9/19/2008

Palavras cruzadas do antigo império

Estou longe de ser doidinho por palavras cruzadas, mas admito que ao longo dos anos já tive bastantes vezes aqueles quadradinhos à minha frente à espera de serem preenchidos na horizontal e na vertical. Especialmente antes de adormecer e após um dia mais ou menos fatigante, um problema de palavras cruzadas pode ser o melhor dos soporíferos: a certa altura, são os nossos olhos que começam a cruzar-se. Para dentro. Uma, duas, três vezes. Aí não há outro remédio senão largar tudo e mergulhar no mais profundo dos sonos.
As típicas palavras cruzadas portuguesas têm onze quadradinhos para o lado e outros onze para baixo. São geralmente mais fáceis quando têm mais de vinte casas tapadas e as palavras a escrever se reduzem basicamente a monossílabos e a dissílabos. Quando se fazem as palavras cruzadas do mesmo jornal, a certa altura aprendemos os truques do autor: já sabemos que o rio suíço é o Aar, embora não façamos ideia onde ele corre. O vácuo é, algo estranhamente, "ar". Os cabelos brancos são "cãs".
Quando há tempos estive na Índia, vi-me a certa altura sentado num enorme elefante, conduzido por alguém que, segundo o autor ou autora das minhas palavras cruzadas, deveria ser um "amal" - "condutor de elefantes na Índia". Era assim que eles se chamavam?, perguntei. O indiano que cavalgava o bicho cerca de um metro à minha frente disse-me que não conhecia a palavra. A conclusão a que cheguei foi imediata: aquele indivíduo podia ser encartado para conduzir elefantes na Índia, mas não costumava fazer palavras cruzadas cá das nossas.
Foi aí que me imaginei a cavalgar elefantes pelas terras do antigo império português fora, à cata de palavras deste tipo. A questão é que o velho império acaba por pregar-nos partidas. Quando um dia for à Amazónia hei-de procurar um sapo que por lá vive e que, com três letrinhas apenas, se chama "aru". Perto, deve haver aves com o estranho nome de "hia", com h e tudo. Espero ardentemente encontrá-los. E, aproveitando o facto de estar no Brasil, hei-de ver se há realmente alguma gaivota que se chame "átia" e se existe, algures naquele vasto país, uma espécie de macaco de nome "mico". Ver para crer! Não quero mais decepções como a do "amal"!
Em Cabo Verde já me confirmaram que "liar" é torrar milho. Fiquei mais contente. Porém, continuo sem ter a confirmação se a árvore "paco" existe na vasta Angola de que tanto gostei e onde adorava voltar um dia. Mas antes tenho que ir a Timor para ver se um dos dialectos locais se chama "nanete" e se uma espécie de saia dos guerreiros lá desse longínquo país é "tais".
Umas coisas são verdade, outras algo distanciadas dessa mesma verdade. Pelo menos assim parece. Ou serão apenas "as malhas que o império tece"?

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