Um velho amigo lembrou-me uma vez que era mais fácil engordar do que emagrecer. Admito que nunca tinha pensado no assunto, possivelmente porque julgo ter mantido desde há muitos anos sensivelmente o mesmo peso. No entanto, entendo que emagrecer pode ser penoso: exige esforço e sacrifícios; por vezes mesmo uma indómita força de vontade. Pelo contrário, engordar resulta geralmente de actos de prazer, do uso de direitos mais do que do cumprimento de deveres.
Se redijo aqui este brevíssimo preâmbulo comparativo entre situações A e B, não é, desde já aviso, para falar de bulimia, de anorexia ou algo do género. Faço-o tão somente para referir a diferença que existe entre o sim e o não, entre o saber o que se quer e o saber aquilo que não se quer.
E aqui, tal como sucede com o engordar e o emagrecer, é muito mais fácil saber aquilo que não se quer do que aquilo que se quer. Em termos políticos, defendo geralmente a contabilização do voto em branco como voto expresso e com eventual influência no número de cadeiras a ocupar no Parlamento, no caso das eleições legislativas. Mas sou também o primeiro a reconhecer que um limite de 10 por cento na contabilização efectiva do número de votos em branco deve ser imposto. Por que razão o faço? Porque um voto em branco é um voto de "não", mas nada diz sobre o "sim". É um voto de protesto, que pode surgir por variadíssimos motivos de descontentamento, mas que ninguém pode pressupor que representa alguma unidade construtiva, na ordem do "sim", como as linhas programáticas de um partido e a natureza dos seus filiados ou simpatizantes deixam pressupor.
Na realidade, um "não" é algo como a imagem criada pela existência de um saco de gatos. Uma vez dito o "não", vem a pergunta essencial: que "sim" escolher? Desfaz-se o saco de gatos e a miadela que era uníssona começa a assobiar músicas diferentes. É uma partitura partida.
Vem isto a propósito – agora, sim – do que está a suceder nos países do Médio Oriente. A juventude já fez o seu papel na Tunísia e no Egipto. Continua a desgastar o establishment na Líbia. Por um lado, o Ocidente rejubila com o grito de liberdade, algo sempre bonito, tal como o foi no 25 de Abril de 1974 em Portugal. No nosso país, a unidade do "não à ditadura" desfez-se logo no Estádio da Avenida Rio de Janeiro, em Lisboa, aquando dos discursos de Mário Soares e de Álvaro Cunhal. Era o "sim" que começava a surgir e, com ele, a discussão e a dissenção. Com todas as suas virtudes, acentue-se, mas também com os seus defeitos. Naturais.
Hoje em dia, pretender o estabelecimento de democracias em países que estiveram durante dezenas de anos sob um regime diferente faz parte do habitual wishful thinking ocidental, que pode ser bonito e poético mas não suficientemente consistente. Qual foi o escritor, filósofo ou político que disse que nas campanhas se entra sempre com poesia, mas que quando se governa se tem de passar invariavelmente à prosa?
Os réditos, os impostos, o rule of law, a religião, a não unidade entre sunitas e shiitas e outros grupos, o petróleo, o gás, os interesses do Ocidente numa região de onde provém quase 50 por cento do petróleo do mundo – tanta coisa junta! A juventude terá servido para derrubar; agora vêm os sabichões experientes impor a sua vontade. Tal como no xadrez, os peões sacrificam-se para que as figuras maiores sobrevivam.
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