9/02/2008

O "jardim oriental" da Quinta dos Loridos







As férias de Agosto, passadas como habitualmente na calma Praia da Areia Branca, proporcionaram-me curtas saídas aos arredores. Destas saídas tenho de salientar a visita que fiz à zona do Carvalhal (concelho do Bombarral), incluindo uma quinta que pela primeira vez conheci quando ela ainda pertencia aos Sepúlvedas.
Foi no final da década de 70 que aconteceu eu ter numa das minhas turmas uma aluna daquela família, que me convidou insistentemente a ir visitar a quinta. Acabei por aceitar o convite, que aliás me proporcionou um belo dia. A área ocupada pela propriedade era a mesma de agora. O sustentáculo da quinta provinha sobretudo da produção de vinho e de fruta. Recordo-me que o que mais impressionava na Quinta dos Loridos (há quem escreva "Louridos") era a mansão, um belo solar de grandes dimensões, brasonado. Além disso, para mim os Sepúlvedas eram uma família que me evocava o império português do Oriente (Índia), sobretudo através de um dilacerante episódio da nossa história trágico-marítima. Na minha memória subsistia uma impressão, ainda forte, do que tinha lido na compilação feita por Bernardo de Brito dos relatos de naufrágios ocorridos com naus portuguesas vindas da Índia entre o século XVI e o XVII. Naus que vinham carregadas de pimenta e várias outras especiarias. O caso do galeão S. João, em que viajava de regresso a Lisboa o Capitão Manuel de Sousa Sepúlveda, tinha sido o mais impressionante. Depois de o galeão, batido pelas alterosas vagas do oceano, se ter afundado, o capitão e toda a sua família foram barbaramente mortos por nativos. O "fidalgo mui nobre e bom cavaleiro" foi, assim, mais uma vítima da ousadia de enfrentar mares nunca dantes navegados, como Camões lembra nos Lusíadas. A ânsia portuguesa de trazer nos barcos tanta carga quanto possível, mesmo se em excesso, para assim aumentar os lucros, a que se juntava o fraco estado de conservação de algumas das embarcações, como era o caso do galeão, também são factos concretos. Para mim foi interessante estar ali com outros Sepúlvedas, descendentes dos que possuíam a quinta desde o século XIX.
Mas os Loridos têm uma história bem mais antiga. Depois de estarem englobados nos coutos da Abadia de Alcobaça, tinham no século XV passado para as mãos de João Annes Lorido. No início do século XVI, o rei D. Manuel cedeu os terrenos da quinta a banqueiros italianos de Cremona (um dos portões da quinta tem grandes semelhanças com o portão da casa-mãe dos Lafeta em Cremona). Mais tarde, em meados do século XVIII, a quinta entrou na posse da família Sanches de Baena, que nela deixou o brasão que ainda hoje se mantém. Foi em meados do século XIX que os Sepúlvedas herdaram a quinta de um familiar que entretanto a tinha adquirido. Mantiveram-na até 1989, altura em que o agora comendador Joe Berardo a comprou e nela introduziu - e continua a introduzir - profundas alterações.
Deixando de lado a conhecida controvérsia sobre a figura de Joe Berardo, que alguns consideram já o Gulbenkian português e que tem a sua vastíssima colecção de arte espalhada pela ilha da Madeira, Centro Cultural de Belém, Quinta da Bacalhôa (Azeitão), Sintra e, itinerantemente, por outros locais como presentemente o Centro Cultural das Caldas da Rainha, não é sem alguma surpresa que agora visitamos a Quinta dos Loridos. O antigo solar dos Lafeta, dos Baena e dos Sepúlvedas, ainda a receber benfeitorias, está convertido em hotel. A quinta recebeu novas vinhas e, dada a excelência de alguns dos solos para as várias castas de novas videiras, espera-se naturalmente uma boa produção, na linha do que Joe Berardo já conseguiu na Bacalhôa.
Porém, acima de tudo, o mais bizarro e insólito para o visitante desprevenido é, sem sombra de dúvida, o "Jardim Oriental" que está ainda em fase de construção mas já oferece características únicas no nosso país. Joe Berardo declarou à imprensa que pretende que aquele "espaço de paz" se transforme no maior jardim oriental da Europa. Segundo o comendador, a ideia ocorreu-lhe aquando da destruição pelos taliban dos monumentais budas existentes no Afeganistão. Do seu ponto de vista, enquanto as religiões cristã e muçulmana são expansionistas, os budistas estão mais interessados em evitar guerras e quesílias de toda a ordem. Criam espaços de paz, onde se pode meditar e reflectir sobre a vida. A ideia de Berardo é a de futuramente denominar o local de Jardim da Paz.
Ocupando uma vasta área de 35 hectares, a quinta possui já um lago artificial, que empresta alguma beleza a uma terra algo poeirenta de vinhas, pinheiros, azinheiros e sobreiros. A dimensão da estatuária que se encontra pelo "jardim" é, de longe, o que mais impressiona o visitante. O arquitecto português José Cornélio, com trabalhos em vários locais do estrangeiro e amigo pessoal do comendador, tem tido um larguíssimo campo de ensaio para algo de novo e único em Portugal. O gosto pode ser duvidoso, mas acaba por deixar uma marca. Espera-se que, no final da construção, o local venha a possuir qualquer coisa como seis mil toneladas de estatuária, numa evocação do oriente feita por ocidentais.
Atrevo-me a aconselhar uma visita ao local, cujas portas estão por enquanto franqueadas a todos os visitantes (não há bilhetes a pagar, até porque há muita coisa em construção, mas não deixa de ser verdade que tudo poderia estar fechado ao público). Talvez seja melhor visitar este lugar ainda in the making, antes de tudo ter sido inagurado, o que é provável que aconteça no próximo ano. É que Joe Berardo, no seu "sonho de paz", gostaria de pôr os visitantes a envergar sobre as suas roupas uma capa "igual para todos".
As fotos mostram aspectos do vasto "jardim", que nada tem a ver, note-se, com buxos cuidadosamente aparados ou lindos canteiros de flores. É de facto algo diferente, mostrando por exemplo em amplos espaços um sorridente Buda no meio de pinheiros lusitaníssimos e duas longas filas de figuras de homens com cavalos por detrás, meio-ocultos na vegetação. Para quem quiser comprar vinhos do comendador, há, como seria previsível, uma loja à entrada. Para os que se dispuserem a almoçar ou jantar, eu recomendaria o restaurante Mãe-d’Água, que fica na estrada junto ao Senhor Jesus do Carvalhal e (ainda) nada tem a ver com o comendador.

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