4/06/2009

Matinée (quase) à la Cine Paradiso na Cinemateca

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que considero a Cinemateca de Lisboa uma instituição pública notável. Para além de apresentar alguns óptimos filmes que já não estão acessíveis nos circuitos comerciais, possui boas salas e equipamento de projecção de qualidade apreciável. O facto de publicar a sua programação mensal com razoável antecedência permite aos interessados planear as suas idas ao cinema, com sessões diárias tanto à tarde como à noite, excepto aos domingos.
Se faço esta introdução é porque hoje sucedeu algo inusitado e que não deve de forma nenhuma ser tomado como norma. Para mim, que frequento a Cinemateca há anos, foi a primeira vez que tal aconteceu. Propus-me rever um velho filme de 1935 – Revolta na Bounty (Mutiny on the Bounty) – de Frank Lloyd. É sempre interessante ver actuações bem conseguidas de actores como Charles Laughton e Clark Gable, para além de reapreciar, em visão diacrónica, o modo como o desembarque dos marinheiros europeus era saudado pelos habitantes de Tahiti, ilha que no filme em muito se assemelhou à descrição idílica da camoneana Ilha dos Amores dos Lusíadas. A cópia do filme tinha boa qualidade de som e de imagem, mas a certa altura partiu-se. Uma quebra acontece. Uma segunda também. Mas uma terceira, uma quarta, uma quinta e uma sexta começam a ser de mais. A assistência, talvez umas cinquenta pessoas na sua maioria de idade, não fez grande barulho, mas ouviram-se algumas vozes de protesto. Perturbado, o técnico surgiu à porta da sala e pediu compreensão para as interrupções: o filme teria chegado há pouco tempo e não tinha sido visionado. Chegou a dizer que se os cortes se prolongassem iria arranjar forma de obter a devolução do dinheiro dos bilhetes.
Embora por razões que nada tinham a ver com censura a cenas mais libidinosas ou de outro tipo, pairava na sala a lembrança de um dos melhores filmes de sempre – Cine Paradiso, de Giuseppe Tornatore – que ficou célebre, entre outros motivos, pelos cortes efectuados pela censura a motivarem forte pateada na sala de província onde os filmes eram exibidos. Aqui, com gente mais paciente, os cortes mantiveram-se após a intervenção do técnico mas os protestantes não lograram vencer. Talvez com dez ou onze cortes ao todo, a sessão teve direito a cerca de 20 minutos de tempo extra e acabou por oferecer o óbvio contraste entre os marinheiros que se amotinaram a bordo da Bounty e a complacente assistência que só minoritariamente se revoltou na sala de cinema. Dois filmes num. Nada mau nos tempos que correm.

Sem comentários:

Enviar um comentário