A frase é latina, o que revela que se trata de uma característica humana que não é notada apenas pelas pessoas presentemente vivas mas que, pelo contrário, tem raízes muito antigas. Há dias, uma familiar minha com mais de oitenta anos dizia-me: "Não sei o que é, o tempo agora voa! Parece que foi há meses que aquilo se passou e, afinal, já lá vão três anos!" Na altura, tentei explicar-lhe que a razão é simples: como, à medida que avançamos na idade, os chips da nossa memória vão ficando cada vez menos carregados, pura e simplesmente esquecemo-nos das coisas. Isto responderia à questão dos senior moments, aquelas ocasiões em que estamos a falar de um determinado assunto, fazemos um pequeno desvio na conversa por qualquer motivo e, findo esse desvio, sentimos que perdemos o fio à meada e não sabemos já com precisão do que estávamos a falar. Embora isto seja um facto, interrogo-me se responderá à questão do motivo por que o tempo parece voar mais à medida que a nossa idade vai avançando.
Por que razão falam os homens frequentemente do seu serviço militar? E se tiver sido cumprido em África durante o período de guerra, ainda muito mais! Que razão levará estudantes do ensino superior que viajam na base de programas comunitários como o Erasmus, a dizerem no seu regresso que "aqueles seis meses equivaleram a dois anos passados aqui!" (é o oposto do tempus fugit). Por que motivo falamos tão frequentemente das viagens que fazemos, por vezes com detalhes que até já estão longínquos no tempo? Poderá dizer-se que é por causa da idade da pessoa? Se virmos bem, é um facto que períodos de serviço militar remontam aos vinte e poucos anos; as viagens, porém, podem ser realizadas aos 20, 40, 50 ou 70 anos, e as pessoas lembram-se bem delas posteriormente. E aí o tempo não parece já fugir!
A razão, creio, está mais na existência de demasiadas rotinas do que na desmemoriação causada pela idade. Ao relembrar a vida actual daquela familiar que acima refiro, vejo com facilidade a rotina que nela se instalou. Pouco ou nada surge de novo na sua vida. Gosta de ver o telejornal para saber algumas notícias e transmiti-las a outrem se for caso disso - o mensageiro entra como activo participante na própria transmissão do acontecimento. Aprecia telenovelas, porque nelas surgem coisas que quebram a sua vida rotineira. E porque fala ela mais do passado do que do seu presente? Porque este pouco tem de diferenciado, enquanto que o seu passado apresenta histórias interessantes, episódios de referência, significativos, que lhe dão prazer narrar. Quem se reforma, por exemplo, abandona o contacto diário com os seus colegas de emprego. Sem que se aperceba desse facto quando os tem à sua volta, estes colegas, com as vivências que partilham com todos, contribuem para a quebra da monotonia, para uma mais saudável politonia, que colora a vida. Depois da reforma, esta tende a passar mais a branco e preto, um pouco como a natural passagem do dia para a noite.
Daí que haja que contrariar esta tendência. Própria e dos outros. Visitar outros é fundamental. Ter fins-de-semana diferentes, viagens, leituras, escrita, projectos, é crucial. Para quê? Para que o tempo não fuja tão depressa. Para que não se transforme num rio que, sem quaisquer obstáculos pelo caminho - obstáculos que constituem a diversidade do seu percurso, afinal -, corra mais aceleradamente para a foz. São os obstáculos que o rio do tempo deve encontrar - os momentos bons, os menos bons, as viagens, o reencontro de amigos, as refeições com uns e com outros, os projectos que se continua a alimentar -, são estes obstáculos, que o rio deve encontrar, que obstam a que ele flua com o mesmo caudal de água, impetuosamente rumo à foz. Urge contrariar este fluir livre, para que tempus fugit se transforme em falta de tempo para fazer coisas que se desejaria fazer. Assim, a vida fica mais rica e vivemos de facto mais, possivelmente sendo também mais úteis para a sociedade em que estamos inseridos.
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