Se se fizesse um inquérito questionando qual o critério que as pessoas consideram mais importante num jornal, quase de certeza que, a par do habitual "Não sabe / não responde", viria o critério da objectividade. Ser objectivo, dizer o que se passa no mundo tal e qual, parece, em princípio, ser um bom critério. Mas será mesmo o critério mais seguido? Ou serão outros que geralmente nem escritos estão? Vejamos três deles: o critério da afinidade, o da novidade-sensacionalidade e o da agradabilidade.
Uma criança arguta que aprenda a ler e veja pela primeira vez um jornal com olhos de ver é capaz de perguntar ao pai ou à mãe como é possível que todos os dias aconteçam no mundo coisas para preencher exactamente um jornal. A resposta do adulto, óbvia, é a de que no mundo acontecem muitas coisas mais do que aquelas que aparecem ali, tantas de facto que o jornal tem de fazer uma selecção.
E como se faz essa selecção? Mais pela objectividade ou preferencialmente pelo potencial interesse das notícias para o leitor? Se, afinal, o jornal é feito para o leitor, que o compra, parece justo que seja ele que esteja no centro da selecção de notícias. Isso retirará alguma objectividade ao que se passa no mundo? Certamente que sim. Haverá dias em que o jornal não trará uma única notícia do Brasil, mas certamente que todos os jornais do Brasil trarão um número considerável de notícias do país. Portugueses que estão fora da sua pátria e não usam a Internet lastimam frequentemente o facto de o jornal que lêem não conter nada sobre Portugal. É assim mesmo. Porquê? Porque existem critérios que dizem respeito à fidelização do público ou à captura de novos leitores. São critérios como os acima mencionados.
Brevemente, porque o assunto dá pano para mangas, ilustre-se o que cada um desses critérios significa. O conceito de afinidade inclui algo que, em certa medida, tem a ver connosco. Assim, um caso de homicídio triplo ocorrido na China, país longínquo para nós, é natural que não tenha o mesmo significado que um outro ocorrido à nossa porta, seja em Tomar, Leiria ou no Porto. Este será relatado, o outro ficará excluído. Um jogo de futebol disputado na Roménia entre duas equipas estrangeiras, sendo que numa delas alinham cinco jogadores portugueses, pode merecer um comentário relativamente detalhado devido à afinidade que sentimos por jogadores do nosso país. Em caso de guerra entre uma nação ocidental e um povo islâmico, a contabilidade dos mortos ocidentais e sua identificação surgem na notícia como algo natural aos olhos do leitor, que lerá com menos interesse o número de mortos inimigos, reduzidos a contagens de centenas ou de milhares. No caso das bombas atómicas lançadas por aviões dos EUA sobre o Japão no final da 2ª Guerra Mundial, conhece-se o nome dos pilotos americanos mas nem um nome de qualquer um dos muitos milhares de mortos japoneses. O mesmo se passa numa guerrilha dos dias de hoje entre israelitas e palestinianos. O nome, idade e algo sobre a família dos israelitas é reportado, mas nada sobra no noticiário identificativo dos palestinianos. Tudo lembra os velhos filmes americanos do oeste entre índios e brancos: quando um dos "nossos" é alvejado e morre em combate, assiste-se geralmente aos seus últimos momentos, ouvimos até as suas derradeiras palavras. Os índios ululantes podem morrer às centenas: são todos iguais.
Como é evidente, esta forma de noticiar coloca-nos automaticamente de um dos lados da barricada. Belos mandamentos cristãos, como "Amar o próximo como a nós mesmos", levam à definição particular que cada um faz do "seu" próximo. Bolas para a objectividade!
A novidade-sensacionalidade é outro dos critérios jornalísticos importantes. Os leitores gostam de estar informados sobre as últimas descobertas da medicina, sobre o último modelo de automóvel lançado no mercado, sobre o filho que a actriz X teve do actor Y, ou sobre algo extravagante e diferente. O jornal inclui esse aspecto, embora muitas vezes sob o ponto de vista de importância objectiva da notícia – algo que se pode medir apenas passado algum tempo – a relevância seja nula ou quase.
Quanto ao critério da agradabilidade, digamos que ele implica algo mais do que a simples inclusão: o realce. Se um atleta português logra alcançar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, torna-se óbvio que a notícia tem que vir em grandes parangonas na página da frente. Agrada-nos. É como uma prenda que recebemos. Se, pelo contrário, ele fracassou e não conquistou qualquer medalha, o facto será em princípio noticiado em letras pequenas na página da frente, que remeterá o assunto para as páginas interiores. Afinal, a página principal deve trazer - tanto quanto possível - notícias agradáveis, a não ser que a sua sensacionalidade se sobreponha. Todo o leitor gosta de ver a página de rosto do seu jornal com algo que lhe vai dar prazer / interesse ler. Tal como os filmes e as estações de televisão escolhem pessoas bonitas para o seu cast ou staff porque são atraentes, assim também o jornal procura atrair. É um critério que pouco terá de objectivo relativamente ao muito que se passa no mundo, mas, pensando melhor, quem gosta da objectividade? Como dizia o espanhol José Bergamín, grande discípulo de Unamuno: "Se eu fosse objecto, seria objectivo; como sou sujeito, sou subjectivo."
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