11/30/2009
Compras
Os almeidas, aqueles funcionários dos municípios que andam a varrer as ruas pejadas de folhas que o Outono faz cair das árvores, não sentem grande apreço por esta estação. Dá-lhes mais trabalho e, no final de contas, o mesmo dinheiro. Mas para um número significativo de mulheres que vivem na cidade, esta altura do ano, o Advento, é de longe a que lhes dá mais prazer. É fácil de entender porquê. As compras. As celebérrimas compras que a mulher, francamente mais do que o homem, adora fazer para variar a roupa que usa, a casa em que habita, ou para mudar objectos de uso pessoal como o bâton, o perfume, relógio, telemóvel e tudo o mais que lhe vier à cabeça e a carteira minimamente suportar.
Pessoalmente, conheço bem três simpáticas amigas que, volta e meia, vão às compras juntas. É um dia de farra, esse. Começam geralmente um pouco antes do almoço, tomam depois uma refeição em conjunto e até se separarem para voltar para as respectivas casas percorrem as várias secções dos grandes armazéns. Duas têm mais posses que uma terceira, o que serve a esta de almofada por só ter comprado "estas coisinhas".
Os homens costumam dizer que o andar de braço dado com a mulher é uma criação deles: para que elas não fujam e se encafuem na primeira loja que lhes agrade. Pode servir como humor, mas de pouco mais. Muitas mulheres sentem um enorme prazer em ver, tocar, comprar. Mesmo assim, a compra às vezes não serve muito de remédio porque "aquela outra coisa ao lado, inacessível em matéria de preço, era tão linda!" Afinal, o preço que fez esta mulher recuar até mostra que ela é comedida, não é como aquelas outras que entram nas lojas e gastam, gastam de uma forma louca.
Maria Pia, que foi rainha de Portugal nos finais do século XIX, casada com o nosso rei Dom Luís, ficou famosa pelos seus gastos. A determinada altura passou a levar discretamente consigo, por imposição do marido, um inspector que muitas vezes era obrigado a anular a compra que Sua Majestade acabava de fazer. Em Portugal ou no estrangeiro. É dela uma frase que ficou célebre: "Quem quer rainhas, paga-as!"
Com casais comuns, porém, as coisas não chegam a esse limite, mas sempre há um detalhe relevante, que é a passagem do cartão. Antigamente, "passar cartão" a uma pessoa significava que se dava a essa pessoa importância suficiente para lhe entregar um cartão de visita com a morada. Hoje, para um homem, passar cartão é entregar, para todos os fins úteis e inúteis, um cartão de débito ou de crédito, com o qual a sua consorte vai às compras e, em alturas como esta do Natal, dá largas à sua criatividade aquisitiva.
O Natal é uma época particularmente oportuna para a mulher mostrar que o acto de comprar não é cheio daquele egoísmo ou narcisismo de que às vezes a acusam. "Trouxe apenas esta prendinha para a Manela" significa que ela fez o gosto ao dedo e adquiriu para a amiga Manuela uma prenda de bom gosto e de preço ainda não revelado. A ofertante não pôde resistir. "Vai mesmo com ela!" Dias mais tarde, já com parte da excitação passada, dirá "Espero que ela goste!" É aí que entendemos que foi o gosto da adquirente que prevaleceu, mais ou menos como se a prenda fosse para ela própria. Afinal, o altruísmo não tinha sido tão grande assim. "Eu guardo sempre o talão, para o caso de haver necessidade de uma troca." A prudência, a virtude omnipresente só terá faltado no acto da compra propriamente dita, mas isso foi o resultado de "uma tentação absolutamente irresistível".
Os filhos e, eventualmente, os sobrinhos, os netos, os pais, e mais este e mais aquele, são outras tantas fontes de prazer para a compradora compulsiva. "A Leonor vai ficar um apetite com este casaco!" "E o Tiago vai adorar este brinquedo que lhe comprámos". Aqui vem a soi-disante coniviência do marido, traduzida no "comprámos". Ele, no entanto, não disse nada, nem foi tido nem achado nessa questão. Mas passou-lhe cartão e, com esse gesto, corresponsabilizou-se.
Novembro, o mês que hoje termina, é o ideal para começar as compras natalícias. Assim, a mulher passa um mês inteiro a comprar coisas. Por vezes mais do que uma, duas ou três para a mesma pessoa, porque se tinha esquecido de que afinal já tinha prendas para ela. "Mas era tão giro que não me consegui conter! Quem não achar isto giro não gosta de nada!" E, pronto, a gireza do presente desculpa tudo, ela está desculpada! Auto-desculpada, entenda-se.
Nada disto é novo. A vida é, afinal, feita destas incongruências, destes dislates bem intencionados, sem os quais a vida seria incrivelmente monótona. O Menino Jesus deu-nos esta enorme prenda de poder oferecer prendas. Aproveitemos a dança e bailemos!
11/29/2009
Uma breve nota
Embora o faça apenas por razões de consciência ética e de respeito por quem passa os olhos pelo "azweblog", sinto que devo uma breve explicação aos poucos mas constantes leitores desta página. Há vários dias que não coloco qualquer post. Os assuntos políticos do meu país, de tão emaranhados que estão por erros humanos sucessivos tanto da parte do governo como da oposição, entristecem-me e revoltam-me de tal modo que, em vez de sentir, como habitualmente, a necessidade de escrever para me libertar de uma pressão que precisa urgentemente de sair cá para fora, agora causa-me verdadeira relutância voltar a assuntos desta ordem.
O país está mal. A confiança que eu deveria, como cidadão eleitor, possuir nos nossos governantes, dissipou-se. Não parece haver uma estratégia definida. Decisões que foram tomadas no anterior governo, da mesma cor, estão a ser revogadas. Ordem mais contra-ordem é igual a desordem. Não há rumo evidente e seguro. Pelo contrário. Por outro lado, aparentemente há tramóias aqui, ali e acolá. A justiça, que está no cerne de qualquer Estado de direito, encontra-se num caos. Uma forte dose de promiscuidade salta aos olhos. Infelizmente, vejo o meu país a caminhar com forte dificuldade, num plano inclinado.
Dado que, em face da situação, nada me pressiona para escrever sobre assuntos desta natureza política, pelo menos nos tempos mais próximos manterei o blogue com outros tópicos: entre o a e o z existe um vasto campo temático.
O país está mal. A confiança que eu deveria, como cidadão eleitor, possuir nos nossos governantes, dissipou-se. Não parece haver uma estratégia definida. Decisões que foram tomadas no anterior governo, da mesma cor, estão a ser revogadas. Ordem mais contra-ordem é igual a desordem. Não há rumo evidente e seguro. Pelo contrário. Por outro lado, aparentemente há tramóias aqui, ali e acolá. A justiça, que está no cerne de qualquer Estado de direito, encontra-se num caos. Uma forte dose de promiscuidade salta aos olhos. Infelizmente, vejo o meu país a caminhar com forte dificuldade, num plano inclinado.
Dado que, em face da situação, nada me pressiona para escrever sobre assuntos desta natureza política, pelo menos nos tempos mais próximos manterei o blogue com outros tópicos: entre o a e o z existe um vasto campo temático.
11/24/2009
Direitos e deveres
Há tempos recebi por e-mail o anúncio de um Curso de Migrações e Direitos Humanos, organizado conjuntamente pelo Fórum Pela Paz e pela Biblioteca e Museu República e Resistência (BMRR). Resolvi inscrever-me. O curso, que esgotou as inscrições e decorre num dia da semana ao fim da tarde, consta de umas seis ou sete conferências, seguidas de debate com a assistência. Os oradores são pessoas com experiência no terreno, ou com bons conhecimentos de Direito, ou sem estas qualificações mas com grande vontade de elucidar aspectos interessantes do problema das migrações.
Foi o facto de o tema incidir sobre Direitos Humanos que mais me interessou. Basicamente, porquê? Porque oiço tão frequentemente falar em direitos que me pergunto onde estão os deveres. Não foi surpresa para mim verificar a existência de dois planos: o plano do desejável e o outro do realizável. A maioria, se não a totalidade, das Declarações de Direitos situa-se no plano do desejável, um pouco à maneira dos Mandamentos cristãos. Depois, a distância que separa o desejável do realizável varia consoante os países e os tempos. Tudo se assemelha à diferença entre os conceitos de forma e de substância. Enquanto o primeiro formula o desejável, a substância foca aquilo que, ao fim e ao cabo, é verdadeiramente aplicado. E as divergências não são nada pequenas!
Muitas vezes, onde se lê "direito ao trabalho" encontramos, afinal, um direito a ser explorado, o que é uma diferença abissal. Passa-se do mundo ideal para aquele em que a economia impõe as suas regras e a perversidade humana igualmente as suas. Antigamente, não havia tantas cartas de direitos, mas havia códigos de conduta, muitas vezes não escritos. Prefiro a situação actual, mas vejo-a cheia de buracos. Exemplos? Imigrantes que estão ilegais num país como Portugal e que, em razão dessa ilegalidade, são barbaramente explorados por empresários com poucos escrúpulos. Ou imigrantes que estão legais mas que recebem bastante menos do que os trabalhadores nacionais, embora assinem papéis em que declaram auferir montantes que de facto existem apenas no papel. Perguntar-se-á: então, e a fiscalização não actua? Actua, mas pouco. Por um lado, existe insuficiência de inspectores; por outro, são os próprios imigrantes que não querem arranjar problemas e preferem não denunciar o caso às autoridades. Não se sentem defendidos por um Estado de direito.
Da Alemanha chegam agora notícias sobre imigração: direitos e deveres dos imigrantes, algo que irá muito provavelmente entrar em vigor durante a presente legislatura. A Alemanha, que possui uma população de 82 milhões, conta com uma percentagem elevada – 18 por cento – de imigrantes (15 milhões). O maior grupo é de origem turca, que só pelo seu lado totaliza três milhões. Ora, quais são algumas das disposições que o governo alemão se propõe incluir na legislação? Os candidatos a viver no país têm de prometer respeitar a liberdade de imprensa e a existência de direitos idênticos entre mulheres e homens. A Comissária para a Integração foi clara: "Quem queira viver na Alemanha e aqui queira trabalhar a longo prazo, terá de dizer "sim" ao nosso país. Isto significa saber falar a nossa língua e ter vontade de participar na nossa sociedade." Usando uma frase sobejamente conhecida, o que a Comissária diz lembra a vox populi "Em Roma, sê romano".
Entretanto, isto não quer dizer que os imigrantes tenham que mudar de religião, por exemplo, mas que deverão estar, pelo menos parcialmente, integrados na cultura alemã. Neste sentido, propõe-se que os imigrantes assinem "contratos de integração".
A pergunta que se coloca é simples: estarão os alemães a ser demasiado exigentes para com os imigrantes no seu país?
Foi o facto de o tema incidir sobre Direitos Humanos que mais me interessou. Basicamente, porquê? Porque oiço tão frequentemente falar em direitos que me pergunto onde estão os deveres. Não foi surpresa para mim verificar a existência de dois planos: o plano do desejável e o outro do realizável. A maioria, se não a totalidade, das Declarações de Direitos situa-se no plano do desejável, um pouco à maneira dos Mandamentos cristãos. Depois, a distância que separa o desejável do realizável varia consoante os países e os tempos. Tudo se assemelha à diferença entre os conceitos de forma e de substância. Enquanto o primeiro formula o desejável, a substância foca aquilo que, ao fim e ao cabo, é verdadeiramente aplicado. E as divergências não são nada pequenas!
Muitas vezes, onde se lê "direito ao trabalho" encontramos, afinal, um direito a ser explorado, o que é uma diferença abissal. Passa-se do mundo ideal para aquele em que a economia impõe as suas regras e a perversidade humana igualmente as suas. Antigamente, não havia tantas cartas de direitos, mas havia códigos de conduta, muitas vezes não escritos. Prefiro a situação actual, mas vejo-a cheia de buracos. Exemplos? Imigrantes que estão ilegais num país como Portugal e que, em razão dessa ilegalidade, são barbaramente explorados por empresários com poucos escrúpulos. Ou imigrantes que estão legais mas que recebem bastante menos do que os trabalhadores nacionais, embora assinem papéis em que declaram auferir montantes que de facto existem apenas no papel. Perguntar-se-á: então, e a fiscalização não actua? Actua, mas pouco. Por um lado, existe insuficiência de inspectores; por outro, são os próprios imigrantes que não querem arranjar problemas e preferem não denunciar o caso às autoridades. Não se sentem defendidos por um Estado de direito.
Da Alemanha chegam agora notícias sobre imigração: direitos e deveres dos imigrantes, algo que irá muito provavelmente entrar em vigor durante a presente legislatura. A Alemanha, que possui uma população de 82 milhões, conta com uma percentagem elevada – 18 por cento – de imigrantes (15 milhões). O maior grupo é de origem turca, que só pelo seu lado totaliza três milhões. Ora, quais são algumas das disposições que o governo alemão se propõe incluir na legislação? Os candidatos a viver no país têm de prometer respeitar a liberdade de imprensa e a existência de direitos idênticos entre mulheres e homens. A Comissária para a Integração foi clara: "Quem queira viver na Alemanha e aqui queira trabalhar a longo prazo, terá de dizer "sim" ao nosso país. Isto significa saber falar a nossa língua e ter vontade de participar na nossa sociedade." Usando uma frase sobejamente conhecida, o que a Comissária diz lembra a vox populi "Em Roma, sê romano".
Entretanto, isto não quer dizer que os imigrantes tenham que mudar de religião, por exemplo, mas que deverão estar, pelo menos parcialmente, integrados na cultura alemã. Neste sentido, propõe-se que os imigrantes assinem "contratos de integração".
A pergunta que se coloca é simples: estarão os alemães a ser demasiado exigentes para com os imigrantes no seu país?
11/22/2009
A outra face oculta
Bem, esta face oculta, devo desde já dizê-lo, nada tem a ver com aquela outra que faz vender jornais há algum tempo e que tem ocupado montes de noticiários nos media ultimamente. Mas aqui existe também uma face oculta, como veremos.
Para a descobrirmos, temos de recuar a tempos já antigos do turismo em Portugal, até ao início dos anos 70 do século passado, numa altura em que os autocarros de turismo ainda eram conduzidos por motoristas de cultura reduzida em matéria linguística, embora fossem não só bons profissionais como excelentes mecânicos. Recordo-me que, dentro da sua boa-vontade de aprender línguas à pressa, houve um motorista, experiente e delicado com os turistas estrangeiros que, depois de ter passado bem mais do que uma década a conduzir autocarros de carreira, se viu tentado a aprender as suas primeiras palavras na língua inglesa. Goodbye, ele aprendeu bem. Thank you, também, mais ou menos. Só o Good Morning é que não lhe saía muito bem. Dizia só morning e de uma maneira tal que havia turistas, algo surpresos, a darem-lhe dinheiro perante o seu sorriso e a palavra: é que a pronúncia dele não fazia grande distinção entre morning e money. Como era um erro rentável, ele ainda insistiu na má pronúncia durante algum tempo.
Mas a história da face oculta vem de outro caso e de um outro motorista que, tal como o seu colega do morning!, era um bom profissional. Só que... Quando os radares apareceram nas estradas a controlar a velocidade dos veículos, os motoristas tiveram que aprender a afrouxar um pouco em determinados locais para não serem autuados. Ora, na recta de Carcavelos estava frequentemente instalado um radar escondido, com polícias à coca. Ao entrar nessa recta, vindo do Estoril para Lisboa depois de fazer o costumeiro tour de Sintra, Cabo da Roca e Cascais, eis que o motorista em questão surpreendia o guia-intérprete que acompanhava o grupo. Tirava o boné que usava em serviço e, com ele, tapava o velocímetro do tablier. "Porquê?" perguntaram-lhe um dia. "Para eles não me tirarem a fotografia ao tablier." "Mas a polícia não tira fotografias dentro do carro!" "Tira, tira! Não sei como é que eles fazem, mas eu já vi um colega meu a ser multado e lá estava a rodinha com o ponteiro a marcar a velocidade a que ele ia. Por causa das coisas, tapo sempre o mostrador com o boné..."
Era a face oculta. Um pouco à maneira da outra, se ele de um lado tapava, do outro continuava a ver-se tudo.
Para a descobrirmos, temos de recuar a tempos já antigos do turismo em Portugal, até ao início dos anos 70 do século passado, numa altura em que os autocarros de turismo ainda eram conduzidos por motoristas de cultura reduzida em matéria linguística, embora fossem não só bons profissionais como excelentes mecânicos. Recordo-me que, dentro da sua boa-vontade de aprender línguas à pressa, houve um motorista, experiente e delicado com os turistas estrangeiros que, depois de ter passado bem mais do que uma década a conduzir autocarros de carreira, se viu tentado a aprender as suas primeiras palavras na língua inglesa. Goodbye, ele aprendeu bem. Thank you, também, mais ou menos. Só o Good Morning é que não lhe saía muito bem. Dizia só morning e de uma maneira tal que havia turistas, algo surpresos, a darem-lhe dinheiro perante o seu sorriso e a palavra: é que a pronúncia dele não fazia grande distinção entre morning e money. Como era um erro rentável, ele ainda insistiu na má pronúncia durante algum tempo.
Mas a história da face oculta vem de outro caso e de um outro motorista que, tal como o seu colega do morning!, era um bom profissional. Só que... Quando os radares apareceram nas estradas a controlar a velocidade dos veículos, os motoristas tiveram que aprender a afrouxar um pouco em determinados locais para não serem autuados. Ora, na recta de Carcavelos estava frequentemente instalado um radar escondido, com polícias à coca. Ao entrar nessa recta, vindo do Estoril para Lisboa depois de fazer o costumeiro tour de Sintra, Cabo da Roca e Cascais, eis que o motorista em questão surpreendia o guia-intérprete que acompanhava o grupo. Tirava o boné que usava em serviço e, com ele, tapava o velocímetro do tablier. "Porquê?" perguntaram-lhe um dia. "Para eles não me tirarem a fotografia ao tablier." "Mas a polícia não tira fotografias dentro do carro!" "Tira, tira! Não sei como é que eles fazem, mas eu já vi um colega meu a ser multado e lá estava a rodinha com o ponteiro a marcar a velocidade a que ele ia. Por causa das coisas, tapo sempre o mostrador com o boné..."
Era a face oculta. Um pouco à maneira da outra, se ele de um lado tapava, do outro continuava a ver-se tudo.
11/18/2009
A droga de que raramente se fala
Ouvir alguém falar de heroína ou de cocaína como droga é normal. O vinho em excesso é igualmente considerado uma droga viciante. O tabaco idem. Intoxicante. No entanto, a droga mais recente, da qual raramente se fala como droga, é o uso excessivo do telemóvel. Sim, já sei que o telemóvel não é em si uma droga, mas o falar ao dito pode tornar-se tão viciante para determinadas pessoas que cedo verificamos que se tornaram dependentes do aparelho. Mais mulheres do que homens? Sim, certamente. E de longe! Há muita mulher que detesta o silêncio. Precisa de ouvir-se a falar. Vai daí, volta e meia enceta conversa ao telefone com uma amiga. Cheia de banalidades, no geral.
Experimente-se analisar o comportamento de mulheres sozinhas a viajarem num comboio. Um número significativo delas, mais jovens ou menos jovens, volta e meia rapa do seu telemóvel e aí vai embalada, debitando conversa de encher minutos enquanto o comboio vai papando mais uns tantos quilómetros. A certa altura, finalmente desliga. Mais duas estações passadas e ei-la que volta a abrir a mala para tirar de lá a sua droga e dar-lhe mais uma passa. Se anteriormente tinha falado com a Marina, agora é com a Teresa. Ficam ainda em stock a Olga e a Vanda.
Com a vinda de brasileiras para Portugal aumentou a frequência dessas conversas. Falam, falam, falam. Por seu lado, não é nada raro que a pessoa com quem um homem está numa determinada ocasião passe mais tempo a falar com alguém de fora, que lhe ligou, do que propriamente connosco. Essa pessoa está ali e não está. Depois, pedirá desculpa. Se ela recorreu a uma amiga anteriormente, agora não vai deixar de ouvi-la também. Homem ao lado pega no jornal e lê. Se for homem de negócios, talvez ligue a um colega a planear qualquer coisa, mas não é normal que faça a ligação apenas para dizer olá.
A experiência mais longa que me foi dado ver do uso do telemóvel por alguém foi uma vez que tomei parte num passeio pedestre nocturno. Andámos durante cerca de duas horas. Durante esse mesmo tempo, uma das participantes que se tinha inscrito sozinha foi sempre andando com o telemóvel junto ao ouvido, andando e falando. Quando chegámos ao fim, naturalmente desligou. E disse que tinha sido muito interessante calcorrear caminhos que tinham como iluminação apenas a luz da lua.
Que estupendo negócio que as várias empresas do ramo arranjaram!
11/16/2009
Justiça e Partidos
Fala-se muito, e justamente, no financiamento dos partidos políticos, que pode ser um verdadeiro cancro para a democracia, beneficiando uns tantos, poucos, em detrimento de muitos. Então, e a partidarização da justiça? Por que motivo haveremos de ter tanta justiça partidarizada, com vários dos seus agentes indigitados pelos partidos? Ou bem que a justiça depende da competência e honestidade dos juízes, ou bem que temos juízes que estão claramente enfeudados a partidos. Nenhum partido deveria poder indigitar este ou aquele magistrado para órgãos de justiça, fossem estes quais fossem. É um enorme contra-senso do regime democrático e de uma justiça que se quer isenta. Mas quem sabe o que é isso de justiça isenta em Portugal?
11/14/2009
Justiça célere
Vai hoje a leilão uma série de objectos pessoais do confesso burlão americano Bernard Madoff e de sua mulher. É um leilão algo estranho, onde estarão, lado a lado com peças de arte, pranchas de surf, casacos, blazers, malas e jóias, num total que ronda as 200 peças. A empresa que vai conduzir o leilão estima que conseguirá arrecadar perto de meio milhão de dólares. Não é muito, e é certamente muito pouco para indemnizar as vítimas da maior fraude financeira de todos os tempos. Calcula-se que Madoff recebeu, ao longo de 20 anos, 65 biliões de dólares.
Seja como for, o que me interessa salientar neste caso é a relativa celeridade com que tudo se está a processar em termos de justiça. Madoff foi preso a 11 de Dezembro de 2008. Menos de 365 dias depois, a mulher de Madoff já concordou em entregar bens no valor de 80 milhões de dólares ao Estado. Só uma casa que o financeiro possuía numa praia está avaliada em 9 milhões.
Entretanto, Madoff não mais sairá da situação de preso em que se encontra. Foi condenado a um cúmulo de 150 anos. É possível que algumas das suas vítimas financeiras tenham já recebido alguma compensação pelos danos sofridos. Sabem, pelo menos, que alguma coisa irão receber. A isto chama-se justiça rápida, principalmente se compararmos com o andamento da justiça no nosso país. Estamos perante uma questão de boa governação, algo que naturalmente se reflecte na produtividade da vida no seu geral. Fica o registo.
Seja como for, o que me interessa salientar neste caso é a relativa celeridade com que tudo se está a processar em termos de justiça. Madoff foi preso a 11 de Dezembro de 2008. Menos de 365 dias depois, a mulher de Madoff já concordou em entregar bens no valor de 80 milhões de dólares ao Estado. Só uma casa que o financeiro possuía numa praia está avaliada em 9 milhões.
Entretanto, Madoff não mais sairá da situação de preso em que se encontra. Foi condenado a um cúmulo de 150 anos. É possível que algumas das suas vítimas financeiras tenham já recebido alguma compensação pelos danos sofridos. Sabem, pelo menos, que alguma coisa irão receber. A isto chama-se justiça rápida, principalmente se compararmos com o andamento da justiça no nosso país. Estamos perante uma questão de boa governação, algo que naturalmente se reflecte na produtividade da vida no seu geral. Fica o registo.
11/10/2009
Taxas do Multibanco
Há anos que oiço falar da apetência da banca portuguesa pela imposição de taxas pelo uso do Multibanco. Sempre me custou a acreditar que essa medida fosse avante, dado que o sistema permitiu uma substancial redução do número de funcionários por agência, com o consequente aumento de produtividade. As simples operações de levantamento ou de depósito, além das transferências e dos muito usados pagamentos das compras nos supermercados e outras lojas tornaram-se imensamente comuns e obrigam, naturalmente, à existência de uma conta bancária com saldos que, somados, dão quantias razoáveis, o que favorece a banca, a qual cobra às empresas pela instalação e uso do Multibanco.
Agora, contudo, começo a acreditar que a medida vai mesmo ser posta em vigor. Por um lado, porque já foi publicada a legislação correspondente, por sinal mais permissiva para os comerciantes e a banca do que sucede na maioria dos países europeus. Mas o que me atemoriza verdadeiramente é a garantia (verbal) do Ministro das Finanças de que vai fazer todo o possível para que a situação não se altere. É que me vem imediatamente à cabeça um dos mais famosos conselhos de Sir Humphrey na clássica série Sim, Sr. Ministro: "Nunca devemos acreditar numa coisa até ouvirmos o respectivo desmentido oficial."
Agora, contudo, começo a acreditar que a medida vai mesmo ser posta em vigor. Por um lado, porque já foi publicada a legislação correspondente, por sinal mais permissiva para os comerciantes e a banca do que sucede na maioria dos países europeus. Mas o que me atemoriza verdadeiramente é a garantia (verbal) do Ministro das Finanças de que vai fazer todo o possível para que a situação não se altere. É que me vem imediatamente à cabeça um dos mais famosos conselhos de Sir Humphrey na clássica série Sim, Sr. Ministro: "Nunca devemos acreditar numa coisa até ouvirmos o respectivo desmentido oficial."
11/08/2009
Alcateias
Costuma dizer-se, a respeito dos filhos de um casal, que não são tanto as palavras de recomendação e conselho que os seus progenitores lhes dão as que verdadeiramente contam, mas sim o exemplo prático que os pais lhes revelam através dos seus actos. Traduzido em sabedoria popular, temos o "Bem prega Frei Tomás: faz o que ele diz, não o que ele faz."
Ora, o facto de esta situação se encontrar na sabedoria popular ilustra bem a frequência do abismo que não raramente existe entre as palavras e os actos das pessoas. Quando essas pessoas ocupam lugares de poder, a distância entre aquilo que lhes sai dos lábios e a sua acção concreta tende a aumentar. A revelação pública de actos pouco próprios é sempre chocante, pelo que constitui inegavelmente uma boa notícia. Um elevado número de leitores da notícia ou de ouvintes regozija-se por duas razões principais: (1) eles não estão envolvidos, o que lhes dá alguma superioridade moral e um posicionamento de juízes a distância e (2) os indivíduos que são postos em causa não são membros do seu grupo social, entendendo-se este "social" no sentido lato de família política, empresarial ou clubista (os leitores e ouvintes que são do mesmo grupo sentem-se chocados e tristes).
O que se tem registado em Portugal, à semelhança de outros países,é que os agentes de poder envolvidos actuam em cadeia de ética de favores, a qual tem a sua lógica mas está em clara oposição com a muito mais recomendável ética de valores. Por seu lado, constituindo o segredo a alma do negócio, todos os praticantes da ética de favores tendem naturalmente a confiar mais no amigo do seu próprio agrupamento social do que em qualquer outra pessoa não arregimentada. Daí surgirem escândalos que, quando são de natureza política, não só incidem sobre indivíduos como abrangem os partidos ao mostrarem a natureza dos tentáculos que unem os seus elementos.
Praticamente todos os partidos que em Portugal têm sido poder foram alvo de escândalos desta ordem a vários níveis, mas invariavelmente com aspectos de negócios materiais englobados. Infelizmente, as correspondentes punições ficaram geralmente adiadas para as calendas. Ora, pancadas em número excessivo no edifício democrático provocam naturais fissuras, que tendencialmente alastram a brechas e depois a buracos maiores que podem causar a queda de toda a estrutura. Para o público que é governado, as palavras dos seus governantes passam a soar a falso e a tentação de fugir aos impostos aumenta na exacta medida em que os cobradores desses impostos não se revelam exemplares no seu comportamento.
Se a justiça não actuar inexorável e celeremente, ou, pior ainda, se ela se mostrar envolvida na rede tentacular de interesses, a corrupção alastrará descontroladamente e o Estado de Direito passará a ser uma farsa. Res non verba é o que, mais uma vez, se pede. Antes que seja demasiado tarde.
Ora, o facto de esta situação se encontrar na sabedoria popular ilustra bem a frequência do abismo que não raramente existe entre as palavras e os actos das pessoas. Quando essas pessoas ocupam lugares de poder, a distância entre aquilo que lhes sai dos lábios e a sua acção concreta tende a aumentar. A revelação pública de actos pouco próprios é sempre chocante, pelo que constitui inegavelmente uma boa notícia. Um elevado número de leitores da notícia ou de ouvintes regozija-se por duas razões principais: (1) eles não estão envolvidos, o que lhes dá alguma superioridade moral e um posicionamento de juízes a distância e (2) os indivíduos que são postos em causa não são membros do seu grupo social, entendendo-se este "social" no sentido lato de família política, empresarial ou clubista (os leitores e ouvintes que são do mesmo grupo sentem-se chocados e tristes).
O que se tem registado em Portugal, à semelhança de outros países,é que os agentes de poder envolvidos actuam em cadeia de ética de favores, a qual tem a sua lógica mas está em clara oposição com a muito mais recomendável ética de valores. Por seu lado, constituindo o segredo a alma do negócio, todos os praticantes da ética de favores tendem naturalmente a confiar mais no amigo do seu próprio agrupamento social do que em qualquer outra pessoa não arregimentada. Daí surgirem escândalos que, quando são de natureza política, não só incidem sobre indivíduos como abrangem os partidos ao mostrarem a natureza dos tentáculos que unem os seus elementos.
Praticamente todos os partidos que em Portugal têm sido poder foram alvo de escândalos desta ordem a vários níveis, mas invariavelmente com aspectos de negócios materiais englobados. Infelizmente, as correspondentes punições ficaram geralmente adiadas para as calendas. Ora, pancadas em número excessivo no edifício democrático provocam naturais fissuras, que tendencialmente alastram a brechas e depois a buracos maiores que podem causar a queda de toda a estrutura. Para o público que é governado, as palavras dos seus governantes passam a soar a falso e a tentação de fugir aos impostos aumenta na exacta medida em que os cobradores desses impostos não se revelam exemplares no seu comportamento.
Se a justiça não actuar inexorável e celeremente, ou, pior ainda, se ela se mostrar envolvida na rede tentacular de interesses, a corrupção alastrará descontroladamente e o Estado de Direito passará a ser uma farsa. Res non verba é o que, mais uma vez, se pede. Antes que seja demasiado tarde.
11/02/2009
Sucata
Chegou hoje mesmo à cidade de Nova Iorque um novo navio, baptizado com o nome da cidade. Trata-se de um vaso de guerra que possui a curiosidade de ter sido construído com sete toneladas e meia do aço recolhido dos salvados das Torres Gémeas da cidade, destruídas pelo atentado de 11 de Setembro de 2001. Do rio Hudson, o barco fez disparar uma salva de 21 tiros em memória das vítimas.
Menciono esta notícia fresquinha a pensar que, se fosse no nosso país, todas aquelas toneladas de aço iriam provavelmente parar às mãos do maior sucateiro cá do sítio. Qual barco, qual carapuça! A carapuça seria de muitos de nós, contribuintes, veneradores e obrigados.
Menciono esta notícia fresquinha a pensar que, se fosse no nosso país, todas aquelas toneladas de aço iriam provavelmente parar às mãos do maior sucateiro cá do sítio. Qual barco, qual carapuça! A carapuça seria de muitos de nós, contribuintes, veneradores e obrigados.
Subscrever:
Mensagens (Atom)