Foi só no outro dia que me apercebi que levar o automóvel à inspecção é um pouco como ir à igreja com uma boa série de pecados e aguardar ansiosamente pela absolvição no final.
Num centro de inspecções periódicas (C.I.) não há carros verdadeiramente novos: esses estão isentos durante os seus primeiros quatro anos de vida. Depois, até aos 8, vão apenas de dois em dois anos, pelo que a grande massa de viaturas que se encontra num C.I. se apresenta com uma saca enorme carregada de pecados, traduzidos em muitos quilómetros percorridos, motores a funcionar já sem a energia da juventude, umas tantas amolgadelas e muitos riscos na pintura.
A meu lado, esfregando as mãos para esconder o nervosismo que o invade, o já idoso proprietário de um Honda fala ininterruptamente com o funcionário que lhe examina o veículo. Elogia a sua máquina, fala dela como se de uma namorada se tratasse, explica por que razão a mantém já há tantos anos e esclarece quantas centenas de euros gasta regularmente para a manter afinada. Fala alto e entrecorta a sua explicação com risadinhas nervosas que não consegue disfarçar. O inspector continua imperturbável no exame da viatura. Não creio que tenha ouvido nem um quarto da lenga-lenga que o indivíduo de cabelos brancos expressamente lhe dirige. Nem podia. Tendo em consideração os habituais padrões portugueses, a inspecção é mesmo rigorosa. Quem olhar para a folha com tabelas de um lado e do outro assinaladas a cores diferentes para testar o correcto funcionamento de uma infinidade de itens e, ao mesmo tempo, vir a provecta idade de alguns daqueles automóveis, chegará de pronto à conclusão de que só um milagre celestial é que pode permitir que passem minimamente em todos aqueles testes. Os faróis têm que farolar, os piscas que piscar, o motor não pode ir abaixo, os pneus devem permitir a boa aderência da viatura à estrada, o escape não pode ser barulhento nem ter fugas, as luzes de nevoeiro, tanto as dianteiras como as traseiras, têm que funcionar na perfeição, tal como os stops e a luz avisadora de marcha-atrás.
"Está tudo bem?", perguntam os proprietários ansiosamente, mais com fé do que com verdadeira credulidade. "Mais ou menos." A indecisão dos inspectores mantém-se até ao final. O seu veredicto é inapelável. Quando finalmente termina o exame, depois da saída do veículo do seu lugar sobre uma fossa ou no alto de um elevador que permite toda a visão da parte de baixo do chassis e do resto, o inspector recolhe ao silêncio do seu gabinete. São três as hipóteses: a melhor é o almejado "Aprovado", tout court. "Aprovado com reservas" é outra possibilidade. Nesse caso, o proprietário é vivamente aconselhado a mandar reparar um ou dois itens, que não são no entanto tão relevantes para o bom funcionamento do automóvel em condições de segurança que o impeçam de andar na estrada. Na terceira hipótese, comum, o veículo deverá voltar dentro do período de um mês à inspecção, mas apenas para que determinadas partes sejam testadas de novo. Se então passar, "até para o ano!" Caso contrário, a viatura perde a licença de circulação. Este acaba por ser um caso mais raro, afinal. A absolvição em Portugal sempre foi o que prevaleceu. Há costumes que se mantêm brandos.
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