecados mortais são sete. (Um a cometer em cada dia da semana.).
O ladrão fugiu a sete pés.
Ele faz isto e aquilo, e o diabo a sete.
Em Julho, vamos escolher as novas sete maravilhas do mundo.
O príncipe percorreu as sete partidas do mundo.
Costeau viajou pelos sete mares.
Na ilha de S. Miguel, Açores, visita-se sempre a Lagoa das Sete Cidades.
As sete saias das nazarenas estão ligadas às sete ondas do mar.
A bandeira portuguesa ostenta sete castelos conquistados aos mouros.
A Branca de Neve vive acompanhada pelos seus sete anões.
O Jorge é um tipo dos sete ofícios.
O Sérgio é o homem dos sete instrumentos.
Tal como Roma, Istambul, San Francisco e Cincinatti, Lisboa tem sete colinas.
O Hélder está agora nas suas sete quintas.
Ela sentiu-se no sétimo céu.
Quando não entendemos bem uma coisa, podemos fazer dela um bicho-de-sete-cabeças.
Os rapazes pareciam sete cães a atirar-se a um osso.
Depois de uma vida rica de deboche, a Kyrinova jaz neste momento sob sete palmos de terra.
Agora só me resta fechar este apanhado a sete chaves antes que chegue o Mata-Sete, com as suas botas de sete léguas e sete pedras na mão!
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