Diga-se o que se disser, muitas pessoas da minha geração ainda consideram importante o "amor à camisola", a fidelidade à empresa e à família. Pode ser que não cumpram a cem por cento, mas existe um sentimento enraizado de que é assim que deve ser. Gerações mais novas tendem a pensar de maneira diferente: mais no sentido de aproveitar as oportunidades que surgem, uma vez que elas podem não se repetir.
Como é sabido, antigamente um ciclista que do Benfica passasse para o Sporting ou vice-versa era apodado de “traidor”. Vendia-se por uns parcos dinheiros, à maneira de Judas. O mesmo se passava com jogadores de futebol. Não era imaginável que o benfiquista Eusébio passasse para o Porto ou para o Sporting, ou que o sportinguista Travassos se transferisse para um clube rival.
Gradualmente, porém, o dinheiro começou a falar mais alto. Os leilões a ver quem dava mais passaram a ser correntes. Clubes apodados de bem geridos transformaram-se em entrepostos de venda, sempre na mira de comprarem barato para venderem caro. Recentemente, no campeonato europeu verificou-se que a selecção portuguesa era das mais valiosas - era conhecido o preço por que tinham sido vendidos a clubes estrangeiros muitos dos jogadores que nela alinhavam.
Sempre defenderei a liberdade e, portanto não posso em consciência opor-me a mudanças. Cada um é livre de escolher o que considera ser melhor para si, sendo naturalmente responsável pelos seus actos. E admito, naturalmente, que questões de dignidade pessoal, problemas familiares ou de saúde podem estar na base de mudanças mais do que justificadas.
Apesar de tudo, há situações que continuam a doer aos formatados em fidelidade. Citarei três casos bem nossos conhecidos. Por um lado, a transferência de Figo do Barcelona, onde era idolatrado e ganhava bom dinheiro, para o grande rival espanhol de Madrid. Já foi há uns anos, mas constituiu uma verdadeira ofensa para os catalães, que até lhe tinham dado a honra de capitanear a equipa. Mais: o clube madrileno ficou com toda a razão para pensar que o mesmo lhe poderia suceder a si relativamente ao dito jogador se aparecesse outra proposta mais elevada.
Scolari, treinador da selecção portuguesa, é um outro caso. Para o bem e para o mal, desenvolveu-se uma mística entre o homem e o nosso país. Vê-lo abandonar por meras (?) razões monetárias não caiu bem. Isto digo eu, mas muitos não concordarão comigo. A sua dificuldade em línguas vai possivelmente causar-lhe grandes problemas e portanto ele abre até a hipótese de regressar um dia. Eu nunca o receberia.
O terceiro caso é o de Cristiano Ronaldo, o menino-bonito do Manchester. Depois de receber mil prodigalidades do clube onde se fez um grande jogador à escala mundial, disse-se pronto a trocar o clube inglês pelo Real Madrid. Pesetero, como Figo.
Entretanto, não esqueçamos que mesmo no mundo do futebol bem pago ainda existem alguns fiéis. Agora durante o Euro sensacionalmente ganho pela Espanha sobressaiu Xavi, um jogador que entrou para o Barcelona aos 11 anos. Recusou pelo menos por duas vezes sair do seu clube. Em ambas foi convidado por José Mourinho, primeiro para o Chelsea, agora para o Inter. Em ambos os casos declinou o convite. É, evidentemente, um símbolo emblemático do Barcelona, tal como foi Guardiola, que vai ser o novo treinador da equipa e jogou no clube juntamente com Figo.
Apesar das notáveis e saborosas excepções como estas de Xavi e Guardiola, os valores máximos que contam hoje em dia parecem ser os da conta bancária. Os outros são subalternizados. É uma evolução sociologicamente interessante. É sintomático que uns a aceitem sem quaisquer problemas de consciência e outros a reprovem, admitindo apenas que se trata de um sinal dos tempos.
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