4/01/2007

O diploma

Este breve apontamento diz respeito ao diploma do curso superior de Sócrates. Li alguns artigos em mais do que uma publicação. Admito que, em vista das circunstâncias que têm vindo a público sobre a Universidade Independente, não poria de maneira nenhuma as mãos no fogo afirmando que todos os diplomas emitidos por essa instituição foram cem por cento rigorosos. Entre aqueles que eventualmente não terão passado no crivo apodado de "Rigor", poderá estar o do actual Primeiro-Ministro.
Conheço o significado da palavra "rigor" em instituições de ensino superior privado. Sobre esse significado, direi sucintamente que
(1) há docentes que são, por natureza, mais rigorosos do que outros nas suas avaliações. Isto quer dizer que (a) existem docentes que, correctamente na minha opinião, dão as suas notas independentemente do nome e da cor dos olhos dos estudantes e (b) há quem passe praticamente toda uma turma, quase se recusando a dar notas negativas. A estes dois casos de rigor classificativo, há que juntar dois posicionamentos no que respeita a rigor ético: há quem não se vergue para fazer um favor à administração da instituição de onde aufere o seu vencimento, e há quem considere esse facto um mal menor.
(2) Para a administração de uma instituição de ensino superior privado, o rigor classificativo dos professores tem a vantagem de fazer reprovar numerosos estudantes, de onde resultarão mais proventos resultantes de matrículas e propinas no ano seguinte. Ressalva-se o caso de excesso de rigor, que pode levar ao abandono de alunos para uma outra instituição mais facilitadora. Acresce que a instituição ganha imagem de credibilidade junto da população.
Daqui resulta que, de uma maneira geral, "rigor", se não exagerado, é um conceito válido tanto para professores conscienciosos como para a administração. Para ambos, por razões diferentes e com efeitos diversos, "rigor é valor".
Perguntar-se-á, então: se a direcção e administração de uma instituição nada têm a ganhar com diplomas mais ou menos facilitados, por que razão o fazem? É aqui que se levanta a natural suspeita de obtenção de outros favores, externos ao ensino e à recolha de receitas directas para a instituição. E, relativamente aos beneficiados, vem à mente o conhecido aforismo de que não há jantares grátis. Se de natureza política, esses favores podem representar um fechar-de-olhos ministerial sobre o que está mal na instituição, uma benesse que, admitamos, tem uma mais-valia real bem superior ao de uma matrícula num novo ano.
É neste clima de suspeita que estamos relativamente à licenciatura de José Sócrates. Primeiro foi o título de engenheiro, que ele deixava outros usarem para com ele e que a Ordem não reconhece automaticamente ao respectivo curso da Universidade Independente. Esse título já foi retirado do site do Governo, ao que li. Agora é mesmo a licenciatura que está em questão, com as dúvidas que acima tentei expor.
Dir-se-á: mas que tem a ver um título académico com o real desempenho de um Primeiro-Ministro? A resposta, óbvia, é: nada. Se tivesse, todos os políticos teriam que ser doutorados e com graduações pós-doutoramento. Ora, todos sabemos que muitos bons estudantes redundam em profissionais medíocres e que o inverso é frequentemente verdadeiro na esfera das empresas, dos negócios e da liderança.
Politicamente, porém, o problema pode levantar-se por uma justificada questão de ética, que se resume do seguinte modo: que garantias me dá de conduzir bem o barco do meu país quem angaria para si próprio um diploma de forma menos ética?
Politicamente, ainda, o empolamento da questão prenuncia, sem grande margem para dúvidas, a saída de Sócrates do estado de graça. E sair por este modo pode significar entrar em desgraça. Os de boa memória e mais idade recordar-se-ão de uma anedota que se contava a respeito de Salazar, também quando o seu estado de graça tinha desaparecido já. "Sabes, afinal Salazar não tem o curso completo!" "Como? Não pode ser!" "É verdade, falta-lhe uma cadeira." "Qual?" "A cadeira eléctrica!" Hoje, com o governante morto, esta história soará como demasiado cruel e sádica. Na altura, foi tão popular que correu durante vários anos. É assim a vida: quanto maior é a nau, maior a tormenta.

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