11/08/2009

Alcateias

Costuma dizer-se, a respeito dos filhos de um casal, que não são tanto as palavras de recomendação e conselho que os seus progenitores lhes dão as que verdadeiramente contam, mas sim o exemplo prático que os pais lhes revelam através dos seus actos. Traduzido em sabedoria popular, temos o "Bem prega Frei Tomás: faz o que ele diz, não o que ele faz."
Ora, o facto de esta situação se encontrar na sabedoria popular ilustra bem a frequência do abismo que não raramente existe entre as palavras e os actos das pessoas. Quando essas pessoas ocupam lugares de poder, a distância entre aquilo que lhes sai dos lábios e a sua acção concreta tende a aumentar. A revelação pública de actos pouco próprios é sempre chocante, pelo que constitui inegavelmente uma boa notícia. Um elevado número de leitores da notícia ou de ouvintes regozija-se por duas razões principais: (1) eles não estão envolvidos, o que lhes dá alguma superioridade moral e um posicionamento de juízes a distância e (2) os indivíduos que são postos em causa não são membros do seu grupo social, entendendo-se este "social" no sentido lato de família política, empresarial ou clubista (os leitores e ouvintes que são do mesmo grupo sentem-se chocados e tristes).
O que se tem registado em Portugal, à semelhança de outros países,é que os agentes de poder envolvidos actuam em cadeia de ética de favores, a qual tem a sua lógica mas está em clara oposição com a muito mais recomendável ética de valores. Por seu lado, constituindo o segredo a alma do negócio, todos os praticantes da ética de favores tendem naturalmente a confiar mais no amigo do seu próprio agrupamento social do que em qualquer outra pessoa não arregimentada. Daí surgirem escândalos que, quando são de natureza política, não só incidem sobre indivíduos como abrangem os partidos ao mostrarem a natureza dos tentáculos que unem os seus elementos.
Praticamente todos os partidos que em Portugal têm sido poder foram alvo de escândalos desta ordem a vários níveis, mas invariavelmente com aspectos de negócios materiais englobados. Infelizmente, as correspondentes punições ficaram geralmente adiadas para as calendas. Ora, pancadas em número excessivo no edifício democrático provocam naturais fissuras, que tendencialmente alastram a brechas e depois a buracos maiores que podem causar a queda de toda a estrutura. Para o público que é governado, as palavras dos seus governantes passam a soar a falso e a tentação de fugir aos impostos aumenta na exacta medida em que os cobradores desses impostos não se revelam exemplares no seu comportamento.
Se a justiça não actuar inexorável e celeremente, ou, pior ainda, se ela se mostrar envolvida na rede tentacular de interesses, a corrupção alastrará descontroladamente e o Estado de Direito passará a ser uma farsa. Res non verba é o que, mais uma vez, se pede. Antes que seja demasiado tarde.

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