3/25/2007

Nos 50 anos da União Europeia

Como notícia é tudo aquilo que não deveria em princípio acontecer, os jornais gostam de mostrar uma Europa desunida. É óbvio que uma notícia vende mais do que uma não-notícia. Mas haverá de facto razão para carregar com tal força na tecla da desunião?
Recuemos até 1957, que é quando oficialmente tudo começou, isto é, com a assinatura de documentos (de facto, o processo iniciara-se um bom par de anos antes). O mundo estava então a sofrer dramáticas convulsões. A Europa reconstruía-se ainda, após uma guerra que se mostrou profundamente letal e arrasou numerosas instituições. Aquela que tinha sido a colónia mais próspera da Europa - os Estados Unidos - subia em flecha na cena mundial, tendo conseguido a enorme proeza de levar a sede das Nações Unidas para Nova Iorque. Tal queria dizer que não era só do ponto de vista militar e económico que os Estados Unidos estavam a liderar; politicamente, encontravam-se também na primeiríssima linha. Do ponto de vista científico e até artístico, os EUA tinham-se guindado à imagem de país-refúgio para uma Europa por demais conturbada. Colhiam assim os benefícios de um continente rico em cérebros, que os perdia pelo facto simples, mas humano, de que não podia competir com as condições mais aliciantes que o outro lado do Atlântico oferecia. Entretanto, à sombra da muito propalada benfeitoria do Plano Marshall, que efectivamente teve êxito na reconstrução de uma Europa empobrecida mas que, simultaneamente, ajudou fortemente a economia americana a emprestar poder de compra aos grandes compradores dos seus produtos, os Estados Unidos estavam prontos a desferir o golpe por que há décadas esperavam: levar a Europa a descolonizar. Em nome da liberdade e da democracia.
Americanos e russos, potencialmente os dois povos mais imperialistas de então, preparavam-se para o golpe. O objectivo principal era o continente africano, embora incluísse outras partes do mundo. A Inglaterra foi dos primeiros países europeus a descolonizar. A França, a Bélgica, a Holanda, e Portugal por último, fizeram o mesmo. Os Estados Unidos, que estudaram bem o significado do e pluribus unum para a formação da sua enorme força, decidiram apostaram no "dividir para reinar". Dos noventa e tal países que existiam então passou-se, com as novas independências, a mais de 200 hoje em dia. Os EUA foram ainda ajudados, nos anos 90, pela forçada descolonização da União Soviética (eufemisticamente chamada "desintegração"), que eles próprios fomentaram de várias maneiras, entre elas através do auxílio ao país vizinho da URSS, a Polónia - apoio ao Solidariedade, de Walesa, e pressão política para a eleição de um papa polaco, João Paulo II.
A uma Europa debilitada, com uma sombra muito diminuída relativamente à que tivera graças ao seu império colonial, pouco mais restava do que orientar-se pelo referido lema latino e pluribus unum. Nasceu daqui uma comunidade de interesses comuns que, passo a passo, se transformou na União Europeia. Sintomaticamente, as comparações da UE são muitas vezes feitas relativamente aos Estados Unidos, seja em termos de população, de PIB, de desenvolvimento científico e, last but not least, em termos de moeda. O euro foi o grande sapo que o almighty dollar teve de engolir. Como seria previsível, os EUA não gostam dos sucessos da Europa, procurando dividi-la sempre que possível (basta lembrar-nos da “Velha Europa” e da “Nova Europa” aquando da questão do Iraque).
A verdade é que a Europa unida, hoje com 27 países, dificilmente poderia ser uma união sem contradições. Claro que as tem. E tê-las-á por muito tempo. A Portugal custa ver a Espanha entrar-lhe pelas portas dentro. À França torna-se difícil digerir uma cooperação com os ingleses que ajudaram a criar a sua Joana d’Arc, assim como lhes não é fácil andar de mãos dadas com a Alemanha arqui-inimiga através dos séculos. À Polónia e à República Checa sabe-lhes bem a independência perante a Rússia, mas não podem esquecer nem o mal que a Alemanha em tempos lhes causou, nem o auxílio que os Estados Unidos lhes prestaram noutras ocasiões.
Estas são algumas das muitas contradições que necessariamente existem numa União Europeia que ainda não há muitos anos era constituída por 15 países e agora já vai quase no dobro. Uma União Europeia que, numa crítica possivelmente justificada, tem caminhado demasiado depressa mas que possui nalguns dos seus membros uma moeda que se tem revelado forte e vem constituindo uma real alternativa ao dólar. Uma União Europeia que vê com frequência muitos dos seus países ocuparem posições cimeiras nos mais variados rankings mundiais. Uma UE da liberdade, democracia e modelos sociais que, embora sendo diferentes de país para país, merecem a preferência da maioria dos europeus quando postos em cotejo com os de outros países ditos desenvolvidos.
Parabéns, Europa! Falta muito para atingir uma maior consolidação, mas lá chegaremos.

P.S. Em Lisboa, o encontro promovido pelo Presidente da República com os "protagonistas executivos da adesão e da participação de Portugal nas instituições comunitárias" deixou de fora dos 29 convidados um dos adversários principais de Cavaco Silva nas últimas eleições presidenciais: alguém que foi, sem sombra de dúvida, o grande obreiro da adesão de Portugal à Europa. A atitude do "Presidente de todos os portugueses" é inadmissível.

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