11/30/2009

Compras


Os almeidas, aqueles funcionários dos municípios que andam a varrer as ruas pejadas de folhas que o Outono faz cair das árvores, não sentem grande apreço por esta estação. Dá-lhes mais trabalho e, no final de contas, o mesmo dinheiro. Mas para um número significativo de mulheres que vivem na cidade, esta altura do ano, o Advento, é de longe a que lhes dá mais prazer. É fácil de entender porquê. As compras. As celebérrimas compras que a mulher, francamente mais do que o homem, adora fazer para variar a roupa que usa, a casa em que habita, ou para mudar objectos de uso pessoal como o bâton, o perfume, relógio, telemóvel e tudo o mais que lhe vier à cabeça e a carteira minimamente suportar.
Pessoalmente, conheço bem três simpáticas amigas que, volta e meia, vão às compras juntas. É um dia de farra, esse. Começam geralmente um pouco antes do almoço, tomam depois uma refeição em conjunto e até se separarem para voltar para as respectivas casas percorrem as várias secções dos grandes armazéns. Duas têm mais posses que uma terceira, o que serve a esta de almofada por só ter comprado "estas coisinhas".
Os homens costumam dizer que o andar de braço dado com a mulher é uma criação deles: para que elas não fujam e se encafuem na primeira loja que lhes agrade. Pode servir como humor, mas de pouco mais. Muitas mulheres sentem um enorme prazer em ver, tocar, comprar. Mesmo assim, a compra às vezes não serve muito de remédio porque "aquela outra coisa ao lado, inacessível em matéria de preço, era tão linda!" Afinal, o preço que fez esta mulher recuar até mostra que ela é comedida, não é como aquelas outras que entram nas lojas e gastam, gastam de uma forma louca.
Maria Pia, que foi rainha de Portugal nos finais do século XIX, casada com o nosso rei Dom Luís, ficou famosa pelos seus gastos. A determinada altura passou a levar discretamente consigo, por imposição do marido, um inspector que muitas vezes era obrigado a anular a compra que Sua Majestade acabava de fazer. Em Portugal ou no estrangeiro. É dela uma frase que ficou célebre: "Quem quer rainhas, paga-as!"
Com casais comuns, porém, as coisas não chegam a esse limite, mas sempre há um detalhe relevante, que é a passagem do cartão. Antigamente, "passar cartão" a uma pessoa significava que se dava a essa pessoa importância suficiente para lhe entregar um cartão de visita com a morada. Hoje, para um homem, passar cartão é entregar, para todos os fins úteis e inúteis, um cartão de débito ou de crédito, com o qual a sua consorte vai às compras e, em alturas como esta do Natal, dá largas à sua criatividade aquisitiva.
O Natal é uma época particularmente oportuna para a mulher mostrar que o acto de comprar não é cheio daquele egoísmo ou narcisismo de que às vezes a acusam. "Trouxe apenas esta prendinha para a Manela" significa que ela fez o gosto ao dedo e adquiriu para a amiga Manuela uma prenda de bom gosto e de preço ainda não revelado. A ofertante não pôde resistir. "Vai mesmo com ela!" Dias mais tarde, já com parte da excitação passada, dirá "Espero que ela goste!" É aí que entendemos que foi o gosto da adquirente que prevaleceu, mais ou menos como se a prenda fosse para ela própria. Afinal, o altruísmo não tinha sido tão grande assim. "Eu guardo sempre o talão, para o caso de haver necessidade de uma troca." A prudência, a virtude omnipresente só terá faltado no acto da compra propriamente dita, mas isso foi o resultado de "uma tentação absolutamente irresistível".
Os filhos e, eventualmente, os sobrinhos, os netos, os pais, e mais este e mais aquele, são outras tantas fontes de prazer para a compradora compulsiva. "A Leonor vai ficar um apetite com este casaco!" "E o Tiago vai adorar este brinquedo que lhe comprámos". Aqui vem a soi-disante coniviência do marido, traduzida no "comprámos". Ele, no entanto, não disse nada, nem foi tido nem achado nessa questão. Mas passou-lhe cartão e, com esse gesto, corresponsabilizou-se.
Novembro, o mês que hoje termina, é o ideal para começar as compras natalícias. Assim, a mulher passa um mês inteiro a comprar coisas. Por vezes mais do que uma, duas ou três para a mesma pessoa, porque se tinha esquecido de que afinal já tinha prendas para ela. "Mas era tão giro que não me consegui conter! Quem não achar isto giro não gosta de nada!" E, pronto, a gireza do presente desculpa tudo, ela está desculpada! Auto-desculpada, entenda-se.
Nada disto é novo. A vida é, afinal, feita destas incongruências, destes dislates bem intencionados, sem os quais a vida seria incrivelmente monótona. O Menino Jesus deu-nos esta enorme prenda de poder oferecer prendas. Aproveitemos a dança e bailemos!

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