7/17/2008

Como vão as coisas?


O irreprimível desejo de ladrar contra o inimigo, manifestado por todos os partidos que estão na oposição em face de maus resultados do Governo, acaba de surgir mais uma vez. Não será a última, decerto, sendo que quando o partido actualmente no Governo estiver na oposição fará exactamente a mesma coisa. Sinto-me particularmente mal ao ver estabelecer um nexo causal entre duas coisas que não estão directamente relacionadas. Por outro lado, ver os partidos da oposição como que a rejubilarem com a crise que se abate sobre o país, parecendo mais interessados no "eu-não-avisei?" do que na crua realidade vivida pelos cidadãos, é algo chocante. Lembra-me aqueles oradores que, ao citarem palavras de um discurso de Abraão Lincoln em que este fala da necessidade de continuar a lutar pela manutenção do governo do povo, pelo povo e para o povo, fazem com que toda a ênfase recaia retoricamente nas diferentes preposições "do povo, pelo povo e para o povo" em vez de acentuarem o mais importante: o povo, i.e. as pessoas.
Longe de mim defender o Governo, mas é de toda a justiça reconhecer que o tremor que presentemente se abate sobre o país está longe de ter o seu epicentro em Portugal. Portugal é, entretanto, um dos mais afectados pelo pacote-conjunto de elevados preços de combustíveis e de outras matérias primas, incluindo alimentares, por uma diferença abissal entre o valor do euro e do dólar, e pelos efeitos devastadores de um capitalismo que se embrenhou selvaticamente pelos caminhos do endividamento das populações seduzidas pelo sonho de contínuas valorizações que em poucos anos se desmoronou. Neste momento, Espanha, Grécia e Portugal - sempre juntos como nos famosos PIGS (Portugal, Italy, Greece, Spain) - enfrentam problemas sérios que um nível de vida excessivo praticado durante anos provocou. Enquanto as coisas vão de vento em popa para os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), os PIGS amocham. Estas coisas são assim. Estamos a viver uma aventura colectiva de que não sabemos o The End, se é que este existe. Talvez a coisa acabe por ser mais como as sessões contínuas do velho Olímpia ou do Coliseu.
Parece evidente que vai ocorrer gradualmente uma mudança significativa e gravosa. Já que os países da Eurolândia nesta vão continuar, acontece que "o seu" euro está supervalorizado. Devido a isso, os valores das empresas e das propriedades - incluindo imobiliário e terrenos - dos países que enfrentam maiores dificuldades de endividamento tenderão a baixar até chegarem a uma plataforma de preço que seja suficientemente atraente para o nacional e o estrangeiro investirem o seu dinheiro. E os salários subirão pouco.
Manietados por regras impostas por Bruxelas, os governos dos vários países têm a maior possibilidade de manobra através da fiscalidade. Podem também, é verdade, evitar cometer erros desastrosos que terão de ser pagos no futuro, mas é basicamente através da fiscalidade que podem agir. No caso de Portugal, já muita coisa se tentou fazer neste campo, mas sem grande sucesso sustentado. Vivemos num país com elevada taxa de corrupção e de crimes de colarinho branco. Sem seriedade, somos todos a sofrer. Quem cumpre com a lei acaba por ficar prejudicado. Muito embora a sua consciência possa estar em paz, a sua carteira ficará mais vazia do que a dos outros que actuam à margem da lei.
A Operação Furacão é, pelo que se sabe, um bom exemplo de manobras financeiras que movimentaram e possivelmente continuam a movimentar largas somas de forma menos clara. Entretanto, uma lei providencial para as empresas está em vias de abortar muitos dos esforços para deslindar teias bem urdidas e dificilmente desmontáveis.
Mas se isto se passa nas altas esferas das finanças, atente-se no que vem ocorrendo cada vez mais no mundo dos biscates. Uma quantidade cada vez maior de profissionais que prestam os serviços mais diversos estabelece com os seus clientes um contrato verbal de pagamento... em dinheiro vivo. Nada de cheques! Estes podem servir de meio de controlo à administração fiscal e eles não querem ser apanhados nas malhas da justiça do Fisco por nada deste mundo. Como é óbvio, torna-se praticamente impossível seguir o trilho dos largos montantes que resultam de somas relativamente pequenas mas acumuladas por todo o país. Depois, nada disto consta das estatísticas, a não ser por estimativa, algo que é por natureza pouco fiável. Mas é assim que o país anda.
Não considero que Portugal tenha errado ao concentrar cerca de oitenta por cento das suas exportações e importações no seio da União Europeia. No fundo, foi para trocas comerciais deste género que se criou o euro e se esbateram fronteiras. O pior é que quando não se exporta valores substanciais para os mercados que estão na curva ascendente, como os dos BRIC, a economia tende a estagnar ou a entrar em recessão. Na União, países como a Alemanha, a França e a Holanda têm conseguido entrar nesses mercados e por isso a sua economia resiste melhor. Noutros, nomeadamente os muito endividados, a situação não é tão brilhante.
Dizer que a culpa é toda do Sócrates é apenas um grito de galo de quem o quer ver saltar do poleiro para ir ocupar o seu lugar. Mas é evidente que, numa altura destas, insistir em construir um TGV Lisboa-Porto, por exemplo, é passar ao lado do cerne da crise e agravá-la ainda mais. Coisas desse género são, de facto, erros graves que devem ser assacados aos governantes, como aliás outros ocorridos neste mandato.

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