7/27/2009

Santos e Pecadores

Sócrates e Cavaco são pessoas de gerações diferentes. Do primeiro se diz, entre outras coisas, que se licenciou a um domingo. Do segundo que, apesar de evidentes bons conhecimentos de Finanças, possui uma fraca cultura geral e é falsamente modesto. Andam ambos na berlinda por razões substancialmente diversas. Para além da história mal-contada da licenciatura obtida numa universidade privada de Lisboa, Sócrates apresenta-se com várias manchas suspeitas. Cavaco, o homem que foi primeiro-ministro com maioria absoluta e agora é presidente da República, deixou o legado do "cavaquismo" algo manchado também com a presença de alguns dos seus membros em operações financeiras menos claras. A escolha que fez para conselheiro de Estado de um desses membros, que entretanto se demitiu, denota ou ignorância, ou ingenuidade. Nenhuma destas qualidades é apreciável num P.R.
Uma primeira conclusão destes factos é de há muito conhecida: não há indivíduos imaculados. Mesmo todo o santo que se preze admite que em tempos foi pecador. “Santos & Pecadores” não é só o nome de um conjunto musical. É uma verdade incontroversa.
Será necessário que um líder, na sua educação global, saiba mentir? Nicolau Maquiavel achava que sim. Apesar de esta passagem de O Príncipe ser um pouco longa, permito-me transcrevê-la: "É tão grande a diferença entre a maneira como se vive e a maneira como se deveria viver que quem trocar o que se faz pelo que se deveria fazer aprende mais a perder-se do que a salvar-se. Quem quer viver exclusivamente como homem de bem não consegue evitar perder-se entre tantos outros que não são bons. Por isso, o príncipe que deseja manter a sua posição precisa, também, de aprender a não ser bom e a servir-se ou não dessa faculdade de acordo com a necessidade." Pessoalmente, não estou em desacordo. A questão é que nós queremos geralmente que o nosso líder seja um santo imaculado. O problema é, afinal, mais nosso do que deles. Um líder não é um deus. Se cometeu crimes, tem obviamente de pagar por eles. Os tribunais estão cá para isso. Mas mentir num negócio, fazer bluff, será um crime? Pensar para consigo, à la Talleyrand, que as palavras servem para dissimular o pensamento será um crime?
Sócrates tem vários calcanhares de Aquiles, que circulam com grande regularidade nos meios de comunicação social. Em período pré-eleitoral, isso entende-se perfeitamente.
Quanto a Cavaco, ele encontra-se hoje numa posição em que está mais distante da governação. Quando foi governante, porém, mostrou uma arrogância que os portugueses acabaram por rejeitar nas urnas. Não é impossível que o mesmo suceda a Sócrates. De Cavaco, disse o seu ex-ministro Cadilhe, que é como um eucalipto: provoca aridez à sua volta. Não se poderá dizer hoje o mesmo de Sócrates, que não apresenta ninguém que possa ser seu sucessor?
Mas há coisas curiosas. Cavaco surge para muitos como o criador, através de um artigo na imprensa, da designação de "monstro" para o aparentemente incontrolável défice das contas públicas. E se ele tivesse contribuído mais do que os socialistas para alimentar esse monstro? O número do último fim-de-semana do jornal i contém o contributo de um professor de Economia da Universidade de Colúmbia, nos EUA. Segundo o Professor Ricardo Reis, desde 1986 que o rácio entre o consumo público e o PIB sobe em média 0,4 por cento por ano quando o PSD está no poder, mas apenas 0,2 por cento quando é o PS a governar. Curioso, não é?
Mas mais curiosas ainda são várias passagens de um artigo publicado nos anos 70 numa revista científica por Cavaco Silva (antes de ser governante): "Pela sua maior rentabilidade eleitoral, os políticos tendem a favorecer a escolha de alternativas em que predominam benefícios directos, imediatos e de fácil percepção e custos indirectos, distantes no tempo e não facilmente identificáveis, aspectos que não são, obviamente, características das escolhas de máximo benefício social." A argumentação enfatiza o curto "horizonte temporal" dos políticos, "porque a duração dos seus mandatos é breve (...) e o seu interesse principal é serem reeleitos de modo a permanecerem no poder", razão por que tendem a "favorecer as opções cujos benefícios se concentram no curto prazo".
No jornal Público de 2005 que incluía esta citação, lê-se: "Enquanto ministro das Finanças de Sá Carneiro e primeiro-ministro dos governos PSD de maioria absoluta, Cavaco Silva aplicou a teoria, voltando-a do avesso. Ou seja, o político Cavaco Silva agiu na lógica da decisão política que o académico Cavaco Silva criticava, fazendo prevalecer, quando lhe convinha, a óptica do curto prazo, ao abrir os cordões à bolsa nos anos de eleições. É natural que assim seja: quem não quer ser lobo não lhe veste a pele." Cabe perguntar se Cavaco Silva, o presidente, aceitaria como naturais neste período pré-eleitoral, medidas de Sócrates do estilo que ele próprio tomou, ou se as censuraria com o seu típico ar austero de grande professor.
É incontestável que na vida há mais pecadores do que santos.

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