Falar de pobreza no mundo é algo perfeitamente comum. Infelizmente. Mas falar de pobreza nos Estados Unidos da América, país que é geralmente considerado o mais rico do mundo, é relativamente raro. O American Dream, que se sente claramente fraquejar em numerosos domínios, leva-nos a caminhos de livre iniciativa, de subida a pulso na vida, de invenções bem sucedidas, de riqueza de um dia para o outro, mas geralmente não nos fala de pobreza.
Agora é oficial que existem mais de 15 por cento de americanos a viverem abaixo da linha de pobreza. Numa população que, segundo o censo de 2010, atingiu 308 milhões, isto significa algo como 46 milhões, i.e., comparativamente, mais de quatro vezes o total da população portuguesa a viver na situação de pobreza. A notícia, oficial, é que esta é a pior situação da população americana desde 1959, ano em que se iniciou a recolha de dados estatísticos sobre a pobreza nos EUA.
Para uma família composta por quatro pessoas, isto significa viver com cerca de 22 mil dólares por ano, quantia que grosso modo corresponde a 16 mil euros. Fazendo as contas, isto dá qualquer coisa com 300 e tal euros por cabeça e por mês. Imagine-se o que significa ter mais do quádruplo da população portuguesa a viver nestas condições num país como a América.
Como um interessante artigo da autoria de Rana Foroohar – vice-directora da revista TIME - assinala, esta crise de pobreza surge em parte devido à outra grande crise com que os Estados Unidos se debatem: o desemprego. Ora, o caminho mais rápido para a pobreza é bem conhecido: a perca de emprego. O que se constata nos Estados Unidos é que esta não é uma crise passageira nem nova. Quando à recessão do ano 2000 se seguiu uma recuperação da economia, os níveis de pobreza não desceram, como seria normal que acontecesse. É que o ponto de viragem não se situa aí, mas sim no legado de duas décadas anteriores de hiperglobalização, quando dezenas de milhar de empregos de salários médios se perderam devido à externalização de serviços – para a China, Índia, Indonésia, etc. – ou foram substituídos por novas tecnologias. Foi nessa altura, com um claro excesso de pessoas à procura de emprego nos EUA, que os salários se foram gradualmente reduzindo. Aquilo que um operário médio leva hoje para casa como rendimento real do seu trabalho fica abaixo do nível dos salários de 1964!
Parcialmente em resultado desta situação, o grau de mobilidade dos americanos desceu muito. Ainda me recordo do número 18. Era o número médio de endereços diferentes que o americano tinha em toda a sua vida. Eu comparava com o que sucedia em Portugal e ficava abismado: conhecia variadíssimas pessoas que viviam na mesma casa toda a vida e que consideravam isso perfeitamente normal. Outras mudavam só quando casavam, e por esse segundo endereço se quedavam. A mobilidade não era realmente a grande característica da sociedade portuguesa, nem mesmo, deve dizer-se, entre os funcionários públicos, embora nestes fosse superior.
Ora, o curioso nos Estados Unidos e que o censo do ano passado revelou é que, como consequência da situação de carência de meios para pagar à banca as prestações da casa que tinham contratualmente adquirido, problema ao qual se juntou a perda do emprego, houve cerca de três milhões de pessoas que por absoluta carência voltaram a habitar a casa dos seus pais. Se contabilizados, eles elevariam para quase 50 milhões o número de americanos que se encontram abaixo do limiar da pobreza.
Dado que, desde a década de 90 do século passado, o crescimento do emprego nos Estados Unidos se situou principalmente no sector público e concretamente no da educação, sectores que entretanto sofreram severos cortes devido à crise, a questão agravou-se na comparação que surge naturalmente entre os beneficiários de direitos antigos (a geração dos baby-boomers) e as actuais gerações, que não só se sentem desprotegidas socialmente com vêem fracas perspectivas à sua frente. A hipótese de conflitos geracionais não pode ser arredada. Entretanto, mais arredado fica o Sonho Americano. Infelizmente também.
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