Durante vários anos leccionei inglês em cursos de Secretariado. A preparação de jovens para trabalhar em empresas foi na generalidade bastante interessante. Por vezes, no ano final do curso eu criava algumas situações a nível empresarial em que se tornava necessário tomar uma posição. Questões de ética, afinal. Concretamente a propósito de lealdade, perante um determinado facto ocorrido e do nosso conhecimento, colocava-se uma pergunta no final: para onde vai a nossa primeira lealdade? Para o colega ou colegas, para o nosso superior imediato, ou para a empresa? Dependendo do caso, criava-se uma discussão acesa, com as opiniões a dividirem-se. A discussão acesa interessava-me particularmente não só como professor de línguas mas também como fonte de conhecimento mais aprofundado das pessoas que estavam à minha frente. Por um lado, não somos todos iguais, por outro, não existe um posicionamento que se aplique universalmente.
A não ser que... A não ser que deixemos que seja a nossa consciência a funcionar. Aí, falamos com total franqueza e explicitamos a nossa opinião. Tem o inconveniente de poder trazer consequências pouco agradáveis para nós; por outro lado, pode grangear-nos o respeito da maioria. Mesmo se respeitarmos a nossa consciência, podemos estabelecer o nosso posicionamento apenas para nós próprios e não emitir nenhuma opinião. É uma atitude algo cinzenta mas eventualmente sensata. Se falarmos incontidamente, poderemos errar por falta de dados confirmados; além disso, há sempre diferentes interpretações possíveis.
No geral, embora dependendo de casos concretos, tenho pessoalmente a tendência para defender mais aquilo que considero ser a verdade, seja ela louvável ou reprovável. Significa isto que eu não defenderia um colega se ele fosse acusado e eu considerasse a acusação justa? Sim, isso mesmo. Mas o mesmo faria relativamente a um superior. Adulterar ou esconder aquilo que para mim era a verdade nunca me agradou nem foi o caminho que segui, conquanto nalguns casos tivesse tido o cuidado de revelar essa verdade apenas a quem era importante que estivesse bem informado.
A empresa ou instituição, a sociedade como um todo e a educação como instrumento constituíram sempre o fiel da minha balança. Sendo a atitude de muitos, está longe de ser a mentalidade habitual, que é mais de passa-culpas. O "coitado!", "o que lhe sucedeu a ele também poderia suceder a qualquer um de nós", "ele é um dos nossos, não podemos consentir que seja castigado!" são coisas que pessoalmente me arrepiam. E porquê? Porque não é o facto de alguém pertencer ao meu clube, ao meu partido, ou à minha empresa que me deve levar a defendê-lo; aquilo que tenho que julgar é o seu comportamento. Se prejudicou a empresa para a qual trabalho, merece ser punido – mais ou menos ligeiramente. Se vou entrar pela senda do "coitadinho" e da "caridade solidária", estou a pactuar com uma acção indevida e merecedora de punição. Se essa acção não for punida, nem que seja com uma mera advertência, cria-se um precedente, o tal que, ao existir, passa por vezes a ser mais importante do que o presidente. Quando não se pune por simpatias pessoais, por clubismo ou por partidarite política, entra-se sem querer na corrupção e num género de corporativismo. A corrupção rói por dentro, corrói. O corporativismo é o grande cancro da democracia.
Factos são factos, doa a quem doer? Ou não? Amigos, amigos, negócios à parte? Ou não? Actuar segundo a nossa consciência ou segundo a nossa conveniência? Não é exactamente a mesma coisa!
Considerem-se os casos do Presidente do Governo Regional da Madeira, dos vários responsáveis mormente do PSD envolvidos no enorme escândalo do BPN, os casos de claro suborno e fraude que têm envolvido elementos de vários clubes e partidos ligados ao desporto, ao comércio, ao mundo empresarial – todos sem castigo visível e público. São obviamente casos de comportamento anti-democrático, em que as pessoas violam a sua consciência para não faltarem à lealdade devida à instituição ou empresa, à maçonaria, ao Opus Dei, ao Partido em que estão filiados. Será que a nação não entende isso bem? Mais do que bem, de facto. Daí vem o descrédito e, com ele, o descambar económico e financeiro. Pensemos um pouco nisto quando nos quisermos comparar com alguns países bem mais honestos, mais desenvolvidos e mais igualitários, do resto da Europa. E olhemos para Portugal do ponto de vista daqueles países que não hesitam em colocar ministros e primeiro-ministros em tribunal. Ter a coragem para enfrentar a verdade é essencial.
9/28/2011
9/25/2011
Poesia de A a Z
Para a letra K, um poema do moçambicano Rui Knopfli:
O MONHÉ DAS COBRAS
Manhã gloriosa, imobilizada na distância,
no extremo da caixa de areia branca
onde, agachado, anónimo e ascético,
envolto em alvos panos e silêncio,
está. O pudvém cobre-lhe o escroto
e sobraça-lhe as pernas magras e finas
de esquálido aracnídeo. No topo o turbante
e a barba anciã oscilam na brisa matinal.
Principia, então, a enfeitiçar o dia,
com exactos gestos rituais. Ergue-se,
por fim, plangente e implorativo,
o sinuoso som, para revelar, em
lentos arabescos, os assombros guardados
no sábio cesto de vime. Obedientes,
as cobras capelo encenam, à maneira,
seu acto, a coberto da enganosa pintura.
Húmidas, dardejam ao sol, rápidas,
coruscantes e fatais línguas bífidas.
Nós, meninos, paralisados de medo
e espanto. A esteira irá perder-se
no longe da areia, gasto tapete voador
voando imóvel no céu profundo
da imaginação. Privilegiado observador
desta vigília acesa debruando já,
de mansinho, as margens do sono.
O MONHÉ DAS COBRAS
Manhã gloriosa, imobilizada na distância,
no extremo da caixa de areia branca
onde, agachado, anónimo e ascético,
envolto em alvos panos e silêncio,
está. O pudvém cobre-lhe o escroto
e sobraça-lhe as pernas magras e finas
de esquálido aracnídeo. No topo o turbante
e a barba anciã oscilam na brisa matinal.
Principia, então, a enfeitiçar o dia,
com exactos gestos rituais. Ergue-se,
por fim, plangente e implorativo,
o sinuoso som, para revelar, em
lentos arabescos, os assombros guardados
no sábio cesto de vime. Obedientes,
as cobras capelo encenam, à maneira,
seu acto, a coberto da enganosa pintura.
Húmidas, dardejam ao sol, rápidas,
coruscantes e fatais línguas bífidas.
Nós, meninos, paralisados de medo
e espanto. A esteira irá perder-se
no longe da areia, gasto tapete voador
voando imóvel no céu profundo
da imaginação. Privilegiado observador
desta vigília acesa debruando já,
de mansinho, as margens do sono.
9/21/2011
Pobreza nos Estados Unidos
Falar de pobreza no mundo é algo perfeitamente comum. Infelizmente. Mas falar de pobreza nos Estados Unidos da América, país que é geralmente considerado o mais rico do mundo, é relativamente raro. O American Dream, que se sente claramente fraquejar em numerosos domínios, leva-nos a caminhos de livre iniciativa, de subida a pulso na vida, de invenções bem sucedidas, de riqueza de um dia para o outro, mas geralmente não nos fala de pobreza.
Agora é oficial que existem mais de 15 por cento de americanos a viverem abaixo da linha de pobreza. Numa população que, segundo o censo de 2010, atingiu 308 milhões, isto significa algo como 46 milhões, i.e., comparativamente, mais de quatro vezes o total da população portuguesa a viver na situação de pobreza. A notícia, oficial, é que esta é a pior situação da população americana desde 1959, ano em que se iniciou a recolha de dados estatísticos sobre a pobreza nos EUA.
Para uma família composta por quatro pessoas, isto significa viver com cerca de 22 mil dólares por ano, quantia que grosso modo corresponde a 16 mil euros. Fazendo as contas, isto dá qualquer coisa com 300 e tal euros por cabeça e por mês. Imagine-se o que significa ter mais do quádruplo da população portuguesa a viver nestas condições num país como a América.
Como um interessante artigo da autoria de Rana Foroohar – vice-directora da revista TIME - assinala, esta crise de pobreza surge em parte devido à outra grande crise com que os Estados Unidos se debatem: o desemprego. Ora, o caminho mais rápido para a pobreza é bem conhecido: a perca de emprego. O que se constata nos Estados Unidos é que esta não é uma crise passageira nem nova. Quando à recessão do ano 2000 se seguiu uma recuperação da economia, os níveis de pobreza não desceram, como seria normal que acontecesse. É que o ponto de viragem não se situa aí, mas sim no legado de duas décadas anteriores de hiperglobalização, quando dezenas de milhar de empregos de salários médios se perderam devido à externalização de serviços – para a China, Índia, Indonésia, etc. – ou foram substituídos por novas tecnologias. Foi nessa altura, com um claro excesso de pessoas à procura de emprego nos EUA, que os salários se foram gradualmente reduzindo. Aquilo que um operário médio leva hoje para casa como rendimento real do seu trabalho fica abaixo do nível dos salários de 1964!
Parcialmente em resultado desta situação, o grau de mobilidade dos americanos desceu muito. Ainda me recordo do número 18. Era o número médio de endereços diferentes que o americano tinha em toda a sua vida. Eu comparava com o que sucedia em Portugal e ficava abismado: conhecia variadíssimas pessoas que viviam na mesma casa toda a vida e que consideravam isso perfeitamente normal. Outras mudavam só quando casavam, e por esse segundo endereço se quedavam. A mobilidade não era realmente a grande característica da sociedade portuguesa, nem mesmo, deve dizer-se, entre os funcionários públicos, embora nestes fosse superior.
Ora, o curioso nos Estados Unidos e que o censo do ano passado revelou é que, como consequência da situação de carência de meios para pagar à banca as prestações da casa que tinham contratualmente adquirido, problema ao qual se juntou a perda do emprego, houve cerca de três milhões de pessoas que por absoluta carência voltaram a habitar a casa dos seus pais. Se contabilizados, eles elevariam para quase 50 milhões o número de americanos que se encontram abaixo do limiar da pobreza.
Dado que, desde a década de 90 do século passado, o crescimento do emprego nos Estados Unidos se situou principalmente no sector público e concretamente no da educação, sectores que entretanto sofreram severos cortes devido à crise, a questão agravou-se na comparação que surge naturalmente entre os beneficiários de direitos antigos (a geração dos baby-boomers) e as actuais gerações, que não só se sentem desprotegidas socialmente com vêem fracas perspectivas à sua frente. A hipótese de conflitos geracionais não pode ser arredada. Entretanto, mais arredado fica o Sonho Americano. Infelizmente também.
Agora é oficial que existem mais de 15 por cento de americanos a viverem abaixo da linha de pobreza. Numa população que, segundo o censo de 2010, atingiu 308 milhões, isto significa algo como 46 milhões, i.e., comparativamente, mais de quatro vezes o total da população portuguesa a viver na situação de pobreza. A notícia, oficial, é que esta é a pior situação da população americana desde 1959, ano em que se iniciou a recolha de dados estatísticos sobre a pobreza nos EUA.
Para uma família composta por quatro pessoas, isto significa viver com cerca de 22 mil dólares por ano, quantia que grosso modo corresponde a 16 mil euros. Fazendo as contas, isto dá qualquer coisa com 300 e tal euros por cabeça e por mês. Imagine-se o que significa ter mais do quádruplo da população portuguesa a viver nestas condições num país como a América.
Como um interessante artigo da autoria de Rana Foroohar – vice-directora da revista TIME - assinala, esta crise de pobreza surge em parte devido à outra grande crise com que os Estados Unidos se debatem: o desemprego. Ora, o caminho mais rápido para a pobreza é bem conhecido: a perca de emprego. O que se constata nos Estados Unidos é que esta não é uma crise passageira nem nova. Quando à recessão do ano 2000 se seguiu uma recuperação da economia, os níveis de pobreza não desceram, como seria normal que acontecesse. É que o ponto de viragem não se situa aí, mas sim no legado de duas décadas anteriores de hiperglobalização, quando dezenas de milhar de empregos de salários médios se perderam devido à externalização de serviços – para a China, Índia, Indonésia, etc. – ou foram substituídos por novas tecnologias. Foi nessa altura, com um claro excesso de pessoas à procura de emprego nos EUA, que os salários se foram gradualmente reduzindo. Aquilo que um operário médio leva hoje para casa como rendimento real do seu trabalho fica abaixo do nível dos salários de 1964!
Parcialmente em resultado desta situação, o grau de mobilidade dos americanos desceu muito. Ainda me recordo do número 18. Era o número médio de endereços diferentes que o americano tinha em toda a sua vida. Eu comparava com o que sucedia em Portugal e ficava abismado: conhecia variadíssimas pessoas que viviam na mesma casa toda a vida e que consideravam isso perfeitamente normal. Outras mudavam só quando casavam, e por esse segundo endereço se quedavam. A mobilidade não era realmente a grande característica da sociedade portuguesa, nem mesmo, deve dizer-se, entre os funcionários públicos, embora nestes fosse superior.
Ora, o curioso nos Estados Unidos e que o censo do ano passado revelou é que, como consequência da situação de carência de meios para pagar à banca as prestações da casa que tinham contratualmente adquirido, problema ao qual se juntou a perda do emprego, houve cerca de três milhões de pessoas que por absoluta carência voltaram a habitar a casa dos seus pais. Se contabilizados, eles elevariam para quase 50 milhões o número de americanos que se encontram abaixo do limiar da pobreza.
Dado que, desde a década de 90 do século passado, o crescimento do emprego nos Estados Unidos se situou principalmente no sector público e concretamente no da educação, sectores que entretanto sofreram severos cortes devido à crise, a questão agravou-se na comparação que surge naturalmente entre os beneficiários de direitos antigos (a geração dos baby-boomers) e as actuais gerações, que não só se sentem desprotegidas socialmente com vêem fracas perspectivas à sua frente. A hipótese de conflitos geracionais não pode ser arredada. Entretanto, mais arredado fica o Sonho Americano. Infelizmente também.
9/19/2011
Clubismo e nacionalismo
Como todos sabemos, as mudanças que têm ocorrido na sociedade nas últimas décadas não são de pequena monta. Este blogue tem-se debruçado sobre alguns desses aspectos. Nessa mesma linha, entremos hoje um pouco no mundo do futebol.
Em Inglaterra, no jogo que se disputou no passado sábado entre o Arsenal e o Blackburn Rovers, o Arsenal entrou em campo com onze titulares estrangeiros. Não havia um único inglês na equipa! Recordemos que o futebol nasceu no Reino Unido, onde aliás continua a desfrutar de grande popularidade.
Também há poucos dias, no jogo entre o Manchester United e o Benfica disputado no Estádio da Luz, Lisboa, Portugal, foi só quando, durante a segunda parte, Nani entrou em campo para substituir um colega seu que tivemos no relvado o único português entre os 22 jogadores. Já agora, ele jogava pela equipa estrangeira.
Uma vez que falei do Benfica, permito-me recordar que um dos grandes orgulhos da equipa benfiquista foi durante muitos anos o facto de não utilizar qualquer jogador estrangeiro. A equipa englobava então muitos futebolistas do Ultramar português, dos quais Eusébio e Coluna foram possivelmente os expoentes máximos, mas constituía um ponto de honra para o clube ter apenas jogadores portugueses. Foi apenas na época de 1979/80, portanto já depois da revolução de Abril, que o primeiro estrangeiro ingressou no futebol do Benfica. Era brasileiro e chamava-se Jorge Gomes. Quebrara-se o tabu.
Anteriormente, não podemos esquecer que quando Eusébio foi aliciado por equipas estrangeiras devido às suas excelentes exibições, o Estado português não consentiu que ele fosse vendido. Eusébio era um símbolo demasiado importante do Ultramar português, então em plena guerra, para que isso pudesse suceder.
Hoje, com o lema do mundo laboral a repetir constantemente que não existem empregos para toda a vida, aceita-se e recomenda-se a mobilidade. E essa mobilidade, ajudada por legislação que lhe é francamente favorável, traduz-se por exemplo no facto de a equipa do campeão nacional – o FC Porto – jogar quase sempre com um número de estrangeiros que é muito superior à dos jogadores portugueses. O mesmo acontece nas equipas mais endinheiradas, como a do Sporting.
A questão da mobilidade faz com que existam hoje jogadores que envergaram durante a sua vida desportiva camisolas tão diferentes como as do Porto, Sporting, Benfica e Belenenses, além de terem jogado por outras equipa. A juntar-se à mobilidade vem a competitividade, que é hoje muito superior à de antigamente. Qualquer treinador que se preze diz hoje, com grande sentido de autoridade, que ninguém na equipa tem lugar cativo. Jogador que não jogue bem, apesar de ser normalmente um dos mais bem pagos, poderá não alinhar no encontro seguinte. Não era costume depararmo-nos com este tipo de competitividade na sociedade portuguesa de antigamente.
Aquilo a que se costuma chamar “amor à camisola” continua parcialmente a existir, mas muitas vezes é mais frase que sai da boca para fora aos microfones de qualquer televisão ou rádio do que um forte sentimento. O mesmo jogador que depois de marcar um golo coloca tipicamente a sua mão sobre o emblema que ostenta na camisola para mostrar à assistência o seu clubismo não recusará na semana seguinte uma oferta tentadora que lhe façam de um clube grande estrangeiro. O dinheiro conta muito mais do que todo o resto.
Como seria previsível, não é só para o jogador que essa mais-valia conta, mas também para o clube. Na realidade, os clubes mais abastados transformaram-se em iniludíveis entrepostos comerciais, que negoceiam os seus jogadores a troco de quantias fabulosas. Em flagrante contraste com o que sucedia no passado – e não pretendo fazer aqui qualquer juizo de valor relativamente à superioridade de um modelo sobre o outro - o jogador possui hoje um empresário que trata dos detalhes dos contratos, embolsando naturalmente para si uma determinada percentagem da verba contratada na venda.
Como todos sabemos, há jogadores com ganhos astronómicos. Aos seus ordenados muito elevados, eles juntam significativas verbas de publicidade. Por seu lado, o departamento de marketing dos clubes mais conhecidos a nível mundial aufere vultoso lucros com a venda de camisolas que ostentam o número e o nome dos seus jogadores mais famosos. A máquina está muito bem montada e oleada. Funciona na perfeição.
É aqui que recordo, sem nostalgia mas achando uma certa graça ao contraste, uma cena dos meus tempos de miúdo. Num dia de semana, vim a Lisboa de carro com o meu pai. Tomámos a estrada normal, que passava por Torres Vedras e Malveira. Logo depois da Malveira, na Venda do Pinheiro, vimos três homens que pediam boleia na beira da estrada. Ora, nessa altura era precisamente na Venda do Pinheiro que ficava situado o centro de estágio da selecção nacional portuguesa. Os três homens que nos pediam boleia eram figuras bem conhecidas. Lembro-me apenas do nome de dois - Travassos e Canário -, ambos jogadores do Sporting. Para meu grande contentamento e orgulho, lá vieram no carro connosco, claro. Onde é que algo como isto seria possível hoje em dia?! E, a propósito do que se viria a passar mais tarde com Eusébio, onde é que hoje o Estado ousaria dar ordens a um jogador ou a um clube, tratando-o como se o que estava em jogo fosse uma golden share?
É interessante analisar mesmo que seja desta forma ligeira a evolução das coisas. Os conceitos sociológicos de globalização e de mobilidade entraram profundamente no mundo do futebol. Sem deixar de existir, o conceito de pátria esbateu-se muito, assim como o de clube-do-coração.
Por outro lado, a chegada de jogadores estrangeiros para os vários clubes tapa necessariamente lugares que dantes seriam em princípio ocupados por jogadores nacionais. Destes, os melhores são contratados para ir para o estrangeiro; outros não arranjam emprego. Afinal, o panorama não é muito diferente do que ocorre no mercado de trabalho, no qual produtos fabricados no estrangeiro acabam por roubar emprego aos nacionais dos vários países. Hoje em dia, jogador que se mantenha durante toda a vida no seu “clube de sempre” é invariavelmente notícia, especialmente se se tratar de um clube grande. Aquilo que antigamente era a regra passou hoje a ser a excepção.
No futuro, tanto pode suceder que esta tendência se acentue, como pode acontecer que ela se esbata através da imposição de regras mais apertadas e protectoras dos nacionais. Por vezes, como a história nos ensina, são as guerras a ditar essas leis. Avisado é quem não tenta prever o futuro. Analisar a evolução das coisas é por si já suficientemente interessante. A única certeza que podemos ter é a de que nada se manterá igual.
Em Inglaterra, no jogo que se disputou no passado sábado entre o Arsenal e o Blackburn Rovers, o Arsenal entrou em campo com onze titulares estrangeiros. Não havia um único inglês na equipa! Recordemos que o futebol nasceu no Reino Unido, onde aliás continua a desfrutar de grande popularidade.
Também há poucos dias, no jogo entre o Manchester United e o Benfica disputado no Estádio da Luz, Lisboa, Portugal, foi só quando, durante a segunda parte, Nani entrou em campo para substituir um colega seu que tivemos no relvado o único português entre os 22 jogadores. Já agora, ele jogava pela equipa estrangeira.
Uma vez que falei do Benfica, permito-me recordar que um dos grandes orgulhos da equipa benfiquista foi durante muitos anos o facto de não utilizar qualquer jogador estrangeiro. A equipa englobava então muitos futebolistas do Ultramar português, dos quais Eusébio e Coluna foram possivelmente os expoentes máximos, mas constituía um ponto de honra para o clube ter apenas jogadores portugueses. Foi apenas na época de 1979/80, portanto já depois da revolução de Abril, que o primeiro estrangeiro ingressou no futebol do Benfica. Era brasileiro e chamava-se Jorge Gomes. Quebrara-se o tabu.
Anteriormente, não podemos esquecer que quando Eusébio foi aliciado por equipas estrangeiras devido às suas excelentes exibições, o Estado português não consentiu que ele fosse vendido. Eusébio era um símbolo demasiado importante do Ultramar português, então em plena guerra, para que isso pudesse suceder.
Hoje, com o lema do mundo laboral a repetir constantemente que não existem empregos para toda a vida, aceita-se e recomenda-se a mobilidade. E essa mobilidade, ajudada por legislação que lhe é francamente favorável, traduz-se por exemplo no facto de a equipa do campeão nacional – o FC Porto – jogar quase sempre com um número de estrangeiros que é muito superior à dos jogadores portugueses. O mesmo acontece nas equipas mais endinheiradas, como a do Sporting.
A questão da mobilidade faz com que existam hoje jogadores que envergaram durante a sua vida desportiva camisolas tão diferentes como as do Porto, Sporting, Benfica e Belenenses, além de terem jogado por outras equipa. A juntar-se à mobilidade vem a competitividade, que é hoje muito superior à de antigamente. Qualquer treinador que se preze diz hoje, com grande sentido de autoridade, que ninguém na equipa tem lugar cativo. Jogador que não jogue bem, apesar de ser normalmente um dos mais bem pagos, poderá não alinhar no encontro seguinte. Não era costume depararmo-nos com este tipo de competitividade na sociedade portuguesa de antigamente.
Aquilo a que se costuma chamar “amor à camisola” continua parcialmente a existir, mas muitas vezes é mais frase que sai da boca para fora aos microfones de qualquer televisão ou rádio do que um forte sentimento. O mesmo jogador que depois de marcar um golo coloca tipicamente a sua mão sobre o emblema que ostenta na camisola para mostrar à assistência o seu clubismo não recusará na semana seguinte uma oferta tentadora que lhe façam de um clube grande estrangeiro. O dinheiro conta muito mais do que todo o resto.
Como seria previsível, não é só para o jogador que essa mais-valia conta, mas também para o clube. Na realidade, os clubes mais abastados transformaram-se em iniludíveis entrepostos comerciais, que negoceiam os seus jogadores a troco de quantias fabulosas. Em flagrante contraste com o que sucedia no passado – e não pretendo fazer aqui qualquer juizo de valor relativamente à superioridade de um modelo sobre o outro - o jogador possui hoje um empresário que trata dos detalhes dos contratos, embolsando naturalmente para si uma determinada percentagem da verba contratada na venda.
Como todos sabemos, há jogadores com ganhos astronómicos. Aos seus ordenados muito elevados, eles juntam significativas verbas de publicidade. Por seu lado, o departamento de marketing dos clubes mais conhecidos a nível mundial aufere vultoso lucros com a venda de camisolas que ostentam o número e o nome dos seus jogadores mais famosos. A máquina está muito bem montada e oleada. Funciona na perfeição.
É aqui que recordo, sem nostalgia mas achando uma certa graça ao contraste, uma cena dos meus tempos de miúdo. Num dia de semana, vim a Lisboa de carro com o meu pai. Tomámos a estrada normal, que passava por Torres Vedras e Malveira. Logo depois da Malveira, na Venda do Pinheiro, vimos três homens que pediam boleia na beira da estrada. Ora, nessa altura era precisamente na Venda do Pinheiro que ficava situado o centro de estágio da selecção nacional portuguesa. Os três homens que nos pediam boleia eram figuras bem conhecidas. Lembro-me apenas do nome de dois - Travassos e Canário -, ambos jogadores do Sporting. Para meu grande contentamento e orgulho, lá vieram no carro connosco, claro. Onde é que algo como isto seria possível hoje em dia?! E, a propósito do que se viria a passar mais tarde com Eusébio, onde é que hoje o Estado ousaria dar ordens a um jogador ou a um clube, tratando-o como se o que estava em jogo fosse uma golden share?
É interessante analisar mesmo que seja desta forma ligeira a evolução das coisas. Os conceitos sociológicos de globalização e de mobilidade entraram profundamente no mundo do futebol. Sem deixar de existir, o conceito de pátria esbateu-se muito, assim como o de clube-do-coração.
Por outro lado, a chegada de jogadores estrangeiros para os vários clubes tapa necessariamente lugares que dantes seriam em princípio ocupados por jogadores nacionais. Destes, os melhores são contratados para ir para o estrangeiro; outros não arranjam emprego. Afinal, o panorama não é muito diferente do que ocorre no mercado de trabalho, no qual produtos fabricados no estrangeiro acabam por roubar emprego aos nacionais dos vários países. Hoje em dia, jogador que se mantenha durante toda a vida no seu “clube de sempre” é invariavelmente notícia, especialmente se se tratar de um clube grande. Aquilo que antigamente era a regra passou hoje a ser a excepção.
No futuro, tanto pode suceder que esta tendência se acentue, como pode acontecer que ela se esbata através da imposição de regras mais apertadas e protectoras dos nacionais. Por vezes, como a história nos ensina, são as guerras a ditar essas leis. Avisado é quem não tenta prever o futuro. Analisar a evolução das coisas é por si já suficientemente interessante. A única certeza que podemos ter é a de que nada se manterá igual.
9/17/2011
O perigo dos dinossauros
Que os dinossauros do passado dão para fazer filmes relativamente interessantes, nós já sabemos. Que um grande número de fósseis de dinossauros tem sido encontrado na nossa costa, nós também sabemos. E sabemos, além disso, que eles viveram há imensos anos atrás e que hoje se limitam a fazer parte do nosso património cultural, não constituindo qualquer perigo para a humanidade.
Dinossauros foi, entretanto, o nome dado àqueles políticos que ocupam determinados lugares durante uma eternidade. Eleição após eleição, lá estão eles a surgir de novo. Houve necessidade, nomeadamente no caso das autarquias, de pôr um travão legal a essa renovação de presidentes de câmara que ocupavam a sua cadeira de poder local por períodos de vinte e mais anos.
Avisadamente, foi considerado pelas regras constitucionais portuguesas que um Presidente da República não poderia desempenhar o seu cargo por período superior a duas eleições. Assim, dois mandatos, com uma eleição de permeio é o que temos tido. E bem.
Infelizmente, nem todos os lugares políticos seguiram esta norma, aliás como uma outra que outrora existia para a função pública: a de que ninguém poderia auferir no desempenho das suas funções públicas um vencimento superior ao do P.R.
O certo é que esta já não jovem democracia portuguesa consente que não exista qualquer limite para a reeleição dos presidentes das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Se os Açores têm tido uma saudável alternância no governo do arquipélago, já o mesmo não sucede com a Madeira. Alberto João Jardim é, ao que creio, o mais antigo dos dinossauros que temos. Constitui também um óptimo case-study para que a avisada regra do travão seja aplicada. O escândalo que agora rebentou – e rebentou com grande estoiro porque estamos a tratar com credores estrangeiros, pois de contrário o regabofe continuaria apesar do que há anos se pressentia – envergonha o país sobremaneira. A tecla que os políticos portugueses tanto têm tocado – que somos diferentes dos gregos, que Portugal não é a Grécia – arrisca-se a soar desafinadamente. No fundo, haverá grande diferença no modo como o descontrolo das finanças públicas prevaleceu na Grécia e em Portugal? Lembremo-nos de uma conhecida passagem de Eça de Queiroz nas suas Farpas.
Num mundo que se encontra por demais desregulado (= liberalizado), aqui temos mais um exemplo da necessidade de malhas mais apertadas para o mundo da política. O americano James Madison, que viveu entre 1751 e 1836, foi um homem suficientemente sagaz e sensato para ser chamado para arquitectar a constituição dos Estados Unidos. Gosto especialmente de duas das suas reflexões. A primeira diz-nos que os dois principais atributos de um bom governo são: primeiro, o governo deve ser capaz de controlar os governados; segundo, esse governo deverá saber controlar-se a si próprio.
A outra reflexão recorda-nos, com uma simplicidade desarmante, que se os homens fossem anjos, não seriam necessários governos.
Quem diria que, afinal, ainda existiam dinossauros destes a causar-nos grandes problemas?
Dinossauros foi, entretanto, o nome dado àqueles políticos que ocupam determinados lugares durante uma eternidade. Eleição após eleição, lá estão eles a surgir de novo. Houve necessidade, nomeadamente no caso das autarquias, de pôr um travão legal a essa renovação de presidentes de câmara que ocupavam a sua cadeira de poder local por períodos de vinte e mais anos.
Avisadamente, foi considerado pelas regras constitucionais portuguesas que um Presidente da República não poderia desempenhar o seu cargo por período superior a duas eleições. Assim, dois mandatos, com uma eleição de permeio é o que temos tido. E bem.
Infelizmente, nem todos os lugares políticos seguiram esta norma, aliás como uma outra que outrora existia para a função pública: a de que ninguém poderia auferir no desempenho das suas funções públicas um vencimento superior ao do P.R.
O certo é que esta já não jovem democracia portuguesa consente que não exista qualquer limite para a reeleição dos presidentes das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Se os Açores têm tido uma saudável alternância no governo do arquipélago, já o mesmo não sucede com a Madeira. Alberto João Jardim é, ao que creio, o mais antigo dos dinossauros que temos. Constitui também um óptimo case-study para que a avisada regra do travão seja aplicada. O escândalo que agora rebentou – e rebentou com grande estoiro porque estamos a tratar com credores estrangeiros, pois de contrário o regabofe continuaria apesar do que há anos se pressentia – envergonha o país sobremaneira. A tecla que os políticos portugueses tanto têm tocado – que somos diferentes dos gregos, que Portugal não é a Grécia – arrisca-se a soar desafinadamente. No fundo, haverá grande diferença no modo como o descontrolo das finanças públicas prevaleceu na Grécia e em Portugal? Lembremo-nos de uma conhecida passagem de Eça de Queiroz nas suas Farpas.
Num mundo que se encontra por demais desregulado (= liberalizado), aqui temos mais um exemplo da necessidade de malhas mais apertadas para o mundo da política. O americano James Madison, que viveu entre 1751 e 1836, foi um homem suficientemente sagaz e sensato para ser chamado para arquitectar a constituição dos Estados Unidos. Gosto especialmente de duas das suas reflexões. A primeira diz-nos que os dois principais atributos de um bom governo são: primeiro, o governo deve ser capaz de controlar os governados; segundo, esse governo deverá saber controlar-se a si próprio.
A outra reflexão recorda-nos, com uma simplicidade desarmante, que se os homens fossem anjos, não seriam necessários governos.
Quem diria que, afinal, ainda existiam dinossauros destes a causar-nos grandes problemas?
9/11/2011
À toa
Não há nada como a experiência vivida para aprendermos bem, e para sempre, o significado de determinadas coisas. Há muitos anos já, um antigo colega de instrução primária que voltei a encontrar após largo tempo sem nos vermos, contou-me que andava na pesca. Tinha um pequeno barco em Peniche, cujo motor tinha naquela semana estado a ser reparado, mas agora já estava pronto. Aliás, no dia seguinte àquele em que nos encontrámos, ele iria levantar uns covos que deixara junto às Berlengas para apanhar lagosta. Ante a minha curiosidade, convidou-me a vir com ele e mais os três homens que constituíam a tripulação. Ficou assente que eu iria e que deveria estar num determinado café do porto por volta das cinco da manhã.
Recordo-me que às quatro já estava a pé, pronto para ir no meu pequeno Volkswagen até Peniche. O nevoeiro, cerradíssimo, obrigou-me a fazer a viagem de forma lenta e ultra-cautelosa. Chegado ao porto, lá encontrei o meu amigo. “Não sei se vamos conseguir sair com este nevoeiro”, disse-me ele. “Os que estão aqui dos outros barcos já me disseram que assim não se metem ao mar.” Cerca das seis e um quarto, porém, o meu amigo António começou a não aguentar o nervoso miudinho que sentia, “Isto levanta! Conheço o caminho de olhos fechados.”
O nosso barco foi o único a largar do porto àquela hora. Eu ia totalmente às cegas. Quando passámos o Cabo Carvoeiro, nem o avistei. Mas os homens sabiam que o cabo tinha ficado para trás. Decorrida menos de uma hora de navegação num mar que estava calmo, sem vento – se houvesse vento, o nevoeiro dissipar-se-ia pelo menos parcialmente – eis que todos ouvimos um baque forte da embarcação. “Batemos!”, exclamou um dos homens. Ninguém sabia concretamente onde estávamos. Teríamos batido num dos rochedos ao largo da Berlenga? Uma rápida inspecção a ver se o barco estava a meter água teve felizmente resposta negativa. Mas alguma coisa tinha sucedido: o veio do motor não estava bem alinhado e tinha-se partido. A reparação anterior não tinha sido perfeita.
Para abreviar a narração, direi apenas que a angústia dos pescadores era grande, que estivemos quase a ser abalroados por um navio italiano que nos cortaria ao meio se a sua rota tivesse passado uns poucos metros ao lado e que o peixe que os homens tinham trazido para fazer uma caldeirada a bordo acabou por ser cozinhado com água salgada para poupar a pouca água doce que tínhamos.
O nevoeiro só se levantou pelas três horas da tarde! Entretanto, depois de termos lançado para o fundo do mar uma pesada poita a servir de fateixa descobrimos que já tínhamos ultrapassado a Berlenga. Estávamos ao largo da parte ocidental da ilha. O barco não tinha qualquer rádio emissor e muito menos radar. Contávamos apenas com um sonar, que, quando consultado, informou que nos sobravam apenas três braças da corda que segurava a poita.
Já com o tempo claro e o sol finalmente a brilhar, houve um barco de pesca de Peniche que respondeu aos sinais que o meu amigo e os seus homens enviaram a pedir socorro. E que sinais eram esses? Uma saca de serapilheira que eles agitavam freneticamente e um chifre que emitia um som à boa maneira viking!
Depois de confirmar que nos tinha visto, a outra embarcação continuou mais algum tempo na sua faina marítima, até que se aproximou de nós e nos lançou um cabo grosso e forte. Foi aí que aprendi que aquela corda se chamava toa. O cabo foi amarrado ao nosso barco e, a uma distância conveniente, lá seguimos no regresso ao porto de Peniche rebocados pelo barco amigo. Como seria fácil de prever, dada a forma como estávamos a ser rebocados, o nosso barco dava enormes guinadas para a direita e para a esquerda, o que constitui sempre um bom teste para quem quer provar que não enjoa. Foi aí que entendi distintamente o significado de andar à toa!
O problema deste post é que o meu objectivo principal é falar de outro tipo de reboque e entretanto já esgotei a paciência dos eventuais leitores. Embalei-me na recordação e andei verdadeiramente à deriva. As minhas desculpas.
No final daquela aventura marítima que afortunadamente acabou bem, formulei para mim próprio duas perguntas: 1. E se não tivéssemos encontrado um barco que nos trouxesse a reboque? 2. E se o barco de reboque avariasse também?
Podem parecer perguntas feitas pelo advogado-chefe do diabo, mas não são. Pelo contrário, creio que são perfeitamente plausíveis. Entremos então no tema principal: a União Europeia e a sua actual situação. Só aparentemente é que o assunto não terá quaisquer pontos de contacto com a experiência do barco atrás descrita.
Foi ainda há relativamente poucas décadas que a União Europeia nasceu. Fosse como Comunidade Económica Europeia, à qual Portugal aderiu depois de ter estado na EFTA, fosse com o seu nome actual, a União nasceu com o objectivo de aumentar a prosperidade das nações que a constituem. Previsivelmente, umas desenvolver-se-iam mais, outras menos, mas todas acabariam por encontrar uma linha ascendente que tornaria gradualmente mais ricas as sucessivas gerações do Ocidente.
A criação do euro, que hoje é vista de forma ambivalente como um acto inovador mas também temerário, corroborou em 1999 aquela visão de crescimento permanente. Aos poucos, porém, a realidade impôs-se com toda a sua crueza. Não digam aos gregos que eles têm progredido, não falem em taxas de desemprego nem aos espanhóis nem aos portugueses, esqueçam-se os sonhos de prosperidade. Há, sem margem para dúvidas, uma séria avaria neste barco. O baque foi sentido com maior intensidade em 2008, mas daí para cá a situação não tem melhorado. Pelo contrário. Agitam-se em Itália bandeiras de protesto, enquanto manifestações em Espanha clamam por justiça social, na Irlanda se maldiz a prosperidade baseada no imobiliário e na dívida tal como em Portugal. Na Grécia, os cidadãos mais aflitos desfraldam e agitam com raiva a sua saca de serapilheira. Todos pedem auxílio.
Como seria natural, com o decorrer dos anos algumas nações mais desenvolvidas da União, como a Alemanha, a França e a Holanda, ganharam mais com o negócio do euro do que aquelas que se quiseram pôr demasiado depressa em bicos de pés e, para isso, não hesitaram em pedir dinheiro emprestado aos mais poderosos. É uma história consabida, que os números não deixam desmentir.
Os barcos cujos motores se partiram pedem auxílio aos que lhes podem lançar uma toa para o correspondente reboque. Só que estes serviços de reboque não são grátis e, pelo contrário, tornam-se bastante onerosos para quem pede auxílio.
E se agora estivessem todos, mesmo os mais ricos, a analisar a hipótese de terminar com o euro? Haveria custos para todos, mas no oceano europeu haveria uns tantos países que ficariam mais à deriva do que outros. E terminar com o euro porquê? Só porque têm surgido problemas de sobreendividamento, tal como costumava suceder com as colónias, que estavam constantemente endividadas perante a nação que as explorava? Não, esta razão existe, é importante, mas não é a única. Presentemente, outro grande motivo de preocupação reside algures, fora da Europa.
Na realidade, a prosperidade da União Europeia sempre foi vista como algo baseado no comércio. As trocas comerciais entre os países da União constituía um factor essencial. Porém, se elas per se não resultassem satisfatoriamente, qual seria o plano B? Ora, o plano B consistia nas exportações europeias para os países mais ricos, concretamente para os Estados Unidos. É aqui que se coloca a questão: e se esse rebocador que deveria vir em socorro da União Europeia tivesse o seu motor avariado? Como se iria resolver a questão?
Esta é a segunda questão que coloquei relativamente à minha historieta com o barquito de pesca e aqui reitero com a U.E. Quando se sabe que, a juntar aos seus tremendos gastos militares e ao consumo privado excessivo, os Estados Unidos apresentam taxas de desemprego que rondam os 10 por cento e taxas de crescimento que não excedem dois pontos percentuais, como podem eles ajudar a Europa? Precisam é de alguém que os ajude. É uma situação que faz com que os europeus entrem em pânico, com os seus valores bolsistas a oscilarem mais do que qualquer ponte preparada para resistir a ventos fortíssimos.
Quando o barco rebocador líder europeu – a Alemanha – se mostra cada vez mais indisponível para ajudar os mais fracos, e o outro barco externo não tem sequer combustível para se fazer ao mar e dar a sua ajuda, quando conseguirá a aflita Europa regressar ao porto? Quanto tempo mais aguentará na sua viagem à toa neste mar encapelado?
Recordo-me que às quatro já estava a pé, pronto para ir no meu pequeno Volkswagen até Peniche. O nevoeiro, cerradíssimo, obrigou-me a fazer a viagem de forma lenta e ultra-cautelosa. Chegado ao porto, lá encontrei o meu amigo. “Não sei se vamos conseguir sair com este nevoeiro”, disse-me ele. “Os que estão aqui dos outros barcos já me disseram que assim não se metem ao mar.” Cerca das seis e um quarto, porém, o meu amigo António começou a não aguentar o nervoso miudinho que sentia, “Isto levanta! Conheço o caminho de olhos fechados.”
O nosso barco foi o único a largar do porto àquela hora. Eu ia totalmente às cegas. Quando passámos o Cabo Carvoeiro, nem o avistei. Mas os homens sabiam que o cabo tinha ficado para trás. Decorrida menos de uma hora de navegação num mar que estava calmo, sem vento – se houvesse vento, o nevoeiro dissipar-se-ia pelo menos parcialmente – eis que todos ouvimos um baque forte da embarcação. “Batemos!”, exclamou um dos homens. Ninguém sabia concretamente onde estávamos. Teríamos batido num dos rochedos ao largo da Berlenga? Uma rápida inspecção a ver se o barco estava a meter água teve felizmente resposta negativa. Mas alguma coisa tinha sucedido: o veio do motor não estava bem alinhado e tinha-se partido. A reparação anterior não tinha sido perfeita.
Para abreviar a narração, direi apenas que a angústia dos pescadores era grande, que estivemos quase a ser abalroados por um navio italiano que nos cortaria ao meio se a sua rota tivesse passado uns poucos metros ao lado e que o peixe que os homens tinham trazido para fazer uma caldeirada a bordo acabou por ser cozinhado com água salgada para poupar a pouca água doce que tínhamos.
O nevoeiro só se levantou pelas três horas da tarde! Entretanto, depois de termos lançado para o fundo do mar uma pesada poita a servir de fateixa descobrimos que já tínhamos ultrapassado a Berlenga. Estávamos ao largo da parte ocidental da ilha. O barco não tinha qualquer rádio emissor e muito menos radar. Contávamos apenas com um sonar, que, quando consultado, informou que nos sobravam apenas três braças da corda que segurava a poita.
Já com o tempo claro e o sol finalmente a brilhar, houve um barco de pesca de Peniche que respondeu aos sinais que o meu amigo e os seus homens enviaram a pedir socorro. E que sinais eram esses? Uma saca de serapilheira que eles agitavam freneticamente e um chifre que emitia um som à boa maneira viking!
Depois de confirmar que nos tinha visto, a outra embarcação continuou mais algum tempo na sua faina marítima, até que se aproximou de nós e nos lançou um cabo grosso e forte. Foi aí que aprendi que aquela corda se chamava toa. O cabo foi amarrado ao nosso barco e, a uma distância conveniente, lá seguimos no regresso ao porto de Peniche rebocados pelo barco amigo. Como seria fácil de prever, dada a forma como estávamos a ser rebocados, o nosso barco dava enormes guinadas para a direita e para a esquerda, o que constitui sempre um bom teste para quem quer provar que não enjoa. Foi aí que entendi distintamente o significado de andar à toa!
O problema deste post é que o meu objectivo principal é falar de outro tipo de reboque e entretanto já esgotei a paciência dos eventuais leitores. Embalei-me na recordação e andei verdadeiramente à deriva. As minhas desculpas.
No final daquela aventura marítima que afortunadamente acabou bem, formulei para mim próprio duas perguntas: 1. E se não tivéssemos encontrado um barco que nos trouxesse a reboque? 2. E se o barco de reboque avariasse também?
Podem parecer perguntas feitas pelo advogado-chefe do diabo, mas não são. Pelo contrário, creio que são perfeitamente plausíveis. Entremos então no tema principal: a União Europeia e a sua actual situação. Só aparentemente é que o assunto não terá quaisquer pontos de contacto com a experiência do barco atrás descrita.
Foi ainda há relativamente poucas décadas que a União Europeia nasceu. Fosse como Comunidade Económica Europeia, à qual Portugal aderiu depois de ter estado na EFTA, fosse com o seu nome actual, a União nasceu com o objectivo de aumentar a prosperidade das nações que a constituem. Previsivelmente, umas desenvolver-se-iam mais, outras menos, mas todas acabariam por encontrar uma linha ascendente que tornaria gradualmente mais ricas as sucessivas gerações do Ocidente.
A criação do euro, que hoje é vista de forma ambivalente como um acto inovador mas também temerário, corroborou em 1999 aquela visão de crescimento permanente. Aos poucos, porém, a realidade impôs-se com toda a sua crueza. Não digam aos gregos que eles têm progredido, não falem em taxas de desemprego nem aos espanhóis nem aos portugueses, esqueçam-se os sonhos de prosperidade. Há, sem margem para dúvidas, uma séria avaria neste barco. O baque foi sentido com maior intensidade em 2008, mas daí para cá a situação não tem melhorado. Pelo contrário. Agitam-se em Itália bandeiras de protesto, enquanto manifestações em Espanha clamam por justiça social, na Irlanda se maldiz a prosperidade baseada no imobiliário e na dívida tal como em Portugal. Na Grécia, os cidadãos mais aflitos desfraldam e agitam com raiva a sua saca de serapilheira. Todos pedem auxílio.
Como seria natural, com o decorrer dos anos algumas nações mais desenvolvidas da União, como a Alemanha, a França e a Holanda, ganharam mais com o negócio do euro do que aquelas que se quiseram pôr demasiado depressa em bicos de pés e, para isso, não hesitaram em pedir dinheiro emprestado aos mais poderosos. É uma história consabida, que os números não deixam desmentir.
Os barcos cujos motores se partiram pedem auxílio aos que lhes podem lançar uma toa para o correspondente reboque. Só que estes serviços de reboque não são grátis e, pelo contrário, tornam-se bastante onerosos para quem pede auxílio.
E se agora estivessem todos, mesmo os mais ricos, a analisar a hipótese de terminar com o euro? Haveria custos para todos, mas no oceano europeu haveria uns tantos países que ficariam mais à deriva do que outros. E terminar com o euro porquê? Só porque têm surgido problemas de sobreendividamento, tal como costumava suceder com as colónias, que estavam constantemente endividadas perante a nação que as explorava? Não, esta razão existe, é importante, mas não é a única. Presentemente, outro grande motivo de preocupação reside algures, fora da Europa.
Na realidade, a prosperidade da União Europeia sempre foi vista como algo baseado no comércio. As trocas comerciais entre os países da União constituía um factor essencial. Porém, se elas per se não resultassem satisfatoriamente, qual seria o plano B? Ora, o plano B consistia nas exportações europeias para os países mais ricos, concretamente para os Estados Unidos. É aqui que se coloca a questão: e se esse rebocador que deveria vir em socorro da União Europeia tivesse o seu motor avariado? Como se iria resolver a questão?
Esta é a segunda questão que coloquei relativamente à minha historieta com o barquito de pesca e aqui reitero com a U.E. Quando se sabe que, a juntar aos seus tremendos gastos militares e ao consumo privado excessivo, os Estados Unidos apresentam taxas de desemprego que rondam os 10 por cento e taxas de crescimento que não excedem dois pontos percentuais, como podem eles ajudar a Europa? Precisam é de alguém que os ajude. É uma situação que faz com que os europeus entrem em pânico, com os seus valores bolsistas a oscilarem mais do que qualquer ponte preparada para resistir a ventos fortíssimos.
Quando o barco rebocador líder europeu – a Alemanha – se mostra cada vez mais indisponível para ajudar os mais fracos, e o outro barco externo não tem sequer combustível para se fazer ao mar e dar a sua ajuda, quando conseguirá a aflita Europa regressar ao porto? Quanto tempo mais aguentará na sua viagem à toa neste mar encapelado?
9/02/2011
Job lag
O neurologista não encontrou nada de especial no paciente. E, contudo, este voltou a falar de uma perturbação difícil de definir, que experimentava pela primeira vez. Quanto a mim, o homem tem toda a razão: a saída de um emprego por razões de reforma (em casos de pré-reforma, ainda mais) provoca um misto de sensações na pessoa que esteve durante muitos anos a cumprir um emprego regular. Algumas dessas sensações são óptimas e gratificantes para a mente. Poder dormir mais algum tempo, não ter que aturar ordens absurdas e ver-se obrigado a lidar com superiores que nem sempre são humanos são coisas naturalmente bem recebidas. Possuir o tempo todo para nós dá-nos uma primeira sensação de maravilha da liberdade. Pouco a pouco apercebemo-nos de que temos que aprender a gerir essa aparente imensidão de tempo sem as grandes divisórias que durante anos e anos ele teve. Então passamos a criá-las nós próprios, sendo que a primeira tentativa nem sempre resulta. Dependendo das situações e das circunstâncias, pouco a pouco vamo-nos no entanto estabelecendo e, se notarmos bem, encaixamo-nos em horários que passam a ser os nossos, não necessariamente em paralelo com aqueles que tivemos ao longo da vida embora tenham pontos de contacto.
Possivelmente, o interessante de tudo é, afinal, um conjunto de platitudes. Todos temos a nossa vida, que é, naturalmente, feita de passado e de presente. O futuro existe também, mas é um futuro que se vai estreitando e afunilando à medida que avançamos nos anos. Aos 50 e tal não há razão de tomo para que ele seja visto já afunilado. Pelo contrário. Um escritor que foi galardoado com o Nobel começou a escrever os seus melhores livros após os 60 anos. Importante é o facto de que somos seres individuais. A sombra que nos acompanha em ambientes onde haja luz é a nossa e não a de qualquer outra pessoa. Já fomos mais colectivos, deve dizer-se, quando estivemos activamente a trabalhar para a comunidade. Mas o Estado continua a ver-nos como um número ínfimo que, juntamente com milhares ou milhões de outros ínfimos, faz um todo. Esse todo é sobretudo relevante sob o ponto de vista dos impostos e da Segurança Social. Seja como for, a nossa individualidade comunga em inúmeros casos com a comunidade, seja em espectáculos, seja através do visionamento de televisão ou leitura da imprensa, ou ainda de locais comuns a todos, como centros comerciais ou praias. Mas, e isto parece-me particularmente significativo, falamos cada vez mais connosco próprios. A “verdade” vem ter connosco mais vezes. Sentimos mais a passagem do tempo que, como se fosse brisa ou vento, ora nos acaricia, ora nos fustiga.
A nossa posição no círculo da família muda gradualmente. Deixamos de ser o centro dos centros para, tal como sucede com a transformação das cidades, nos convertermos numa praça que já foi central mas que as alterações e desvios de trânsito levaram a que passasse a ser secundária. Quando sentimos mais a acumulação dos anos, não é impossível que comecemos a ver em nós próprios um postal da antiga cidade. É assim que os outros nos vêem também. Lutamos para que não seja assim, mas há leis que são mais fortes do que nós. Inelutáveis. Ora, essas leis abrangem-nos, como já abarcaram tantos outros seres humanos. Quando nos olhamos ao espelho, conseguimos por vezes alhearmo-nos do passado e vemo-nos apenas com olhos do presente. Esse espelho começa na maioria dos casos a ser para nós mais um inimigo do que um amigo. É ele que nos diz, com justificada razão, que devemos “assumir”. Assumir é porventura bom, mas significa também, em grande medida, capitular. E isso tem claramente mais desvantagens do que vantagens. Lutar é preciso.
Tudo faz parte da conversa connosco mesmos. Como seria de esperar, tal como na nossa vida de emprego activo tivemos altos e baixos, agora temos igualmente baixos e altos. São é mais frequentes. Porquê? Porque temos a menos a distracção produtiva do trabalho e do emprego, com colegas à volta, chalaças aqui e ali, algo como cotoveladas no parceiro que sabe bem dar durante o espectáculo e de que se sente a falta quando comprámos só um bilhete para nós. Estamos mais sozinhos.
A sociedade começa a partir de certa altura a tratar-nos de forma diferente. Se quem não chegou ainda aos 60 não pode pedir um passe de terceira idade (onde a primeira idade e a segunda começam ninguém sabe com rigor) e ainda está apto a responder a inquéritos de telemarketing que excluem automaticamente os que têm mais de 64, quem ultrapassa essa barreira nota a maneira diferente, mais atenciosa ou mais impaciente, com que é tratado. Seja como for, entrou no grupo dos avós e saiu do dos pais. Os que são pais notam isso. Profundamente. Como em tudo, com vantagens e inconvenientes.
Isto daria pano para mangas. Mangas tão longas como longos eram os braços do rei Manuel I deste país. Será melhor parar. É o que faço.
Possivelmente, o interessante de tudo é, afinal, um conjunto de platitudes. Todos temos a nossa vida, que é, naturalmente, feita de passado e de presente. O futuro existe também, mas é um futuro que se vai estreitando e afunilando à medida que avançamos nos anos. Aos 50 e tal não há razão de tomo para que ele seja visto já afunilado. Pelo contrário. Um escritor que foi galardoado com o Nobel começou a escrever os seus melhores livros após os 60 anos. Importante é o facto de que somos seres individuais. A sombra que nos acompanha em ambientes onde haja luz é a nossa e não a de qualquer outra pessoa. Já fomos mais colectivos, deve dizer-se, quando estivemos activamente a trabalhar para a comunidade. Mas o Estado continua a ver-nos como um número ínfimo que, juntamente com milhares ou milhões de outros ínfimos, faz um todo. Esse todo é sobretudo relevante sob o ponto de vista dos impostos e da Segurança Social. Seja como for, a nossa individualidade comunga em inúmeros casos com a comunidade, seja em espectáculos, seja através do visionamento de televisão ou leitura da imprensa, ou ainda de locais comuns a todos, como centros comerciais ou praias. Mas, e isto parece-me particularmente significativo, falamos cada vez mais connosco próprios. A “verdade” vem ter connosco mais vezes. Sentimos mais a passagem do tempo que, como se fosse brisa ou vento, ora nos acaricia, ora nos fustiga.
A nossa posição no círculo da família muda gradualmente. Deixamos de ser o centro dos centros para, tal como sucede com a transformação das cidades, nos convertermos numa praça que já foi central mas que as alterações e desvios de trânsito levaram a que passasse a ser secundária. Quando sentimos mais a acumulação dos anos, não é impossível que comecemos a ver em nós próprios um postal da antiga cidade. É assim que os outros nos vêem também. Lutamos para que não seja assim, mas há leis que são mais fortes do que nós. Inelutáveis. Ora, essas leis abrangem-nos, como já abarcaram tantos outros seres humanos. Quando nos olhamos ao espelho, conseguimos por vezes alhearmo-nos do passado e vemo-nos apenas com olhos do presente. Esse espelho começa na maioria dos casos a ser para nós mais um inimigo do que um amigo. É ele que nos diz, com justificada razão, que devemos “assumir”. Assumir é porventura bom, mas significa também, em grande medida, capitular. E isso tem claramente mais desvantagens do que vantagens. Lutar é preciso.
Tudo faz parte da conversa connosco mesmos. Como seria de esperar, tal como na nossa vida de emprego activo tivemos altos e baixos, agora temos igualmente baixos e altos. São é mais frequentes. Porquê? Porque temos a menos a distracção produtiva do trabalho e do emprego, com colegas à volta, chalaças aqui e ali, algo como cotoveladas no parceiro que sabe bem dar durante o espectáculo e de que se sente a falta quando comprámos só um bilhete para nós. Estamos mais sozinhos.
A sociedade começa a partir de certa altura a tratar-nos de forma diferente. Se quem não chegou ainda aos 60 não pode pedir um passe de terceira idade (onde a primeira idade e a segunda começam ninguém sabe com rigor) e ainda está apto a responder a inquéritos de telemarketing que excluem automaticamente os que têm mais de 64, quem ultrapassa essa barreira nota a maneira diferente, mais atenciosa ou mais impaciente, com que é tratado. Seja como for, entrou no grupo dos avós e saiu do dos pais. Os que são pais notam isso. Profundamente. Como em tudo, com vantagens e inconvenientes.
Isto daria pano para mangas. Mangas tão longas como longos eram os braços do rei Manuel I deste país. Será melhor parar. É o que faço.
9/01/2011
Mês com R
Relativamente à sardinha, é famoso o ditado que nos aconselha a não a comer nos meses com –r-. Digamos que Junho, Julho e Agosto são, pelo menos em princípio, bons meses para comer sardinha. Que o –r- , para além da sua componente gastronómica, também tem uma faceta política, vemo-lo bem através da enorme diferença entre evolução e revolução. Enquanto uma agrada mais a quem prefere o statu quo, a outra mostra a incontida raiva de uns tantos e a vontade de tudo alterar.
Setembro, que hoje se inicia, contém um –r-. Como amargo. É o mês no qual, depois das ameaças feitas pelo governo em Junho, Julho e Agosto, se começam a concretizar uma série de medidas ditas de austeridade que vêm complicar a vida a muitos que, quanto a responsabilidades que tiveram no cartório, pouco ou nada se lhes pode assacar. Já o mesmo não acontece com os maiores culpados, que, apesar de sofrerem um beliscão, sofrem isso mesmo: apenas uma leve beliscadura.
Os substanciais aumentos nos transportes, na electricidade, no gás e na água causam mossa a muita gente. Outros aumentos, nomeadamente nas prestações a pagar aos bancos por empréstimos contraídos para compra de habitação, diminuem igualmente os rendimentos de muitas pessoas. Em certos casos fazem mesmo esticar a corda. Também Setembro vê mais alunos no ensino público do que habitualmente, e menos no privado. A saúde está mais cara, por menos comparticipada. As rendas, especialmente as mais antigas, podem sofrer um aumento substancial nos próximos meses.
Falando desses próximos meses – Outubro, Novembro e Dezembro, todos com –r- - não deixou de ser curioso verificar o sentido de oportunidade em marketing do supermercado Continente ao sugerir aos seus clientes possuidores de cartão que não levantem ainda os descontos que lhes vão sendo concedidos pelas suas compras. Se os guardarem até ao Natal, poderão fazer render os euros entretanto acumulados para parcialmente substituirem no Continente aquilo que gostariam de comprar com o subsídio de Natal que este ano vem bastante mutilado.
Interessantemente, austeridade também contém um –r-.
Setembro, que hoje se inicia, contém um –r-. Como amargo. É o mês no qual, depois das ameaças feitas pelo governo em Junho, Julho e Agosto, se começam a concretizar uma série de medidas ditas de austeridade que vêm complicar a vida a muitos que, quanto a responsabilidades que tiveram no cartório, pouco ou nada se lhes pode assacar. Já o mesmo não acontece com os maiores culpados, que, apesar de sofrerem um beliscão, sofrem isso mesmo: apenas uma leve beliscadura.
Os substanciais aumentos nos transportes, na electricidade, no gás e na água causam mossa a muita gente. Outros aumentos, nomeadamente nas prestações a pagar aos bancos por empréstimos contraídos para compra de habitação, diminuem igualmente os rendimentos de muitas pessoas. Em certos casos fazem mesmo esticar a corda. Também Setembro vê mais alunos no ensino público do que habitualmente, e menos no privado. A saúde está mais cara, por menos comparticipada. As rendas, especialmente as mais antigas, podem sofrer um aumento substancial nos próximos meses.
Falando desses próximos meses – Outubro, Novembro e Dezembro, todos com –r- - não deixou de ser curioso verificar o sentido de oportunidade em marketing do supermercado Continente ao sugerir aos seus clientes possuidores de cartão que não levantem ainda os descontos que lhes vão sendo concedidos pelas suas compras. Se os guardarem até ao Natal, poderão fazer render os euros entretanto acumulados para parcialmente substituirem no Continente aquilo que gostariam de comprar com o subsídio de Natal que este ano vem bastante mutilado.
Interessantemente, austeridade também contém um –r-.
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