Volta e meia, se acho que nas minhas sobrancelhas há alguns pêlos brancos a mais, agarro numa tesoura e zás!, corto uns tantos que estejam mais espigados. Geralmente faço um único corte, porque a experiência me diz que essa é a técnica mais correcta. Faço a operação em frente ao espelho grande da casa de banho e, como seria previsível, os pêlos cortados caem na bacia do lavatório. Algo estranhamente, porém, quando olho para o lavatório o que me salta à vista são os pêlos pretos que vieram juntamente com os brancos no tal corte, efectuado com cuidado mas a eito.
É claro que não há qualquer mistério nem toque de magia no facto de eu ver cabelos pretos e não os brancos que pretendi cortar. No branco da bacia do lavatório sobressaem os pretos porque os brancos se confundem com a cor da bacia.
Creio que é assim também na vida. O que ressalta para nós é aquilo que se opõe à cor natural das nossas ideias e da nossa mente no geral. O que sobressai é aquilo que é diferente e contrastante. O que berra. Tudo o resto tende a passar despercebido. Está lá, mas é como se não estivesse. Desse resto já nada vemos, exactamente como sucede com o facto de eu não encontrar à primeira vista os pêlos brancos que acabei de cortar.
É por este motivo, para dar alguns exemplos, que os estrangeiros que nos visitam nos ensinam inadvertidamente a olhar para objectos e pormenores que, de tão consabidos por nós, nos passam absolutamente despercebidos. É também por isso que o olhar e a mente de um arquitecto, de um engenheiro, de um médico, de um psicólogo, nos podem ensinar muita coisa se não tivermos nós próprios formação naquelas áreas. É ainda por isso que, quando fazemos uma viagem fora do nosso país, os residentes locais estranham por vezes que estejamos a tirar fotografias a algo que para eles nada tem de especial. É igualmente por isso que na cultura dos outros procuramos aqueles pontos que divergem dos nossos, os quais chegamos a criticar e a ridicularizar, em vez de nos concentrarmos nos imensos itens comuns que possuímos mas preferimos ignorar. E afinal, ocorre-me agora, não será esta a mesmíssima razão que dantes levava todo o moleiro que se prezava a ter um cão de cor preta? Pelo menos na minha região de moinhos costumava ser assim: o cão do moleiro era sempre preto, já que a farinha era branca e o cão estava lá para guardar o moinho e não para comer a farinha.
Na próxima vez que aparar as sobrancelhas vou procurar com mais atenção os pêlos brancos que cortei.
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